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Artigo
Inovação, como medir?
Por Maíra Baumgarten e Leonardo Santos de Lima
10/03/2015
Como elemento central da atual sociedade do conhecimento, o tema da inovação tem ampliado seu papel de destaque, tanto na discussão acerca das estratégias de desenvolvimento orientadas pelo conjunto das práticas capitalistas globais, quanto no debate em torno da constituição de alternativas ao modo hegemônico de produção e de organização da base material da sociedade (Baumgarten; Santos de Lima, 2013). Entretanto há, ainda, poucas análises sobre as políticas de ciência, tecnologia e inovação (CTI) executadas na América Latina e sobre a influência das mesmas sobre o desenvolvimento econômico, social e produtivo da região, o que requer, necessariamente, a produção de instrumentos de mensuração das políticas de CTI, especificamente indicadores de repercussões sociais da pesquisa científica e tecnológica, tema ainda pouco estudado na área de indicadores (Baumgarten; Vargas; Santos de Lima, 2013).

Dada a centralidade da inovação no cenário contemporâneo, as limitações nesse sentido estão, em grande parte, associadas à adoção de uma perspectiva restrita do termo quando do desenvolvimento de indicadores e da avaliação dos resultados das políticas de CTI implementadas no país. Sob esse entendimento restrito, a ideia de inovação se confunde com a noção de inovação tecnológica, limitada à relação com a produtividade, a competitividade e com a acumulação, conforme a perspectiva presente já nos estudos iniciais sobre o capitalismo – notadamente Marx (2012) e, após, Schumpeter (1957).

Esse enfoque adquire importância crescente não só na literatura especializada como no âmbito do senso comum, em que o termo designa, conforme Castilhos (2011, p. 225), “todos os processos que envolvem o uso, a aplicação e a transformação dos conhecimentos técnicos e científicos em recursos relacionados à produção e à comercialização, tendo, no sistema capitalista, o lucro como perspectiva”. Por meio dessa noção, a ideia de inovação expressa, portanto, o fenômeno histórico de aproximação sistemática entre ciência, técnica e produção (Ibid., p. 227), no qual o conceito se insere dentro de um esquema tradicional do processo inovador: pesquisa fundamental – pesquisa aplicada – desenvolvimento experimental – inovação – comercialização, ainda que atualmente sejam reconhecidas as relações interativas e recursivas entre as diferentes etapas (Baumgarten; Santos de Lima, 2013).

Por outro lado, as correntes críticas dos estudos sobre inovação focam-se nas vantagens que ela pode gerar, por exemplo, no que diz respeito à questão da redistribuição ou da equidade social. Isto é, ocupam-se dos efeitos sociais e, em especial, das ações inovadoras baseadas no conhecimento científico. Desse modo, os interesses se dirigem à investigação sobre como as inovações potencializam ou restringem a ação social, impõem formas sociais novas, ou como agem de maneira a gerar mudanças sociais de grande profundidade ou novos regimes econômicos sob influência dos impactos sociais da tecnociência (Esquinas, 2012).

Essa ideia, entretanto, não contém o cerne da crítica ao conceito dominante de inovação: a perspectiva unidimensional que a vê apenas em sua característica de articular-se aos interesses dos grupos dominantes na sociedade e de ser, ela mesma, instrumento de potencialização de relações sociais de exploração (Baumgarten; Santos de Lima, 2013). Assim, é importante ressaltar que a capacidade de inovação de empreendimentos e nações não se resume a seu potencial econômico de investimento em produtos e processos associados a novas tecnologias, mas se relaciona também à capacidade de aplicar e aproveitar, de modo socialmente inclusivo e efetivo, os resultados da pesquisa científica e tecnológica para a satisfação de necessidades sociais (Baumgarten, 2008; Maciel, 2005), o que inclui uma visão crítica relativa ao desenvolvimento da tecnociência, crescentemente articulada ao lucro de grandes conglomerados.

