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Grupo avalia literatura científica para crianças
Por Danilo Albergaria
03/12/2009

Em pôster apresentado durante o I Foro Iberoamericano de Comunicação e Divulgação Científica, que ocorreu na Unicamp entre os dias 23 e 25 de novembro, o pesquisador Paulo Roberto da Cunha, do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp, mostrou uma extensa análise de livros infantis voltados para a divulgação científica. E os resultados do seu grupo de pesquisa não são nada animadores: de um total de mais de 280 livros analisados, apenas pouco mais de trinta foram considerados livres de equívocos graves e adequados como leitura científica para crianças.

O grupo responsável pela pesquisa contou com três pesquisadores em educação vindos de áreas específicas da ciência: além de Cunha, biólogo do Centro Universitário Fundação Instituto de Ensino para Osasco (Unifieo) e pós-graduando do Labjor/Unicamp, o grupo é formado pelos químicos Mansur Lutfi, da Unicamp, e Fábio Gouveia, da USP. Numa primeira triagem, cerca de 90 livros já foram eliminados por erros grosseiros ou inadequação material, com encadernação de péssima qualidade. Os restantes (191) foram, então, analisados pelo grupo. “A análise foi uma avaliação de conteúdo, temática e linguagem de livros não-didáticos, que podem ser considerados como leitura complementar, para crianças de seis a oito anos”, explica Cunha.

Um dos problemas mais comuns encontrados pelo grupo foi a inadequação da linguagem para o público infantil. Cunha mostra um exemplo em que a proporção da superfície da Terra entre terra e água é apresentada em termos de quilômetros quadrados. “A analogia é completamente inadequada: uma criança nessa faixa etária, mesmo que já tenha ouvido falar do conceito de quilômetro quadrado, ainda não tem capacidade de abstração para poder imaginar com clareza a proporção que está sendo proposta”, avalia. O pesquisador cita outro exemplo de erro que vem da proporção: “Encontramos muitas imagens que apresentam animais completamente fora de proporção, coisas como um gato do mesmo tamanho de uma baleia, representações descuidadas que acabam tendo impacto na visão das crianças”, critica.

Para ele, erros em imagens são tão ou mais graves quanto erros no texto escrito, especialmente em se tratando de leitura infantil. Cunha lembra de uma representação da diferença entre água do mar e água doce: “Para mostrar essa diferença, o livro mostra uma pessoa segurando, na água, um saco de açúcar”, diz, com um inevitável misto de gravidade e riso, exemplificando representações pictóricas que, além de transmitirem ideias completamente errôneas, não contribuem em nada para a criança entender importantes e rudimentares conceitos científicos.

Esses equívocos parecem inocentes quando comparados à confusão que muitos livros fazem entre o discurso científico e o pensamento mágico, o misticismo e também o senso comum. Animais e plantas que conversam com seres humanos podem ser úteis para aguçar a imaginação literária e poética das crianças, mas ao mesmo tempo, se isso for feito sem muito cuidado, pode resvalar no animismo, no antropomorfismo e na magia, coisas que a ciência moderna varreu do mapa há tempos. Cunha esclarece que “o grupo (de pesquisa) parte do ponto de vista do letramento científico; portanto, aquilo que não teria problemas numa literatura não voltada para as ciências, neste tipo de livro pode acabar não sendo adequado do ponto de vista científico e de letramento científico para crianças”.

É verdade que, quando se trata de escrever sobre ciência para um público amplo - e não apenas o infantil -, caminha-se no fio da navalha. Conceitos científicos não são concebidos para serem facilmente compreensíveis. O que não quer dizer que qualquer simplificação seja válida e aceitável. Se o letramento científico é o objetivo de um nicho de livros infantis, esse nicho deve corresponder precisamente aos conceitos que quer ensinar. Conclui-se, por esse estudo, ser preciso mais cuidado com “astronautas conversando com astros” e “mamíferos apresentados como o topo da hierarquia entre os animais”, nas palavras de Cunha, pois estas são imagens estranhas à ciência. Depurar o que as crianças aprendem é fundamental para uma sociedade que pretende compreender, partilhar e participar da construção do conhecimento científico.