REVISTA ELETRÔNICA DE JORNALISMO CIENTÍFICO
Dossiê Anteriores Notícias Reportagens Especiais HumorComCiência Quem Somos
Dossiê
Editorial
O golpismo e a cultura política brasileira - Carlos Vogt
Reportagens
Ditadura versus democracia
Carolina Medeiros
As muitas reformas políticas
Ana Paula Zaguetto
A participação cidadã, da internet para ruas e câmaras
Patrícia Santos
Participação política de jovens e adultos: uma nova cultura?
Janaína Quitério e Valdir Lamim-Guedes
Imprensa e política, sucessão de tragédias e glórias
Adriana Menezes
Artigos
A cultura política brasileira e o desafio à democracia
Rodrigo Patto Sá Motta
A ditadura militar revisitada: literatura, teatro e cinema
Francisco Foot Hardman e Alcir Pécora
Partidos e ideologia no Brasil: entre definições imprecisas e classificações estáveis
Gabriela da Silva Tarouco e Rafael Machado Madeira
Jovens em três tempos: mobilizações no Brasil ontem e hoje
Paulo Cesar Rodrigues Carrano
Redes sociais e consumo de notícias: os prejuízos de sistemas centralizados e obscuros
Rafael Evangelista
Sagan, pensamento científico e cultura democrática
Danilo Albergaria
Resenha
Por trás dos holofotes
Kátia Kishi
Entrevista
Paulo Markun
Entrevistado por Roberto Takata
Poema
Pangloss revisitado
Carlos Vogt
Humor
HumorComCiencia
João Garcia
    Versão para impressão       Enviar por email       Compartilhar no Twitter       Compartilhar no Facebook
Reportagem
Participação política de jovens e adultos: uma nova cultura?
Por Janaína Quitério e Valdir Lamim-Guedes
10/04/2015
O brasileiro se interessa por política? Essa foi a primeira pergunta feita para o professor de ciência política da Universidade Estadual de Maringá e do programa de pós-graduação da Universidade Federal do Paraná, Ednaldo Aparecido Ribeiro, que delineou o brasileiro como ‘pouco interessado’: “Dados do Latin American Public Opinion Project 2014 indicam que mais de 60% dos brasileiros manifestam ‘baixo’ ou ‘nenhum’ interesse por política”, aponta. Segundo ele, no contexto latino-americano, estamos na média, mas a situação é distinta quando o Brasil é comparado com nações de democracia mais antiga. “Na Alemanha, por exemplo, ‘os interessados’ e ‘muito interessados’ somam 62%, de acordo com dados levantados pela World Values Survey de 2014”, complementa.

Outra questão suscitada no tema é sobre o engajamento: a confiança – ou a falta dela – nas instituições democráticas influenciaria o envolvimento político dos brasileiros? Se considerada a participação política relacionada às instituições tradicionais da democracia representativa, como eleições, partidos políticos e sindicatos, a desconfiança pode, sim, gerar desmobilização, como descreve Ribeiro. Por outro lado, se for considerado o que os cientistas políticos chamam de “novas formas de expressão política”, a exemplo de protestos, boicotes, manifestações e atividades voltadas para demandas específicas de grupos, a desconfiança pode ter efeito inverso – ou seja, é capaz de fomentar o ativismo: “A desconfiança, em si não é, necessariamente, algo negativo. O problema é quando desconfiança e descontentamento ocorrem em contextos como o nosso, no qual a recente experiência com a democracia pode ainda não ter solidificado uma cultura política efetivamente democrática. Nesses casos, o desencanto pode abrir portas para a aceitação de soluções radicais incompatíveis com a própria democracia”, alerta.

As novas formas de expressão política têm sido objeto de investigação também por pesquisadores do Observatório das Metrópoles, coordenada pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ, que tem observado a formação de uma cultura política específica, influenciada pelo modo de vida nas cidades, por meio da associação conceitual da chamada Nova Cultura Política (NCP). De acordo com Nelson Rojas de Carvalho, professor do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da UFRRJ e pesquisador do Observatório, trata-se de uma abordagem que associa a cidadania contemporânea a valores da pós-modernidade: “Os grandes conglomerados urbanos são cenários favoráveis ao individualismo, e as formas de engajamento político, de expressão, estão relacionadas a ele”, explica.

Aqui, destacam-se, segundo ele, as formas de automobilização – tais como assinar petições pela internet e elaboração de manifestos – em contraposição ao engajamento em organizações como os partidos e os sindicatos, a quem ele denomina de piramidais. Não apenas a forma de mobilização mudou, como as temáticas políticas não estão mais ligadas a temas materialistas, como reivindicações salariais e outros temas laborais, mas a questões ambientais, raciais, de gênero, pela paz mundial etc. “Na verdade, há, nas metrópoles, duas gramáticas políticas. Uma que se manifesta no núcleo e outra na periferia. Nem em uma, nem na outra, as temáticas urgentes da metrópole aparecem. Quem mora no núcleo das metrópoles do Rio de Janeiro, por exemplo, não se mobiliza por questões voltadas ao saneamento básico ou à melhoria da mobilidade, já que essas temáticas não interessam. Mas a periferia também não se mobiliza, apesar da escassez e da “falta de cidade”. Isso porque verificamos que, nas áreas mais pobres da cidade, vigoram as grandes máquinas de clientela, que ainda têm forte influência sobre o voto de seus habitantes".

