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Estatuto da Igualdade Racial gera polêmicas

As últimas semanas foram marcadas pela expectativa da votação do Estatuto da Igualdade Racial - um conjunto de políticas públicas em benefício dos afro-descendentes. Tramitando paralelamente na Câmara e no Senado desde o ano passado, o projeto de lei, de autoria do senador Paulo Paim (PT), poderá ser colocado em votação nas próximas semanas. No entanto, as medidas previstas no Estatuto já geraram entusiasmos e polêmicas ligadas à implementação de cotas para negros em universidades, empresas e meios de comunicação, além de uma utilização do conceito de "raça" que foi criticada por alguns pesquisadores.

Segundo Edson Lopes Cardoso, assessor de Paim e fundador do Movimento Negro Unificado (MNU), o Estatuto está nas mãos do poder executivo, que o retirou de pauta no dia 15 de março. A justificativa dada pelo governo, na ocasião, foi a necessidade de uma avaliação de todos os projetos que acarretariam despesas a serem assumidas pelo Estado.

De acordo com Célia Marinho de Azevedo, historiadora da Unicamp, o Estatuto tem aspectos bastante relevantes para o campo das políticas públicas brasileiras, como a instituição da disciplina História da África nos currículos escolares, a valorização das religiões afro-brasileiras e a defesa das sociedades quilombolas, que resistiram em suas terras desde os tempos da escravidão. A historiadora informa que existe a perspectiva de ajustes normativos para que o racismo possa ser efetivamente combatido em suas "manifestações individuais, estruturais e institucionais", como prevê um dos artigos do documento. Porém, diz a pesquisadora, "há um ponto básico deste Estatuto do qual discordo totalmente, que é a instituição de cotas raciais e, por conseguinte, a obrigatoriedade de classificação racial da população por todos os organismos de Estado".

Para ela, o Estatuto destaca a necessidade da criação de "direitos de raça" impostos pelo Estado, em detrimento da questão que deveria ser da ordem do dia para todos os cidadãos, afro-descendentes ou não, que é a abolição do racismo: "lutar para abolir o racismo começa pela demolição das velhas categorias raciais inventadas pela ciência racista do século XIX e que, a despeito de seu rastro de horrores ao longo do século XX, ainda perdura no imaginário social e científico", lamenta.

A opinião da advogada Flavia Lima, coordenadora do Programa de Justiça da ONG Núcleo de Estudos Negros, em Florianópolis (SC), é oposta: ela acredita que a classificação dos indivíduos segundo a raça pode ser um instrumento na luta contra o racismo. A obrigatoriedade de registro da cor seria um ponto positivo do Estatuto, já que permite investigações sobre racismo em diversas esferas da sociedade. "Um dos maiores problemas do movimento racial é a falta de dados que comprovem a discriminação", defende a advogada. "Algumas pesquisas informais mostram que o tratamento de saúde dispensado aos negros é negativamente diferenciado. Mas para que esses dados sejam confirmados, é preciso que se tenha o registro da cor dos pacientes".

Outro ponto de discórdia diz respeito aos pontos do texto do projeto de lei em que aparece esta associação entre raça e saúde, como o capítulo I, que estabelece a "obrigatoriedade da introdução do quesito raça/cor em todos os documentos em uso no Sistema Único de Saúde". Isso, de acordo com Célia de Azevedo, ultrapassa a utilização de "raça" como um termo que foi culturalmente construído e existe no senso comum, o que justificaria, para alguns, a defesa de políticas como as cotas raciais. Trata-se, acha ela, do reconhecimento da existência biológica das raças humanas. "É importante que o público saiba que os geneticistas não são unânimes nisso, antes que se permita a destinação de verbas públicas para a pesquisa científica das doenças de 'raça'". Na opinião de Flavia Lima, pelo contrário, a distinção entre as raças é certa, mesmo que biologicamente o conceito não exista. "A discriminação se dá por conta da aparência. Não se pode negar que a partir do fenótipo, há uma diferenciação entre as pessoas. O termo certo pode não ser raça, mas quanto mais clara a cor da pele, maiores as possibilidades de ascensão na sociedade. Definir a raça não aumenta o racismo", afirma.

A nova versão do Estatuto apresentada pelo governo retira a previsão de uma cota mínima de 20% para preenchimento de vagas em cargos e empregos públicos, cursos de graduação e contratos do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior. Em seu lugar, sugere a adoção de medidas afirmativas e prevê que o percentual mínimo das cotas seja estabelecido por estados, municípios e o Distrito Federal. Lima considera positiva a mudança: "Não se pode delimitar um percentual geral, porque há uma situação específica em cada local. Em Santa Catarina, por exemplo, 12% da população é negra. Como justificar um percentual de 20% para as cotas? Na Bahia, 80% da população é negra. Mais uma vez, os 20% não se aplicam".

Uma outra alteração desagradou os movimentos de defesa dos direitos do negro: a suspensão do Fundo Nacional de Promoção da Igualdade Racial, que teria como objetivo desenvolver políticas públicas que promovessem a igualdade de oportunidades e a inclusão social dos afro-brasileiros. O texto original prevê a criação do Fundo com recursos da receita da União, doações e custas judiciais e multas de processos que envolvam racismo. Com a emenda do governo, o Estatuto diz apenas que os recursos com essa finalidade devem estar previstos no Plano Plurianual. Segundo Edilson Nabarro, sociólogo e assessor do Centro Ecumênico de Cultura Negra em Porto Alegre (RS), o fato dos orçamentos estarem ligados ao Plano Plurianual é um retrocesso. "Se a fonte de sustentação do Fundo estivesse garantida, não haveria problemas. 'Solta' no Plano Plurianual, porém, a medida terá que disputar o orçamento com outros planos sociais", critica.

O Estatuto Racial foi fruto de um processo de debates entre políticos, pesquisadores e, principalmente, representantes do poder público e do Movimento Negro. Apresentado à Câmara em junho de 2000, ele incorporou dois projetos já existentes, que previam a fixação de reservas de vagas para afro-descendentes nas listas de candidaturas registradas por partidos políticos e nos vestibulares das universidades públicas federais. Foram realizadas audiências públicas e visitas a alguns estados, visando conhecer diferentes iniciativas de combate à discriminação e ações de promoção da igualdade racial. Em meados de 2002, após a realização de um seminário especial para discutir o tema, o Estatuto foi apresentado à Câmara e ao Senado. Na semana passada, o governo desistiu de tratar das cotas para negros nas universidades por meio de medida provisória: as questões relacionadas a políticas afirmativas serão tratadas no Congresso, onde tramitam vários projetos de lei relacionados ao assunto, incluindo o projeto do Estatuto. Agora, resta saber quando, e de que forma, ele se tornará efetivo.

Atualizado em 20/04/04
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