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Liberdade de animais silvestres nem sempre é sinônimo de sucesso
Por Aline Meira Bonfim Mantellatto
21/12/2015
Solturas de animais silvestres provenientes de criadouros, zoológicos e órgãos ambientais são realizadas com frequência com o propósito conservacionista, porém, em diversos casos o real objetivo é a liberação de excedente das instituições.

Quem faz o alerta é o professor e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Conservação de Cervídeos (Nupecce), na Unesp, campus de Jaboticabal, José Maurício Barbanti Duarte. Segundo ele, “o problema no Brasil não é a falta de trabalhos de reintrodução, mas sim a soltura descuidada para resolver problemas de organizações públicas”.

Duarte refere-se às ações realizadas muitas vezes sem critérios e monitoramento a longo prazo. A soltura é um evento complexo e que exige a realização de estudos prévios, durante e após o processo, e que nem sempre são levados em consideração, seja por falta de suporte financeiro ou pessoas capacitadas. Quando não há planejamento adequado, o que deveria ser uma ação conservacionista torna-se, na verdade, mais um problema ambiental. Um dos maiores riscos associados a esta prática é a disseminação de zoonoses, com a possível extinção local de espécies.

No Brasil, em geral, são poucos os exemplos de reintroduções bem-sucedidas. A mais recente é a da cutia, que havia desaparecido de uma região de Mata Atlântica, no estado do Rio de Janeiro. O projeto teve início em 2010, e o monitoramento demonstra que, apesar do pouco tempo, o sucesso é percebido, principalmente, pela reprodução dos animais. Além de preservar a espécie, o retorno auxilia a restauração e manutenção da flora da região, já que elas ajudam na dispersão de sementes.

Para o coordenador do projeto, Fernando Antonio dos Santos Fernandez, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, “soltura é o simples ato de liberar animais sem nenhum tipo de estudo, em qualquer região, feito muitas vezes por polícia ambiental, bombeiros e proprietários de animais traficados”. No Brasil, são realizadas tanto por indivíduos e ONGs, quanto por órgãos públicos, como Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), Centro de Reabilitação de Animais Silvestres (Cras) e zoológicos. Os resultados a médio ou longo prazo raramente têm sido documentados.

“Em muitos casos, o objetivo principal parece ser aliviar o excedente de animais no plantel de Cetas ou zoológicos”, confirma Carlos Ramón Ruiz-Miranda, professor da Universidade Estadual Norte Fluminense, coordenador sul americano do Grupo de Especialistas em Reintrodução da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN). Para ter uma ideia de como mesmo um caso de sucesso pode sofrer interferência de outro mal planejado, há o exemplo do projeto coordenado por Ruiz-Miranda com mico-leão-dourado.

O programa teve início em 1984, e desde então a população cresceu significativamente. Hoje, a contribuição dos animais reintroduzidos na região representa, aproximadamente,40% dos 1.500 micos na natureza. Pelo fato de a população ser monitorada, os pesquisadores perceberam que um dos fatores que afeta a sobrevivência e causa dificuldade de reprodução dos micos é a competição com os saguis, seja por território ou alimento. Mas essa espécie de primata não ocupava naturalmente o estado do Rio de Janeiro, e chegou à região por meio de solturas provenientes do comércio ilegal.

O grande número de animais mantidos pelos órgãos públicos vem de apreensões do tráfico e também da chegada de espécies silvestres às áreas urbanas. Assim, uma das possibilidades para mitigar o problema das solturas é investir em ações que inibam a compra ilegal de animais silvestres (não procedentes de criadouros autorizados pelo Ibama), preservar o ambiente natural dos animais e investir em atividades de educação ambiental.