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Reportagem
Guarda compartilhada: uma nova lei, divergências antigas
Por Carolina Medeiros
10/05/2015
O Brasil registrou, em 2012, uma queda de 1,4% no número de divórcios em relação a 2011; foram 341.600, no total, contra 351.153 no ano anterior. Em 2013, houve mais uma queda, num total de 324.921 divórcios. Os dados fazem parte das estatísticas de registro civil divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo o IBGE, em 2012, 87,1% dos casos tiveram a guarda dos filhos concedida às mães, enquanto o número de casos de guarda compartilhada registrados foi 6% do total, e nos demais casos, os filhos ficaram sob a responsabilidade do pai. A mudança, em 2013, foi pequena: em 86,3% dos divórcios, a guarda dos filhos ficou com a mãe e em 6,8% a guarda foi compartilhada.

Tais dados mostram que, embora a nossa legislação já contemplasse a guarda compartilhada, a sua obrigatoriedade só passou a ser determinada por lei no final do ano passado. A Lei n. 13.058, de 22 de dezembro de 2014, alterou os artigos do Código Civil que tratam da guarda compartilhada e da sua aplicação. Em relação à repartição do tempo de convivência dos filhos entre os genitores, o art. 1.583, em seu § 2°, diz que “na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos”. Mas a alteração mais significativa foi no § 2° do artigo 1.584: a redação anterior, definida pela Lei 10.406, de 2008, dizia que a guarda compartilhada será aplicada sempre que possível quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho; a lei de 2014 simplesmente suprimiu a expressão “sempre que possível” e determina que será aplicada a guarda compartilhada a não ser que um dos genitores declare ao juiz que não quer a guarda do filho.

Celeste Leite dos Santos, promotora de justiça, em sua tese de doutorado intitulada “Mediação para o divórcio”, defendida em 2003, explica que a “guarda compartilhada é aquela em que há o exercício conjunto do poder familiar (autoridade parental). Os dois pais repartem o tempo de guarda da criança e o conjunto das responsabilidades parentais”.

Embora o foco da lei seja garantir que os filhos tenham o mesmo tempo de convívio com o pai e com a mãe, pesquisadoras da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) apontam que, em muitos casos, essa medida não é bem vista. Em um artigo publicado em janeiro de 2014 na revista Psicologia & Sociedade, Fernanda Cabral Ferreira Schneebeli e Maria Cristina Smith Menandro defendem que, no caso da guarda compartilhada obrigatória, a lei precedeu uma mudança cultural. “É compreensível que haja resistência à nova modalidade de guarda. Embora não haja dados estatísticos oficiais, observa-se sistematicamente no cotidiano forense forte resistência de mães e pais a aderir voluntariamente à guarda compartilhada”, alertam.

Os especialistas acreditam que um dos motivos que levam muitos pais a não aceitarem essa lei é a falta de conhecimento das implicações que a mesma gera. Conforme aponta o advogado Waldyr Grisard, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito à Família, o artigo nº 1.584 do Código Civil estabelece o pressuposto de que para o estabelecimento da guarda compartilhada, é necessário que ambos os pais estejam aptos a exercer o poder familiar, caso contrário vigora-se a guarda unilateral. Grisard alerta ainda que a lei prevê que toda criança tenha uma residência habitual mas, do seu ponto de vista, a criança ter duas casas não é prejudicial. “No caso de pais que moram em cidades diferentes, a lei prevê que ‘a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender os interesses dos mesmos’, e alguns juristas e psicólogos entendem como prejudicial à criança a dupla moradia. Em meu entender, o convívio com ambos os pais em locais diferentes é saudável ao desenvolvimento da criança”, pondera.

Esse ponto de vista também é defendido pelas pesquisadoras da Ufes. Elas alegam que além do direito dos filhos de conviverem com ambos os pais, há a obrigação dos pais de se responsabilizar pela criação dos filhos. Para elas, esse modelo de guarda preserva o bem-estar dos filhos e propicia um convívio harmônico e igualitário com ambos os genitores.

Porém, na opinião da professora Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos, da PUC-SP, a divisão das responsabilidades não implica na alternância de residências. Para ela, nesses casos, é necessário que se estabeleça uma residência fixa para a criança ou adolescente, ou seja, um ambiente no qual ele desenvolverá suas atividades diárias, “pois se trata de núcleo essencial à formação de sua identidade e desenvolvimento sadio”, defende.

