Testemunhos sobre as medidas de contenção da poluição na China

Por Monique Rached

Especialistas da economia e da área ambiental avaliam quais especificidades da China contribuem nas mudanças em direção a um futuro mais sustentável.

É inevitável a todos que já moraram na China, ou mesmo aos que apenas visitaram o país por certo período atentar aos altos índices de poluição. Assim conta a economista Paula Carvalho, que trabalha como coordenadora no Instituto de Estudos Brasil-China, IBRACH, e que justo no primeiro dia de sua primeira viagem à Pequim, em dezembro de 2015, encontrou a cidade coberta por uma névoa tão densa que a impedia de enxergar mais de um metro à frente. “Era a tão falada poluição da China, que tinha atingido níveis tão altos naqueles dias que estavam sendo chamados de ‘airpocalypse’. As escolas e fábricas na região de Pequim foram fechadas e o cenário era tenebroso. Não havia mais céu”, comenta. Paula conta que, para a sua sorte, no segundo dia de viagem o vento soprou e dissipou a névoa, embora os índices de poluição tenham permanecido altíssimos. “Pude, enfim, ver os prédios, as pessoas e o céu de Pequim.”

A ocorrência dessa fumaça densa, ou “smog”, a expressão originária do inglês que junta as palavras smoke (fumaça) e fog (nevoeiro), se deve principalmente ao alto grau de industrialização das cidades chinesas, da queima de combustíveis fósseis e do carvão. Principalmente no inverno, quando há uma demanda maior para manter aquecedores domésticos ligados, a emissão das micropartículas de poeira carbonizada se eleva.

O professor de direito internacional público da FGV Direito Rio, que também é senior scholar na Shanghai University of Finance and Economics (SUFE), Evandro Carvalho relata um episódio similar e extremamente impressionante que vivenciou durante o período de três anos em que morou em Xangai . Ele testemunhou um dia no qual os sensores de poluição atmosférica da rua da cidade marcaram assustadores 600PM2.5, sendo que a média se mantinha em torno de 100PM2.5, valor que já é considerado acima do adequado. Nesta escala, são considerados saudáveis níveis de até 50 PM2.5.

Apesar do horizonte aparentemente pouco esperançoso em relação à erradicação da poluição, o governo chinês tem investido fortemente em soluções e energias limpas. Evandro cita a declaração de Li Keqiang, atual primeiro-ministro da República Popular da China, que disse:  “Se tem uma guerra a qual a China irá se engajar é contra a poluição.”

“Você tem uma questão democrática da poluição aí. Ela atinge todos que estão na cidade, inclusive os próprios líderes da China. Então, isso cria uma demanda interna muito grande e um questionamento que põe em xeque a governança do partido”, diz o professor de direito internacional. Carvalho afirma também que diante dessa problemática o governo chinês viu uma oportunidade de comércio internacional.

Desde o 18º Congresso Nacional do Partido Comunista da China (CPC), ocorrido em novembro de 2012, o governo apresentou o plano intitulado “The Beautiful China Initiative (BCI)”, buscando se aproximar dos objetivos da Agenda 2030 de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas. A política do BCI se apoia na ideia de um desenvolvimento estratégico “cinco em um”. Dessa forma, eles buscam não apenas uma China bonita, ou algo estético, como o nome do plano sugere, mas sim um desenvolvimento integrado baseado na harmonia entre economia, política, cultura, sociedade e ecologia.

Na visão de Paula, a China “encanta a todos os economistas na sua forma de desenvolvimento”. O país que hoje lidera o mercado de energia eólica e solar no mundo responde por quase um terço de toda a energia limpa gerada no planeta, de acordo com dados da Agência Internacional de Energia.

Desde 2015, a economista tem voltado à China anualmente e diz ser visível até mesmo dentro das cidades o esforço do governo para resolver o problema. “Nunca mais deixei de ver o céu, e as metrópoles têm ficado cada vez mais verdes.”

O sucesso do desenvolvimento e implementação dessas tecnologias certamente é invejável. A China, um país com elevado índice de industrialização e que registra recordes de poluição, apresenta agora, também, projetos para cidades totalmente sem carros. Além disso, a introdução de carros elétricos, que em algumas cidades já são maioria, representou uma mudança relativamente rápida e efetiva.

