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Artigo
Síndrome da alienação parental: o direito e a psicologia*
Por Marina Moreira
10/05/2015
* Texto originalmente publicado em DireitoNet em 29/12/2014

Ao longo do tempo, surgiram na sociedade inúmeros debates significativos e de grande importância para o campo da psicologia na sua interface com o direito. Em razão das inúmeras problemáticas envolvendo a sociedade moderna, como por exemplo, cometimento de crimes, prisões, inquirições e depoimentos de crianças e adolescentes junto ao poder judiciário, bem como as divergências familiares que resultam em processo de disputa entre os genitores, abalando diretamente a convivência e os vínculos familiares, é de suma importância a intervenção da psicologia.

O presente trabalho tem como principal objetivo apresentar um estudo acerca da Lei nº 12.318/2010, conhecida como a Lei da Alienação Parental, bem como acerca da problemática psicológica que a síndrome da alienação parental traz para a criança e/ou o adolescente.

A síndrome da alienação parental é uma grave situação que ocorre dentro das relações de família, em que, após o término da vida conjugal, o filho do casal é incentivado por um de seus genitores para “odiar”, sem qualquer justificativa, o outro genitor. A referida síndrome é um tema atual, complexo e polêmico que vem despertando atenção de vários profissionais tanto da área jurídica como da área da saúde, pois é uma prática que vem sendo denunciada de forma recorrente (Martins, 2012, pg. 18).

O primordial objetivo da Lei da Alienação Parental é regular, de forma eficaz, o convívio dos filhos com ambos os genitores após o divórcio, estabelecendo, para tanto, alguns critérios acerca dos direitos dos pais e das crianças e/ou adolescentes.

O tema proposto encontra respaldo científico no direito e na psicologia e a pesquisa apresentada compreenderá um estudo exploratório, análise bibliográfica e pesquisa qualitativa.

O estudo da psicologia no contexto do direito não se restringe exclusivamente ao comportamento de uma doença mental e às causas da criminalidade, mas abrange também o estudo das relações psicossociais enquanto fatores existentes e influentes na realidade social inerente a qualquer processo e espaço jurídico. Para Serafim (2012, p.12), o papel da psicologia, em sua interface com o direito, “percorre a análise e interpretação da complexidade emocional, da estrutura de personalidade nas relações familiares e a repercussão desses aspectos na interação do indivíduo com o ambiente”.

A denominada síndrome da alienação parental encontra-se no centro de debates acerca de litígios conjugais e guarda de filhos, sendo um tema bastante discutido internacionalmente e, atualmente, também no Brasil. Por envolver relações afetivas e sociais intensas ligadas à organização e funcionamento familiar, é de grande importância a atuação de profissionais da saúde, tais como psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais, bem como, do poder judiciário e da sociedade como um todo.

A síndrome da alienação parental, conhecida pela sigla SAP (PAS, em inglês), é também denominada por alguns autores, tais como Maria Berenice Dias e Eduardo Ponte Brandão, como “implantação de falsas memórias” ou “abuso do poder parental”, e foi descrita pela primeira vez em meados do ano de 1980 pelo médico psiquiatra norte-americano Richard Gardner, o qual a definiu como a rejeição injustificada da criança a um dos genitores no pós-divórcio. Tal rejeição infantil é atribuída à influência sistemática feita por um dos genitores, com o objetivo de banir o outro. O diagnóstico é justificado quando antes da separação a criança sempre apresentou bom comportamento com o genitor alienado (Brockhausen, 2012, p.15).

Atualmente, a alienação parental é uma forma de maltrato ou abuso; é um transtorno psicológico que se caracteriza por um conjunto de sintomas pelos quais um genitor, denominado cônjuge alienador, transforma a consciência de seus filhos, mediante diferentes formas e estratégias de atuação, com o objetivo de impedir, obstaculizar ou destruir seus vínculos com o outro genitor, denominado cônjuge alienado, sem que existam motivos reais que justifiquem essa condição (Serafim, 2012, p. 93).

A alienação parental, não ocorre apenas em relação aos ex-cônjuges. Qualquer pessoa que tenha o menor sob sua autoridade pode exercer seus direitos de forma abusiva com tal prática. No entanto, os casos mais comuns da ocorrência da alienação parental estão ligados a situações de ruptura da vida conjugal pois, após a separação, nem sempre o ex-casal consegue concretizar a separação emocional e os dois continuam vivenciando os sentimentos de desilusão sofridos no casamento, e o filho é utilizado por um dos genitores como instrumento para atingir o ex-cônjuge.

Para Dias (2011, pg.440/441), a alienação parental é tida como um descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental, pois ocorrendo a separação dos pais, o filho não pode se sentir objeto de vingança em face de ressentimentos. Com o divórcio, não pode haver a cisão dos direitos parentais.