Cultura política na juventude

Votar e militar em partidos políticos são comportamentos cada vez menos observados nos jovens, de acordo com estudos sobre ativismo político no Brasil, mas as interpretações sobre a causa dessa postura muda de acordo com a abordagem das pesquisas, que apontam desde apatia juvenil em relação às atividades de caráter comunitário e associativo até perspectivas que enfocam a transformação do modelo de cidadania adotado pelos jovens, como enfatiza Ednaldo Ribeiro em artigo escrito, no início deste ano, em coautoria com o doutorando Lucas Okado, da Universidade Federal do Paraná. “Todos estes estudos demonstram a constituição de distintos padrões de envolvimento político entre jovens e adultos nos últimos anos. Ainda que baseados em premissas e conclusões diferentes, estes autores afirmam que os jovens se afastaram da participação convencional, ou seja, daquela ligada aos canais políticos institucionais, como o voto, o envolvimento em campanhas eleitorais e o ativismo partidário”, escrevem.

Ribeiro acrescenta que, embora os jovens tenham se mostrado menos ativos que adultos em formas convencionais de engajamento, eles estão mais atuantes em modalidades de contestação, tais como passeatas ou bloqueios de tráfego: “A explicação que elaboramos para essas diferenças passam pelas condições e restrições que cada etapa da vida impõe aos sujeitos. As modalidades tradicionais demandam recursos materiais e sociais que os jovens possuem em menor quantidade, enquanto as não convencionais exigem outros recursos mais abundantes nessa fase da vida, como o tempo”. Os protestos de 2013 confirmam essa tese do engajamento espontâneo da juventude, o que traz, na opinião do pesquisador, desafios para as formas tradicionais de organização política: “Os partidos políticos, por exemplo, precisam desenvolver estratégias de recrutamento dessas camadas jovens se quiserem reverter a tendência atual de envelhecimento dos seus quadros internos”, problematiza.

Ao colocar em pauta a formação política da juventude por meio de processo educacional, outra problemática apresentada pela socióloga e mestre em Educação pela Unifesp, Cristiane Santos Barbosa, que leciona na Universidade Sumaré, em São Paulo, é a infantilização da educação dos jovens. Embora se possa votar a partir dos 16 anos, os jovens dessa faixa etária ainda estão a meio caminho de sua formação intelectual, e some-se a isso a falta de formação dos professores para trabalhar com a juventude: “Tanto em escolas privadas, como em públicas, os alunos são tratados como crianças, o que faz esses jovens terem dificuldade de tomar decisões sozinhos”, alerta a educadora.

Ao tratar da cultura política da juventude, Barbosa faz também uma ressalva com relação aos estratos sociais abordados. A necessidade de trabalhar para complementar a renda familiar e a inserção em escolas de baixa qualidade são fatores que atuam como impeditivos para uma maior atuação política da juventude de baixa renda.

Cursinhos sociais: uma possibilidade de ingresso à formação

Se a escola falha no objetivo de permitir uma melhor formação política, os cursinhos sociais se destacam como espaços alternativos voltados não apenas para a preparação da população de baixa renda para o vestibular, mas também, segundo a Frente de Cursinhos Comunitários e Populares de São Paulo, para a “formação de cidadãs e cidadãos críticos, a atuação política para transformação da sociedade e de suas comunidades, bem como o combate aos sistemas de dominação racistas, machistas e transhomofóbicos”.

Segundo levantamento feito pela rede, somente na região metropolitana de São Paulo existem mais de 60 cursinhos comunitários, populares e alternativos, a maioria gratuita. O Núcleo da Consciência Negra (NCN), localizado na USP, oferece um deles, ainda que não seja oficialmente reconhecido pela universidade. O coordenador André Martelini salienta que o aluno ingressante entende que o ensino superior é uma forma de melhorar de vida. Por outro lado, como ressalta Caio Alves, doutorando em Educação pela USP e professor do Centro Universitário Senac, em São Paulo, o cursinho do NCN, além de favorecer a entrada de seus alunos na universidade, é um espaço de formação política para futuros líderes de movimentos sociais, já que muitas das políticas públicas formuladas para negros, mulheres e minorias surgiram depois que pessoas ligadas a esses movimentos sociais passaram a ter cargos políticos de destaque.

Em termos de contribuição para a cultura política dos alunos, Martelini ressalta que é nítida a transformação do aluno ao longo ao ano. O conteúdo das aulas também costuma receber temas políticos, como ressalta o coordenador, que leciona biologia na instituição desde 2012: “Na aula sobre método científico, comentei sobre como a economia, a política e a religião influenciam no dinheiro destinado às pesquisas. Citei o caso da Aids e da malária, doenças que matam quase o mesmo número de pessoas por ano, mas que tem recebido menos recursos, o que a faz ser uma doença negligenciada”.

Temas políticos também são inseridos em aulas das ciências exatas, como exemplifica a professora de matemática do NCN, Jéssica Alves: “Quando trato da igualdade na equação de equilíbrio, posso brincar um pouco com igualdade, como se fosse um exemplo aleatório. Já usei este exemplo em aula: quando a mulher luta pela igualdade salarial, ela quer salário igual, nem maior, nem menor, senão seria desigualdade”.