Em meados do século XX, Vannevar Bush (1945) elaborou um relatório dirigido ao então presidente dos Estados Unidos, constatando uma aproximação cada vez maior entre ciência e tecnologia e entre elas e a indústria. O documento marcou uma das mais fortes correntes interpretativas sobre a relação entre ciência, tecnologia e desenvolvimento. Essa abordagem é o substrato da ideia linear, presente em grande parte da literatura econômica sobre o tema. Ela assume que ciência produz conhecimento, o que, automaticamente, leva à produção tecnológica, a qual, por sua vez, produz inovação responsável por melhorar a competitividade das empresas. Tal perspectiva originou também o debate sobre a ação determinante da oferta ou da demanda no desenvolvimento (é a oferta de novo conhecimento científico que gera e impulsiona novas tecnologias ou é a demanda da indústria por novas tecnologias que estimula a produção de novos conhecimentos), uma discussão economicista que tem sérias implicações nas políticas de ciência e tecnologia. (Maciel, 2002).

Os problemas na identificação dos nexos causais entre ciência, tecnologia, economia e sociedade, advindos de uma perspectiva linear e reducionista desta relação, a complexidade dos processos envolvidos na geração da inovação e a aceleração das mudanças do papel do conhecimento originaram, no terço final do século XX, uma grande proliferação de modelos de análise e forçaram a revisão e atualização dos instrumentos internacionais de mensuração das atividades de pesquisa, que, entretanto, permanecem vinculados a uma perspectiva que relaciona a produção e utilização de CTI aos imperativos econômicos do capitalismo, gerando indicadores também relacionados a esta perspectiva e voltados, principalmente, a medir eficiência da tecnologia e inovação para a competitividade e a acumulação capitalistas.

Conde e Araújo-Jorge (2003) apontam que a falta de clareza e de consenso dos gestores acerca das concepções a serem adotadas reflete uma absorção acrítica da perspectiva de inovação, implementando no país uma “política para a inovação tecnológica”, além de reduzir os objetivos das atividades de C&T a uma única questão: articular o empreendimento científico com a inovação industrial e a competitividade, esse tipo de política também tende a visualizar as políticas de C&T e as políticas de inovação como funcionalmente separadas, o que parece ser o caso da linha adotada no Brasil.

A ideia de inovação social, aqui proposta, parte de outra perspectiva e de novos parâmetros. Seu fundamento encontra-se na resolução de problemas coletivos, de carências e necessidades sociais, e não na solução de problemas de competitividade e produtividade de empresas (Baumgarten; Santos de Lima, 2013). A agregação da palavra social ao conceito de inovação é, portanto, uma forma de marcar a diferença de perspectiva com relação ao conceito reducionista de inovação. É, em suma, uma forma de trazer o conceito de volta ao seu sentido original: inovação surge da prática, de potencialidades existentes e da aplicação de conhecimentos em problemas concretos que se apresentam durante o processo de produção da vida e em nossas relações sociais e com a natureza.

Inovação está, portanto, em qualquer ação ou movimento destinado à criação de algo novo (diferente do que já existe), que visa a resolver problemas, necessidades ou carências de indivíduos e/ou grupos e que contém conhecimentos (de ordem prática e/ou teórica), estando articulada ao estágio da técnica e do conhecimento de uma dada sociedade (território, cultura), em um determinado momento histórico. Pode ser, assim, relacionada ao desenvolvimento (menos na acepção de progresso do que na de mudança histórica) (Baumgarten; Santos de Lima, 2013).

Assim como a ciência e a tecnologia, a inovação é um produto social e, como tal, refletirá sempre os interesses presentes na sociedade em que se desenvolve. A questão que aqui se coloca é: em uma sociedade que atravessa um período de transição, é importante ampliar o conceito dominante, incorporando-lhe elementos que atendam a interesses e ações dos grupos subordinados. Assim, o conceito ampliado de inovação permite pôr, em primeiro plano, a capacidade de indivíduos e grupos organizarem-se visando à obtenção de conquistas sociais e (re) distribuição do poder, as quais dependem, em grande parte, de seu grau de informação e de instrução, isto é, da distribuição do saber (Ibid.).

