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Artigo
Envolvimento paterno: algumas considerações
Por Sara Maria Cunha Bitencourt Santos e Lúcia Vaz de Campos Moreira
10/05/2015

O pai está mudando (Beltrame; Bottoli, 2010; Beltrão-Gomes; Aparecida-Crepaldi; Bigras, 2013). A marca desta transição foi evidenciada a partir do final do século XX, quando houve o “redescobrimento paterno” (Lamb, 1992, p. 19). Assim, muitos pais passaram a mostrar-se mais participativos e engajados (Bastos, 2013) com os filhos, os chamados novos pais envolvidos. (Lamb, 1992, 2010). No entanto, em outro polo também há uma quantidade significativa de genitores bastante distante ou mesmo ausente da vida de sua prole.

São três os componentes do envolvimento paterno que caracterizam o pai contemporâneo: interação, acessibilidade e responsabilidade. O primeiro componente é o tempo passado em interação efetiva com a criança. Já a acessibilidade compreende atividades que pressupõem os pais estarem disponíveis para a criança. Por exemplo, um pai pode estar lendo jornal na sala e sua criança estar brincando em seu quarto, mas diante de uma necessidade, ela o chama e o pai atende. Por fim, a responsabilidade implica em se dar conta das necessidades da criança e providenciar que elas sejam atendidas, por exemplo, tomar medidas quanto aos cuidados, assegurando que tenha roupa para vestir ou que fique acompanhada quando está doente (Lamb, 1992).

Falar do papel do pai implica em constatar que “... a paternidade é feita de qualidades relacionais, mais que de qualidades individuais” (Petrini, 2010, p. 19). Portanto, torna-se fundamental compreender alguns aspectos que interferem nessa relação pai-filho, e dentre eles, destacam-se: conjugalidade; separação conjugal/divórcio; características do pai; papel da mãe; idade e sexo dos filhos e trabalho do pai, nível socioeconômico, religião, entre vários outros. Alguns deles serão mais bem explicitados a seguir.

O envolvimento paterno é mediado pela qualidade da conjugalidade (Fagan; Palkovitz; Roy; Farrie, 2009). Estudos longitudinais revelam que as crianças sentem os “... efeitos nocivos dos conflitos conjugais e, por corolário, os efeitos benéficos da harmonia conjugal” (Lamb, 2010, p. 19). A título de exemplo, alguns homens expressam dificuldades no exercício da paternidade frente ao divórcio (Cúnico; Arpini, 2013) revelando que, historicamente, o momento da separação conjugal acaba conjecturando uma maior separação dos filhos. Pesquisa recente em uma empresa estatal de Salvador evidenciou que pais de menores salários elegeram o trabalho e o divórcio como principais empecilhos para uma convivência mais próxima dos filhos (Carvalho, 2013).

Além da conjugalidade, características do pai contribuem para a compreensão das mudanças no grau de envolvimento paterno, quais sejam: motivação, entendida por “... até que ponto o pai quer estar envolvido” (Lamb, 1992, p. 30) e competências como autoconfiança e sensibilidade para ler os sinais da criança, interpretar o que ela precisa em dado momento (Lamb, 1992). Ainda nesse âmbito, a relação do pai com seus pais também interfere no envolvimento com o filho, portanto, “... conhecer o envolvimento paterno atual requer remeter às questões da geração anterior” (Beltrame; Bottoli, 2010, p. 216).

A mãe também tem um papel regulador fundamental no engajamento pai-filho (Monteiro; Fernandes; Veríssimo; Costa; Torres; Vaughn, 2010) e a ela ainda é atribuído o papel predominante na socialização infantil (Marin; Piccinini; Tudge, 2011). Em estudo longitudinal realizado no contexto brasileiro com 20 homens casados e primíparos isto ficou bem claro, pois “... quando houve pouco incentivo e/ou desaprovação da mãe às atividades realizadas pelo pai, evidenciou-se uma retirada dos pais e uma relação pai-bebê mais distante e tradicional” (Krob; Piccininni; Silva, 2009, p. 287).
Outro aspecto apontado na literatura como interveniente no envolvimento paterno se refere à idade dos filhos, tendendo o envolvimento a aumentar proporcionalmente à idade das crianças (Seabra; Seidil-de-Moura, 2011; Cia; Barham; Fontaine, 2012).

Pesquisas trazem ainda um outro dado curioso, o quanto “... os pais estão de fato mais interessados e mais envolvidos com os filhos do que com as filhas ... independentemente da idade da criança” (Lamb, 1992, p. 24). Um estudo realizado com 60 crianças de zero a dois anos na Vila Madalena, em São Paulo, também apontou como resultado em relação ao pai “... uma maior vinculação com o menino do que com a filha” (Moreira; Rabinovich, 2010, p. 172).

Em relação ao trabalho do pai, tanto as exigências do mundo corporativo quanto a escassez de tempo resultante têm trazido aos protagonistas uma importante preocupação e desafio para que possam participar ativamente do cuidado dos filhos (Henn; Piccininni, 2010; Beltrame; Bottoli, 2010).