Outra questão que gera muitas dúvidas é como fica a questão da pensão alimentícia. Segundo o professor do curso de direito da PUC-Campinas, Denis Ferraz, a nova lei não modifica o que prevê a lei de pensão alimentícia. Ela leva em conta três fatores: a necessidade dos filhos, a possibilidade financeira dos pais e a proporcionalidade entre os valores.

Ferraz destaca que, a partir da separação, e independente da forma como ficar estabelecida a guarda dos filhos, uma das partes deve assumir a administração dos gastos da criança e a pensão alimentícia só deve ser pedida em último caso. “Assim, em havendo divergência no que se refere à contribuição de cada um, é possível àquele que administra os pagamentos promover, em nome dos filhos, o pedido de pensão alimentícia em relação ao outro genitor, sendo que o mais desejável é que haja, entre os pais, condições de, com urbanidade e razoabilidade, acertarem o valor de contribuição de cada um”, pondera.

Além das inúmeras dúvidas que a lei desperta, de acordo com o advogado Waldyr Grisard, ela ainda apresenta falhas. “A nova lei parece-me que tem muitas dificuldades em sua aplicação, como, por exemplo, a fixação de tempo de convívio dos filhos com cada um dos pais, a questão dos alimentos, a respectiva prestação de contas. Temos que aguardar o pronunciamento dos tribunais a respeito da operacionalidade da nova lei”, pontua.

Apesar de recente, por causa de suas características peculiares e falhas apontadas por especialistas, a lei já divide opiniões. Para a professora da PUC-SP, Maria Celeste, a lei permite uma conscientização dos papéis dos genitores na formação e educação dos filhos e, com o fim do “casal conjugal”, surge o “casal parental”. Já o professor Denis Ferraz, é contrário a nova lei, uma vez que para ele, a lei só é boa nos casos em que existe diálogo entre os genitores. “Muitas das vezes, com o divórcio, há imensa dificuldade de relacionamento entre os pais, sendo que qualquer contato torna-se causa de novos conflitos, o que dificulta a administração dos interesses dos filhos. Vejo que a guarda compartilhada é excelente forma de minimizar os prejuízos decorrentes do divórcio, mas não a melhor solução quando há conflitos dos pais”, conclui.


Diferentes tipos de guarda dos filhos

No Brasil:

Guarda alternada: durante um determinado período, um dos genitores fica responsável por exercer o poder familiar, ao final desse período o poder passa para o outro genitor e assim sucessivamente.

Guarda compartilhada: ocorre quando as responsabilidades são divididas de maneira igual, e as questões que envolvem os filhos são decididas em comum acordo, e ambos respondem igualmente pelas ações do filho.

Guarda dividida: quando a criança ou adolescente mora em lar fixo com uma das partes e recebe a vista periódica da outra parte, que não possui sua guarda.

Guarda exclusiva: quando a guarda é concedida à mãe, o pai terá direito de visitar o filho e vice-versa. As visitas são combinadas, fixadas e sempre aos fins de semana.

Fonte: Código Civil Brasileiro


Nos Estados Unidos:

Alternating custody (guarda alternada): os filhos passam um período com um dos pais, o qual, durante esse tempo, tem autoridade total sob a criança. Em seguida, passam a mesma quantidade de tempo com o outro genitor.

Joint custody (guarda conjunta ou compartilhada): quando ambos os pais possuem a guarda legal (legal custody) e/ou a guarda física (physical custody) dos filhos.

Sole custody (guarda exclusiva): ocorre quando apenas um dos pais possui a guarda física e legal da criança, o que permite a ele tomar todas as decisões na vida da criança. Nesse caso, a outra parte possui o direito de visitar o filho.

Split custody (guarda dividida): é a modalidade de guarda pela qual um dos pais tem a guarda de um filho, enquanto o outro genitor tem a guarda total sobre o outro filho. A crítica que se faz a essa modalidade de guarda é que ocorre a separação dos irmãos.

Third-party custody (guarda de terceiro): quando os filhos não ficam com pais, mas sob a custódia de uma terceira pessoa, como avós ou tios.

Legal custody (guarda legal): permite ao genitor a tomada de decisões importantes sobre a saúde, educação e bem-estar da criança, como por exemplo em que escola o filho estudará, qual religião irá seguir etc.

Physical custody (guarda física): está relacionada com as condições de vida da criança no seu dia a dia. É o local no qual a criança vive a maior parte do tempo.

Fonte: The Determination of Child Custody in the United States