Do mesmo modo, dada a centralidade do conhecimento científico e tecnológico tanto para a reprodução, quanto para a transformação da relação entre produção, acumulação e distribuição de conhecimento – indissociável da relação entre inclusão social, econômica e política –, a informação sobre ciência, a divulgação científica e o incentivo ao debate informado sobre o tema são condições imprescindíveis para o surgimento de inovações, tendo-se como base sua perspectiva ampliada, o que passa, necessariamente, pela capacidade de integração de saberes. (Maciel, 2005; Baumgarten; Santos de Lima, 2013).

Esse conjunto de questões coloca o tema da apropriação social do conhecimento produzido e das mediações entre instâncias de produção de conhecimento e sociedade como objeto estratégico de análise, pois os resultados da produção e circulação de conhecimento científico e tecnológico podem ser vistos como meios essenciais para o desenvolvimento econômico e social. Dentre os diversos impasses que dificultam o desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro e a apropriação social dos conhecimentos produzidos na universidade, destacam-se: (i) a transposição de sistemas e modelos de gestão e avaliação de C&T de outros países, ignorando-se necessidades próprias e limites impostos pelas condições locais para reproduzir adequadamente sistemas originários de outro contexto (Baumgarten, 2010); e (ii) a falta de mediações entre instituições produtoras de C&T e a sociedade em geral, ocasionada pelas características históricas de seu desenvolvimento e pela carência de políticas públicas destinadas a desenvolver e incentivar essas mediações. O resultado tem sido um retorno insuficiente dos esforços dirigidos para o setor, tanto no que se refere ao fortalecimento do sistema de ciência e tecnologia quanto ao atendimento de necessidades sociais articuladas a C&T.

A partir dessa problemática e da incorporação das noções de apropriação social do conhecimento, de tecnologias sociais e de inovação social, o Observatório de Ciência, Tecnologia e Inovação Social (ObCTIS), vinculado ao Laboratório de Divulgação de Ciência, Tecnologia e Inovação Social (LaDCIS) vem desenvolvendo, há algum tempo, pesquisas com o objetivo de apoiar a avaliação das políticas de CTI regionais e sua contribuição ao desenvolvimento equitativo, ambientalmente sustentável e com inclusão social. Com base em pesquisas em meios diversos sobre indicadores de impactos sociais e em estudos empíricos realizados em duas universidades (de diferentes portes) do Rio Grande do Sul, avaliando, por um lado, as percepções dos cientistas sobre as repercussões de suas pesquisas e, por outro lado, projetos de extensão dessas universidades, além de algumas ações conjuntas com órgãos de governo (municipais e estaduais) e ONGs, a equipe do ObCTIS concluiu pela necessidade de criar um modelo para a construção de indicadores, considerando-se a dificuldade para a obtenção de dados sobre apropriação social dos resultados da pesquisa e a complexidade do tema. Definiram-se quatro categorias iniciais consideradas facilitadoras desses processos: 1) origem das demandas/problema de pesquisa; 2) potencial de fortalecimento/capacitação dos potenciais beneficiários da pesquisa; 3) grau de participação dos beneficiários no desenho da pesquisa e 4) tipo de resultados. Para cada categoria, estabeleceram-se dimensões de análise e respectivos indicadores, com vistas a identificar os impactos sociais dos projetos de extensão e de pesquisa. O quadro a seguir procura integrar as diferentes dimensões relacionadas às noções acima discutidas. 


Quadro 1 - Categorias para análise de projetos (Baumgarten; Vargas; Santos de Lima, 2013)

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A partir da testagem dessa proposta inicial, vem se desenvolvendo um modelo analítico que visa possibilitar a formulação de diretrizes para a pesquisa, de critérios para avaliação de projetos em C&T no Brasil, de modo a fomentar iniciativas inclusivas e equitativas em CTI.

O processo de construção de indicadores é complexo e, no que se refere a indicadores de efeitos sociais e apropriação social do conhecimento científico e tecnológico, ainda mais difícil, pelas carências conceituais e pelo debate incipiente. Entretanto, nosso ponto de partida é que eles são essenciais para uma adequada avaliação das políticas de CTI e para informar a formulação de políticas (de CTI) coerentes com um projeto de desenvolvimento emancipatório e sustentável para o país.