Por fim, cabe elucidar que, em se tratando do envolvimento paterno, esse é um tema emergente, que tem despertado o interesse de estudiosos, e esses estão cientes de que, mesmo que um longo trajeto científico tenha sido percorrido, ainda há muito a se desbravar.

Em relação à sua relevância, uma revisão bibliográfica que analisou 353 artigos referiu que “... todos os estudos ... foram unânimes na compreensão da importância do envolvimento e participação masculina no cuidado dos filhos” (Souza; Benetti, 2009, p. 103). Diante disso, além de ampliar os estudos sobre a paternidade, também são importantes políticas que valorizem o pai no convívio familiar.

Sara Maria Cunha Bitencourt Santos é mestranda em Família na Sociedade Contemporânea (Universidade Católica do Salvador).

Lúcia Vaz de Campos Moreira
é doutora em Psicologia (USP). Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Família na Sociedade Contemporânea (UCSal).


Referências

Bastos, A. C. S.; Volkmer-Pontes, V.; Brasileiro, P. G.; Serra, H. M. “Fathering in Brazil: a diverse and unknown reality”. In: Shwalb, D. W.; Shawalb, B. J.; Lamb, M. (Eds). Fathers in cultural contexto. New York: Routedge, 2013, 228-249 tradução Ana Cecília Bastos, p. 1-16.
Beltrame, G. R.; Bottoli, C. “Retratos do envolvimento paterno na atualidade”. Barbarói. Santa Cruz do Sul, n. 32, jan/jul. 2010.
Beltrão-Gomes, L.; Aparecida-Crepaldi, M.; Bigras, M. “O engajamento paterno como fator de regulação da agressividade em pré-escolares”. Paideia, vol. 23, n. 54, janeiro-abril, 2013, p. 21-30, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto.
Carvalho, A. B. “O papel do pai na sociedade contemporânea”. 2013. Tese (doutorado) – Universidade Católica do Salvador, 2013.
Cia, F.; Barham, E. J.; Fontaine, A. M. G. V. “Desempenho acadêmico e autoconceito de escolares: contribuições do envolvimento paterno”. Estudos de Psicologia, Campinas, 2012, 29(4), out/dez, p. 461-470.
Cúnico, S. D.; Arpini, D. M. “O afastamento paterno após o fim do relacionamento amoroso: um estudo qualitativo”. Interação Psicol, Curitiba, jan/abr 2013, v. 17, n. 1, p. 99-108.
Fagan, J., Palkovitz, R., Roy, K.; Farrie. 2009. “Pathways to paternal engagement: Longitudinal effects of risk and resilience on non-resident fathers”. Developmental Psychology, 45, 1389–1405.
Henn, C. G.; Piccininni, C. A. “A experiência da paternidade e o envolvimento paterno no contexto da síndrome de Down”. Psicologia: Teoria e Pesquisa. Out-dez 2010, vol 26. n. 4, p. 623-631.
Lamb. M. “O papel do pai em mudança”. Análise Psicológica, 1 (X): 19-34, 1992.
Lamb, M. E. “How do fathers influence chidren’s development? Let me count the ways”. In: Lamb, M. E. (Ed). The role of the father in child development. 5th ed. New York: John Wiley & Sons, tradução: Elvira Mejia Herrjón e revisão: Lúcia Vaz de Campos Moreira, 2010, p. 1-26.
Marin, A. H; Piccininni, C. A.; Tudge, J. R. H. “Práticas educativas maternas e paternas aos 24 e aos 72 meses de vida da criança”. Psicologia: Teoria e Pesquisa. Out-dez 2011, vol 27. n. 4, p. 419-427.
Monteiro, L.; Fernandes, M.; Veríssimo, M.; Costa, I. P.; Torres, N.; Vaughn, B. E. “Perspectiva do pai acerca do seu envolvimento em famílias nucleares. Associações com o que é desejado pela mãe e com as características da criança”. Revista Interamericana de Psicologia/ Interamerican Journal of Psychology, 2010, vol. 44, n. 1, p. 120-130.
Moreira, L. V. C.; Rabinovich, E. P. “O pai em pesquisas sobre família”. In: Moreira, L. V. C; Petrini, J. C.; Barbosa, F. B. (orgs). O pai na sociedade contemporânea. Bauru: Edusc, 2010.
Petrini, J. C. Introdução. In: Moreira, L. V. C; Petrini, J. C.; Barbosa, F. B. (orgs). O pai na sociedade contemporânea. Bauru: Edusc, 2010.
Seabra, K. C.; Seidl-de-Moura, M. L. “Cuidados paternos nos primeiros três anos de vida de seus filhos: um estudo longitudinal”. Interação Psicol, 2011, 15(2), p. 135-147.
Souza, C. L. C.; Benetti, S. P. “Paternidade contemporânea: levantamento da produção acadêmica no período de 2000 à 2007”. Paideia, jan-abr. 2009, vol. 19, n. 42, 97-106.