Em
pôster apresentado durante o I Foro Iberoamericano de Comunicação e
Divulgação Científica, que ocorreu na Unicamp entre os dias 23 e 25 de
novembro, o pesquisador Paulo Roberto da Cunha, do Laboratório de
Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp, mostrou uma extensa análise
de livros infantis voltados para a divulgação científica. E os
resultados do seu grupo de pesquisa não são nada animadores: de um
total de mais de 280 livros analisados, apenas pouco mais de trinta
foram considerados livres de equívocos graves e adequados como leitura
científica para crianças.
O
grupo responsável pela pesquisa contou com três pesquisadores em
educação vindos de áreas específicas da ciência: além de Cunha, biólogo
do Centro Universitário Fundação Instituto de Ensino para Osasco
(Unifieo) e pós-graduando do Labjor/Unicamp, o grupo é formado pelos
químicos Mansur Lutfi, da Unicamp, e Fábio Gouveia, da USP. Numa
primeira triagem, cerca de 90 livros já foram eliminados por erros
grosseiros ou inadequação material, com encadernação de péssima
qualidade. Os restantes (191) foram, então, analisados pelo grupo. “A
análise foi uma avaliação de conteúdo, temática e linguagem de livros
não-didáticos, que podem ser considerados como leitura complementar,
para crianças de seis a oito anos”, explica Cunha.
Um
dos problemas mais comuns encontrados pelo grupo foi a inadequação da
linguagem para o público infantil. Cunha mostra um exemplo em que a
proporção da superfície da Terra entre terra e água é apresentada em
termos de quilômetros quadrados. “A analogia é completamente
inadequada: uma criança nessa faixa etária, mesmo que já tenha ouvido
falar do conceito de quilômetro quadrado, ainda não tem capacidade de
abstração para poder imaginar com clareza a proporção que está sendo
proposta”, avalia. O pesquisador cita outro exemplo de erro que vem da
proporção: “Encontramos muitas imagens que apresentam animais
completamente fora de proporção, coisas como um gato do mesmo tamanho
de uma baleia, representações descuidadas que acabam tendo impacto na
visão das crianças”, critica.
Para
ele, erros em imagens são tão ou mais graves quanto erros no texto
escrito, especialmente em se tratando de leitura infantil. Cunha lembra
de uma representação da diferença entre água do mar e água doce: “Para
mostrar essa diferença, o livro mostra uma pessoa segurando, na água,
um saco de açúcar”, diz, com um inevitável misto de gravidade e riso,
exemplificando representações pictóricas que, além de transmitirem
ideias completamente errôneas, não contribuem em nada para a criança
entender importantes e rudimentares conceitos científicos.
Esses
equívocos parecem inocentes quando comparados à confusão que muitos
livros fazem entre o discurso científico e o pensamento mágico, o
misticismo e também o senso comum. Animais e plantas que conversam com
seres humanos podem ser úteis para aguçar a imaginação literária e
poética das crianças, mas ao mesmo tempo, se isso for feito sem muito
cuidado, pode resvalar no animismo, no antropomorfismo e na magia,
coisas que a ciência moderna varreu do mapa há tempos. Cunha esclarece
que “o grupo (de pesquisa) parte do ponto de vista do letramento
científico; portanto, aquilo que não teria problemas numa literatura
não voltada para as ciências, neste tipo de livro pode acabar não sendo
adequado do ponto de vista científico e de letramento científico para
crianças”.
É
verdade que, quando se trata de escrever sobre ciência para um público
amplo - e não apenas o infantil -, caminha-se no fio da navalha.
Conceitos científicos não são concebidos para serem facilmente
compreensíveis. O que não quer dizer que qualquer simplificação seja
válida e aceitável. Se o letramento científico é o objetivo de um nicho
de livros infantis, esse nicho deve corresponder precisamente aos
conceitos que quer ensinar. Conclui-se, por esse estudo, ser preciso
mais cuidado com “astronautas conversando com astros” e “mamíferos
apresentados como o topo da hierarquia entre os animais”, nas palavras
de Cunha, pois estas são imagens estranhas à ciência. Depurar o que as
crianças aprendem é fundamental para uma sociedade que pretende
compreender, partilhar e participar da construção do conhecimento
científico.