O grande desafio hoje no campo da CTI no Brasil é manter o debate sobre a produção e divulgação de conhecimentos, sua relação com o desenvolvimento social e sobre as capacidades de inovação em sentido amplo que estão contidas na ciência e tecnologia atuais, em sua crítica e na criação de novos tipos de conhecimentos em rede articulados a processos de desmercadorização, inclusão social e sustentabilidade natural.


Maíra Baumgarten é professora associada do ICHI/FURG e docente do programa de pós-graduação em sociologia da UFRGS, coordenadora do LaDCIS/ObCTIS.

Leonardo Santos de Lima é pesquisador do LaDCIS/ObCTIS e doutorando do PPGS/UFRGS.


Nota 

O presente artigo de divulgação tem como base artigos e pesquisas produzidas pelo Observatório de Ciência, Tecnologia e Inovação Social (ObCTIS), vinculado ao Laboratório de Divulgação de Ciência, Tecnologia e Inovação Social (LaDCIS) que contaram com o apoio do CNPq e FAPERGS.


Referências

Baumgarten, M. “Ciência, tecnologia e desenvolvimento – redes e inovação social”. Parcerias Estratégicas. Brasília, n. 26, junho 2008, pp. 101-23. 

Baumgarten, M. “Universidade e sustentabilidade: repercussões sociais da pesquisa e divulgação de ciência e tecnologia”. In: Lampert, E.; Baumgarten, M. (Orgs.). Universidade e conhecimento. Possibilidades e desafios na contemporaneidade. Porto Alegre: Sulina; UFRGS, 2010. 

Baumgarten, M.; Santos de Lima, L. “Divulgação e comunicação em C&T – mediações para a apropriação social do conhecimento”. XV Congresso Brasileiro de Sociologia. 10 a 13 de setembro. Salvador, 2013. 

Baumgarten, M.; Vargas, R. B.; Santos de Lima, L. “Repercussões da pesquisa científica e tecnológica: um modelo para a construção de indicadores de apropriação social de C&T”. V Simpósio Nacional de Tecnologia e Sociedade, Curitiba/PR, out., 2013. 

Baumgarten, M. “Ciência, tecnologia, inovação e desenvolvimento”. In: Ivo, Anete (org). Dicionário temático desenvolvimento e questão social. São Paulo: Anablume, 2013, pp 53-59. 

Bush, V. Science the endless frontier: a report to the president by Vannevar Bush, director of the office of scientific research and development. Washington: United States Government Printing Office, 1945. 

Castilhos, C. C. “Inovação”. In: Cattani, Antonio David; Holzmann, Lorena (Orgs.). Dicionário de Trabalho e Tecnologia. 2ª Ed. rev. ampl. Porto Alegre: Zouk, 2011. 

Conde, M. V. F.; Araújo-Jorge, T. C. “Modelos e concepções de inovação: a transição de paradigmas, a reforma da C&T brasileira e as concepções de gestores de uma instituição pública de pesquisa em saúde”. In: Ciência & Saúde Coletiva, 8(3):727-741, 2003. 

Esquinas, M. F. “Hacia um programa de investigación em sociología de la innovación”. Arbor Ciencia, Pensamiento y Cultura, v. 188, n. 753, enero-febrero 2012, pp. 5-18. 

Maciel, M. L. “Ciência, tecnologia e inovação: a relação entre conhecimento e desenvolvimento”. In: BIB, São Paulo, nº 54 p. 67-80, 2º sem 2002. 

Maciel, M. L. “Estímulos e desestímulos à divulgação do conhecimento científico”. In: Baumgarten, M. (Org.). Conhecimentos e redes: sociedade, política e inovação. Porto Alegre: UFRGS Editora, 2005. p. 107-116. 

Marx, K. O Capital: crítica da economia política – Livro I. 30ª Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012. 

Schumpeter, J. The theory of economic development. Cambridge, USA: Harvard University, 1957.