Para Gonçalves & Brandão (2011, pg. 127):

A síndrome de alienação parental corresponde às ações de um dos genitores, normalmente o guardião, que “programa” a criança para odiar o outro sem qualquer justificativa. Identificando-se com o genitor alienador, a criança aceita como verdadeiro tudo que ele lhe informa. Desse modo, são implantadas na criança “falsas memórias” a respeito do genitor alvo das acusações. Para conseguir realizar tais objetivos, o alienador lança mão, muitas vezes sutil e paulatinamente, de uma campanha denegridora em relação ao ex-cônjuge, ao mesmo tempo em que costuma se colocar como vítima frágil de suas ações.

Em sentido semelhante, destaca Dias (2011, pg. 463):

Muitas vezes quando da ruptura da vida conjugal, se um dos cônjuges não consegue elaborar adequadamente o luto da separação, o sentimento de rejeição, ou a raiva pela traição, surge um desejo de vingança que desencadeia um processo de destruição, de desmoralização, de descrédito do ex-parceiro. Nada mais do que uma “lavagem cerebral” feita pelo guardião, de modo a comprometer a imagem do outro genitor, narrando maliciosamente fatos que não ocorreram ou não aconteceram conforme a descrição feita pelo alienador. Assim, o infante passa aos poucos a se convencer da versão que lhe foi implantada, gerando a nítida sensação de que essas lembranças de fato aconteceram. Isso gera contradição de sentimentos e destruição do vínculo entre o genitor e o filho ...

Salienta-se, por oportuno, que nem sempre a alienação parental se faz através de atos voluntários e conscientes. Não raramente ocorrem situações em que o alienador se isenta, por exemplo, de interferir nas visitas do outro genitor, mostrando-se ostensivamente resignado à força da lei e se esquivando de falar mal do outro, chegando a ponto de dizer palavras de incentivo ao filho. Mas a alienação se expressa de modos não verbais e que são facilmente decodificados pela criança ou pelo adolescente. (Gonçalves & Brandão, 2011, pg 129).

A síndrome em estudo causa inúmeras consequências para a criança alienada, principalmente psicológicos, e pode provocar problemas psiquiátricos para o resto da vida. Como sintomas, pode-se destacar depressão crônica, incapacidade de adaptação em ambiente psicossocial normal, transtornos de identidade e imagem, desespero, sentimento incontrolável de culpa, sentimento de isolamento, comportamento hostil, falta de organização, dupla personalidade e às vezes suicídio (Dias, 2011, pg. 460).

Em face desse panorama, em agosto de 2010, foi sancionada no Brasil a Lei nº 12.318, que dispõe sobre a alienação parental e, assim como a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código Civil, tem o objetivo de proteger a criança e seus direitos fundamentais, preservando dentre vários direitos o seu convívio com a família. Conforme o art 2º dessa lei:

Art. 2o. Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.

Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:

I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;

II - dificultar o exercício da autoridade parental;

III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;

IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;

V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;

VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;

VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.

Para a psicóloga clínica e jurídica Tamara Brockhausen, com o advento da lei acima mencionada, surge a necessidade de refletir qual seria o papel da psicologia nos processos envolvendo as situações de conflitos e disputas familiares, uma vez que existe uma série de questões e diferentes posicionamentos envolvendo a problemática da chamada alienação parental (pg. 15). A referida psicóloga aduz que:

“A leitura da dinâmica psíquica de cada envolvido na situação familiar é importante desde que não encubra os diferentes níveis de responsabilidade e dificuldades de cada genitor. Na medida em que envolvem questões mais sérias e complexas, a lei se faz necessária como regulador, sem o que não há sustento de quaisquer outros meios interventivos. Há que se colocar que amor parental transpõe o afeto e os cuidados práticos com os filhos, necessitando da lei para transmitir algo que permita à criança, que está na dependência do outro parental, não sofrer prejuízos.”

Conforme os ensinamentos de Gonçalves & Brandão (2011, pg. 128), é de grande importância a atuação do psicólogo concomitantemente com o procedimento judicial nos casos envolvendo a síndrome de alienação parental. Veja-se:

“Dependendo do grau de alienação parental, diferentes medidas podem ser tomadas. Acredita-se que a maioria das situações pode ser revertida, mas, normalmente, a intervenção e o tratamento psicológicos não produzem efeitos se forem exercidos sem o procedimento judicial. Associado a um tratamento psicológico, Gardner e outros autores sugerem, nos casos de alienação grave a moderada, a inversão de guarda, suspensão de visitas do alienador, imposição de multa, prestação de serviços comunitários, redução da pensão alimentícia, e até mesmo ordem de prisão e suspensão ou perda do poder familiar.”

No campo do direito, especificamente, as questões ligadas à alienação parental são processadas perante a vara de família e o papel do psicólogo é colocar os seus conhecimentos à disposição do magistrado (que exerce a função julgadora), assessorando-o em aspectos relevantes para determinadas ações judiciais, trazendo aos autos uma realidade psicológica dos agentes envolvidos que ultrapassa a literalidade da lei, e que, de outra forma, não chegaria ao conhecimento do julgador, por se tratar de um trabalho que vai além da mera exposição dos fatos.

De acordo com Serafim (2012, p.87):

“Nas disputas familiares, é de suma importância a presença do psicólogo, pois se está lidando com um ponto muito delicado do ser humano, representado pelo seu universo de relações mais íntimas. O psicólogo, na vara de família, pode atuar como perito ou assistente técnico, além de mediador”.

