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Maior referência da botânica brasileira se moderniza em seu centenário
Por Maria Guimarães
22/03/2006

Já havia desmatamento quando Von Martius conheceu o Brasil.
Já havia desmatamento quando Von Martius conheceu o Brasil.

O inventário mais completo da flora brasileira foi feito... há 100 anos! Trata-se da Flora Brasiliensis, do médico e botânico alemão Carl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868), restrita a poucos por ser preciosa e rara. A partir de hoje qualquer pessoa poderá admirar as ilustrações da obra, com o lançamento da Flora Brasiliensis On-Line durante a 8a Reunião da Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP-8), em Curitiba. A obra em formato digital será o ponto de partida para uma atualização e ampliação do original. Os avanços resultantes no conhecimento sobre a taxonomia (classificação) das plantas brasileiras será essencial para o manejo da biodiversidade, como ressalta a Iniciativa Global de Taxonomia, um dos planos estratégicos da Convenção de Diversidade Biológica.

A versão digital da Flora Brasiliensis é resultado de um consórcio de instituições. As ilustrações foram digitalizadas com alta resolução no Jardim botânico de Missouri, Estados Unidos. O portal na internet é obra do Centro de Referência em Informação Ambiental (Cria), em Campinas, com direção de Vanderlei Canhos. A equipe do Cria desenvolveu uma tecnologia que permite ampliar as imagens sem perder resolução, de forma que o internauta pode enxergar um nível de detalhe que nem os ilustradores viram quando fizeram os desenhos. O projeto é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a Fundação Vitae e a Natura.

Von Martius chegou ao Brasil em 1817, como parte da comitiva austríaca que a companhava a arquiduquesa Leopoldina. Passou três anos no Brasil, ao longo dos quais percorreu 10 mil quilômetros passando pelas regiões Sudeste, Nordeste e Norte, e retornou à Alemanha com material para diversas obras sobre o Brasil. A Flora Brasiliensis consiste em 130 fascículos, dos quais o último foi publicado em 1906, após a morte do autor. São 22.767 espécies descritas, com ilustrações para 3811 delas. Estima-se que no Brasil existam cerca de 50 mil espécies de plantas, de forma que o catálogo mais abrangente que possuímos está longe de ser completo.

Roteiro percorrido por Von Martius entre 1817 e 1820.
Roteiro percorrido por Von Martius entre 1817 e 1820.

Informações serão complementadas

A tecnologia de ampliação das imagens desenvolvida pelo Cria permitirá que as pranchas botânicas sejam utilizadas por especialistas, quase como se tivessem diante de si uma planta debaixo de uma lupa. Porém, o site recém lançado ainda não soluciona por completo a dificuldade de acesso às informações da obra de Von Martius porque contém somente as ilustrações, e não o texto escrito pelo especialista alemão. Vanderlei Canhos diz que os textos estão sendo digitalizados em Missouri e serão incorporados ao site, mas não serão traduzidos do latim. Segundo ele, são textos extremamente técnicos e úteis somente para botânicos, que lêem latim. No futuro, explicações dirigidas ao público leigo serão inseridas no site do Cria.

Arrabidaea inequalis, hoje Cuspidaria inequalis

Arrabidaea inequalis, hoje Cuspidaria inequalis

A Flora Brasiliensis On-Line servirá como ponto de partida para promover um avanço no conhecimento sobre as plantas do Brasil. O próximo passo, coordenado pelo botânico George Shepherd, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é atualizar a nomenclatura utilizada por Von Martius, de acordo com o conhecimento atual, para a produção de um catálogo das plantas do Brasil. A botânica Lúcia Lohmann, da Universidade de São Paulo (USP), é responsável pela revisão das bignoniáceas, a família do ipê. De acordo com sua avaliação, das 357 espécies dessa família que constam da obra de Von Martius, somente 40% permanecerão inalteradas. A botânica da USP coordena também um grupo de pesquisadores internacionais com o intuito de recolher todo o conhecimento disponível sobre a flora brasileira, que poderá ser adicionado ao site do Cria. “Uma coisa interessante deste projeto é o fato dele ser dinâmico. Isto é, o objetivo não é só colocar a obra on-line, mas servir de ponto de partida para realmente revisar a Flora do Brasil. É a base para a taxonomia do futuro!”, comemora.

A iniciativa representada pela Flora Brasiliensis On-Line é pioneira. Não há ainda outros projetos do mesmo tipo em andamento, mas Canhos acredita que as inovações que permitem tão alta qualidade de imagem serão sem dúvida úteis para disponibilizar outras obras científicas para o público.