Evandro explica que esse poder de transformação se deve bastante ao modelo de governança chinesa baseado em experimentos. “Eles aplicam um projeto piloto no local, analisam e estudam o comportamento da população; o desenvolvimento da economia, e depois começam a replicar. Então, é um Estado unitário que tem um alto grau de experimentação. Maior muitas vezes do que vários países que são constituídos como federação, como é o caso do Brasil.

O maior programa de regeneração ambiental do mundo – Grain for Green
Para que os fenômenos de aglomeração de material particulado como o smog deixem de acontecer naquelas proporções, é necessário diminuir as emissões das partículas na atmosfera. Além de mitigar, outra medida que auxilia nessa questão é a implementação de coberturas vegetais que absorvem gases como o CO2 e também freiam a dispersão de outras partículas.

Por conta disso, vários projetos envolvendo o plantio de árvores ao longo de centenas de milhares de quilômetros do território chinês aconteceram dentro do programa Grain for Green, iniciado em 1999. A iniciativa foi apelidada, inclusive, como “grande muralha verde”.

A exposição crônica aos particulados diminui a expectativa de vida e contribui para a ocorrência de doenças cardiovasculares e respiratórias, assim como câncer de pulmão. Principalmente próximo a regiões de aridez, há maior associação entre partículas de poluição com areia, o que agrava o problema.

Na área do platô de Loess, localizado no nordeste da China em uma região semiárida e próxima ao rio Amarelo, foi realizado um reflorestamento voltado a esse objetivo de filtragem do ar e controle de mudanças climáticas como o processo de desertificação. O pesquisador Aurélio Padovezi, especialista na área de recursos florestais e que foi à China em 2015 representando um grupo de ONGs brasileiras no intuito de buscar referências para a elaboração de um plano de restauração nacional, alerta para o fato da implementação do projeto lá não ter sido muito bem-sucedida.

Segundo o engenheiro agrônomo, foram plantadas na região apenas espécies pioneiras, estas que crescem rapidamente e morrem sem conseguirem dar uma continuidade ao sistema florestal e, consequentemente, não trazendo mais os benefícios ambientais desejados.

“O problema foi plantar espécies em um número baixíssimo de biodiversidade. Ao longo daquela região foram plantadas apenas 2 ou 3 espécies diferentes, e todas pioneiras”, comenta Padovezi. O engenheiro agrônomo esclarece que, em um projeto de reflorestamento, é necessário incorporar uma biodiversidade maior para, dessa forma, criar mais nichos ecológicos diferentes e garantir assim a possibilidade de a floresta se tornar mais autóctone (mais adaptada àquele ambiente).

Outra região também incluída no Grain for Green foi o reservatório de Miyun. Localizado a cerca de 100 km de Pequim, o reservatório tem extrema importância na função de abastecimento de água. Neste caso, as medidas de reflorestamento tiveram um caráter preventivo, visando manter a qualidade da água. Por conta do reservatório, existem muitas restrições de uso da terra. Segundo Padovezi, “a restauração neste caso foi uma ferramenta para acelerar o desenvolvimento econômico”.

Em Miyun, portanto, a estratégia envolvia os proprietários rurais cederem pedaços de terra dos locais mais relevantes para a boa infiltração de água no lençol freático e, em troca, recebiam do governo assistência técnica e kits para o plantio de outras variedades vegetais, como rosa. Dessa forma, lidando com um produto mais lucrativo como a rosa, os proprietários de terra garantem uma renda equivalente em uma área menor de plantio. Enquanto isso, as áreas liberadas foram restauradas por meio de agroflorestas, onde foram plantadas espécies nativas da China como caqui, pera, laranja entre outras. “Foi uma forma de o governo central fazer o dinheiro circular com investimento de restauração”, completa Padovezi.

Se todas essas medidas de restauração ambiental serão eficientes o bastante para garantir um futuro de qualidade para a China, é difícil dizer. Padovezi, que além da China visitou outras áreas de reflorestamento na Europa e Ásia, explica como é complicado falar em indicadores de restauração. Tudo depende muito do foco principal, que pode estar tanto na absorção de carbono, no aumento de infiltração de água para manutenção de lençol freático, ou na manutenção da biodiversidade.

Já para classificar uma floresta como sadia ou não, os elementos são mais claros. Uma floresta sadia, segundo Padovezi, é aquela que consegue seguir seus processos naturais por conta própria. Ela precisa ter uma diversidade mínima que garanta a manutenção daquela cobertura vegetal. As espécies precisam florescer em épocas diferentes e também frutificar eficientemente.