O psicólogo, seja ele perito ou não, executará suas atividades nos processos de separação, disputa de guarda, regulamentação de visitas e destituição do poder familiar. Conforme Ortiz (2012): “os juízes de varas de família, em geral, determinam a realização de perícia psicológica para instruir suas decisões em processos (ou ações) judiciais que envolvem a guarda e/ou visitação de menores – crianças e adolescentes”.

Registre-se que a atuação do psicólogo como perito e assistente técnico no poder judiciário está legalmente prevista na Resolução nº 008/2010 do Conselho Federal de Psicologia e ela se faz quando a prova do fato depender de conhecimento técnico e científico.

Havendo indícios de práticas alienadoras, é cabível a instauração de procedimento, que terá tramitação prioritária, devendo a perícia psicológica ou biopsicossocial ser apresentada em 90 (noventa) dias. Veja-se outro artigo da Lei nº 12.318:

Art. 5o Havendo indício da prática de ato de alienação parental, em ação autônoma ou incidental, o juiz, se necessário, determinará perícia psicológica ou biopsicossocial.

§ 1o O laudo pericial terá base em ampla avaliação psicológica ou biopsicossocial, conforme o caso, compreendendo, inclusive, entrevista pessoal com as partes, exame de documentos dos autos, histórico do relacionamento do casal e da separação, cronologia de incidentes, avaliação da personalidade dos envolvidos e exame da forma como a criança ou adolescente se manifesta acerca de eventual acusação contra genitor.

§ 2o A perícia será realizada por profissional ou equipe multidisciplinar habilitados, exigido, em qualquer caso, aptidão comprovada por histórico profissional ou acadêmico para diagnosticar atos de alienação parental.

§ 3o O perito ou equipe multidisciplinar designada para verificar a ocorrência de alienação parental terá prazo de 90 (noventa) dias para apresentação do laudo, prorrogável exclusivamente por autorização judicial baseada em justificativa circunstanciada.

Constatada a alienação parental ou conduta que dificulte a convivência paterno-filial, sem prejuízo da responsabilidade civil ou criminal do alienador, o juiz poderá, nos termos do art. 6º da lei supramencionada:

I - declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador;

II - ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado;

III - estipular multa ao alienador;

IV - determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial;

V - determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão;

VI - determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente;

VII - declarar a suspensão da autoridade parental.

Em face do exposto, observa-se que a síndrome da alienação parental tem se tornado cada vez mais recorrente em nosso cotidiano. Tal prática pode causar sérios prejuízos para os genitores (alienante e alienador) e, principalmente, para a criança alienada, pois acaba se afastando de um dos genitores e gerando injustificadamente inúmeros sentimentos negativos com relação a este.

A promulgação da Lei nº 12.318/10 apresenta importante impacto não só cultural como na práxis jurídica. Tal lei tem a finalidade de inibir ou atenuar a ocorrência da síndrome da alienação parental, sendo que sua identificação é de suma importância, a fim de evitar que tal processo cause danos maiores às partes envolvidas, impondo-se ao poder judiciário contar com o concurso de assistentes sociais e, principalmente, de psicólogos, para dirimir a problemática.

Com o intuito de evitar a alienação parental, os genitores deveriam ter consciência de seus atos e, sobretudo, de que o relacionamento conjugal não se confunde com a parentalidade, pois os filhos necessitam da presença de ambos os pais para um desenvolvimento sadio e equilibrado.

Percebe-se que o assunto deve ser tratado com muita atenção, não apenas por parte do poder judiciário, mas da sociedade como um todo, devido ao crescente número de conflitos familiares envolvendo processos de disputa entre genitores e, principalmente, por envolver o interesse do menor, futuro da nossa sociedade.


Marina Moreira é bacharel em direito pela Universidade da Região de Campanha (Urcamp), no Rio Grande do Sul.


Referências bibliográficas

Brasil. Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010. Brasília, DF: Senado Federal, 2010. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12318.htm> Acesso em 15 de setembro de 2014.

Brasil. Resolução nº 008, de 30 de junho de 2010. Brasília, DF: Conselho Federal de Psicologia, 2010. Disponível em Acesso em 05/10/2014.

Brockhausen, T. “Alienação parental: caminhos necessários”. Diálogos. Brasília. pg. 15-16, out. 2012.

Brockhausen, T. “A lei da alienação parental e a síndrome da alienação parental: esclarecimentos”. Diálogos. Brasília. pg. 17, out. 2012.

Gonçalves, H. S.; Brandão, E. P. Psicologia jurídica no Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Nau, 2011.

Dias, M. B. Manual de direito das famílias. 8 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

Ortiz, M. C. M. A constituição do perito psicólogo em varas de família à luz da análise institucional de discurso. Disponível em < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1414-98932012000400010&script=sci_arttext> Acesso em 08 de novembro de 2014.

Serafim, A. de P.; Saffi, F. Psicologia e práticas forenses. São Paulo: Manole, 2012.