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No Brasil moradia é vista como negócio
Por André Gardini
18/07/2006

Entre os dias 12 e 17 de julho, cerca de 40 famílias ligadas aos movimentos sociais de luta por moradia foram despejadas de imóveis ocupados na capital paulista. No final do mês de junho, 50 famílias sem-teto que ocupavam a 10 anos um casarão na capital carioca tiveram o mesmo destino. Desde 2001, o Estado tem na Lei 10.257 mecanismos para combater a especulação imobiliária e garantir moradia à população, mas os direitos individuais à propriedade têm prevalecido. O grito pela função social da moradia também ecoou no Seminário Habitação e Reabilitação de Áreas Urbanas Centrais, que terminou dia 7 de junho no Rio de Janeiro.

A secretária nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades, Raquel Rolnik, mencionou o paradoxo que se vive no Brasil da falta e, ao mesmo tempo, sobra de residências no país, e defendeu os subsídios do governo para aluguel de imóveis vazios. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) existem 5 milhões de imóveis desocupados nos principais centros urbanos e um déficit habitacional de cerca de 7 milhões de moradias no país.


Programa Gritos Urbanos
gritosurbanos.blogspot.com

O conceito de função social da propriedade urbana se opõe ao de propriedade particular sem uso. Não prega o fim da propriedade privada, mas questiona a existência de imóveis urbanos vazios em regiões onde o número de famílias precisando de moradia é bastante elevado. São Paulo é um caso particular nesse cenário. Estima-se que nesse município há mais imóveis vazios do que famílias sem casa para morar, sendo que 10% dos imóveis vagos (cerca de 40 mil), estão no centro, descumprindo sua função social. Cerca de 600 mil moradores estão em cortiços e há 1,2 milhão de pessoas morando em favelas, em mais de 2 mil favelas na capital do estado mais rico do Brasil.

Embora alguns municípios utilizem-se de instrumentos urbanísticos para combater especulação de terras - como o IPTU progressivo -, a Lei que estabelece que o uso da propriedade urbana deve servir a fins coletivos surtiu poucos efeitos sobre a política de habitação do país. Para a arquiteta e urbanista Paula Santoro, do Núcleo de Urbanismo do Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais (Instituto Pólis), “o problema está no fato de que a questão da moradia no Brasil é vista como negócio”. Santoro manifesta esperança de que as diretrizes estabelecidas no Estatuto da Cidade sejam contempladas nos Planos Diretores dos municípios, que devem ser fechados até outubro de 2006.


Déficit Habitacional no Brasil: Municípios Selecionados e
Microregiões Geográficas - 2ª edição. Fundação João Pinheiro

Os Planos Diretores precisam levar em consideração não apenas os mecanismos urbanísticos de liberação de imóveis que possam ter um destino social, mas um conjunto de variáveis que envolve o direito à moradia. Como lembra Silvia Barboza, coordenadora da Comissão de Habitação do Instituto dos Arquitetos do Brasil e organizadora do Seminário que aconteceu no Rio, "o direito a habitação não é apenas o direito a moradia. É também o direito ao lazer, a circulação pelo território, que envolve as questões do transporte, e até o direito ao descanso".

Embora a defesa da função social ganhe corpo a cada dia, vale marcar que existem diferenças entre as propostas dos movimentos sociais, governos e algumas entidades do terceiro setor. Os movimentos sociais de luta por moradia têm, em sua maioria, encontrado como saída ocupar imóveis vazios, por vezes abandonados a mais de dez anos, como forma de pressão para que estes sejam desapropriados e transferida sua propriedade aos seus ocupantes. Já a secretária nacional Rolnik acena com a necessidade do Estado subsidiar a locação de imóveis vazios pelas famílias de baixa renda, argumentando que essa alternativa seria mais viável para o governo do que a construção de novas moradias. Neste caso, não se mexe com a propriedade dos imóveis.

Já para Marco Antonio Ramos de Almeida, superintendente geral da Associação Viva o Centro, a solução seria, no caso da cidade de São Paulo, a construção de prédios nos galpões e fábricas abandonados no centro. Esta última opção não mexe com os imóveis vazios, nem toca na questão da especulação imobiliária. Barboza relata que na mesa “Planos de revitalização e reabilitação integrada para áreas urbanas centrais”, que ocorreu do Seminário, também foi discutida a proposta de construção de novos imóveis em antigas fábricas e indústrias. Entretanto, pesquisadores alertaram que, por se tratarem de antigas áreas que desempenhavam funções industriais, pode haver contaminação do solo nesses terrenos. “Há problemas em conceder essas áreas para infra-estrutura habitacional, mas não é impossível, pois existem tecnologias de despoluição desses solos para reverter o local para uso habitacional”.


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