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Entrevistas
Francisco Antonio dos Anjos
Atual presidente da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Turismo Anptur, Francisco Antonio dos Anjos é docente e pesquisador da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), além de coordenador do programa de pós-graduação (mestrado e doutorado) em turismo e hotelaria pela mesma instituição desde 2012 e integrante de conselhos científicos de diversas revistas acadêmicas. Nesta entrevista, ele discute o surgimento e consolidação das pesquisas científicas da área do turismo, além das atuações da Anptur e de suas pesquisas e experiências em turismo, planejamento urbano e geografia.
Kátia Kishi
10/06/2015
São relativamente recentes as pesquisas na área do turismo no Brasil, em comparação com outras áreas. Como foi o surgimento e consolidação das pós-graduações e das pesquisas na área?

No Brasil, a pesquisa em turismo deu seus primeiros passos, naturalmente, com as primeiras graduações, mas eram pesquisas mais pontuais, não se tinha programas mais consolidados. Muitas vezes, as pesquisas em turismo eram feitas por pesquisadores de outras formações como a história, a administração e a economia. Só na década de 1990 é que se tem um esforço mais concentrado em termos de pesquisas em turismo, com o fortalecimento de uma área de concentração dentro de um curso de pós-graduação em comunicação e artes da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). A ECA tinha mestrado e doutorado em comunicação, com várias áreas de pesquisa, entre essas o turismo, que aos poucos foi se fortalecendo. Mas, por diversos motivos, esse grupo não se consolidou como uma pós-graduação própria de turismo. Digamos que o que fica forte nessa área, além da formação de doutores com tese em turismo que acabavam sendo quase todos ou pelo menos um bom número da ECA-USP no Brasil, é a manutenção da revista científica mais antiga na área, que é a Turismo e Análise, que existe até hoje e começou a ser publicada no início da década de 1990. Ainda naquela década, o primeiro mestrado em turismo no Brasil surge na Universidade do Vale do Itajaí (Univali), no município do Balneário Camboriú. A Univali é uma universidade comunitária, como várias que há em Santa Catarina, onde se tem poucas universidades públicas no interior. Como a graduação em turismo e hotelaria já tinha surgido em anos anteriores, juntando essas duas áreas, a pós-graduação surge em 1997 também como turismo e hotelaria. Na época, alguns professores da própria USP vinham dar aula junto com os professores locais. Quem coordenava o curso era a professora Doris Van de Meene Ruschmann, que tinha dedicação parcial tanto na USP quanto na Univali. Ela foi a primeira coordenadora e unia esses dois grupos. O curso foi recomendado em 1999 e como não existia uma área de turismo na Capes, foi classificado junto com a área de administração e ciências contábeis e é onde o curso se mantém. A partir daí, houve a criação de outros mestrados no Rio Grande do Sul, em São Paulo e na Bahia. Desse grupo dos primeiros mestrados, fundou-se a Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Turismo (Anptur) em 2002, e é essa associação que consolida seminários e pesquisas mais sólidas em turismo e hotelaria no Brasil.

Com origem na comunicação, mas agora vinculada à administração, quais são as linhas de pesquisa mais fortes na área de turismo no Brasil?

O turismo continua tendo, pela sua origem, uma força na comunicação em termos de pós-graduação, mas na Univali, com o vínculo de turismo e hotelaria, em tese teria um viés de gestão. Também tem muitas pesquisas na área da geografia. Então, ela tem esses três pontos: ou uma força na geografia ou na administração ou na comunicação. Esses são os pilares da pesquisa em turismo. Hoje, na Anptur, já reconhecemos seis áreas fortes de turismo no Brasil: a de planejamento e sustentabilidade no turismo, a de política e desenvolvimento local e regional do turismo, a de gestão do turismo, a de cultura, lazer, entretenimento e gastronomia, a de metodologias e etnologias do turismo e a de hospitalidade. Essas seis áreas surgiram dentro dos 14 cursos de mestrado e doutorado que hoje estão em 10 programas de pós-graduação em turismo no Brasil.

E na associação, quais estão sendo as principais ações para se expandir a pesquisa na área de turismo e como tem sido a divulgação da sua revista científica?

A Anptur acabou tendo uma função inicialmente de congregar os programas de pós-graduações. Então, sua ação prática é fazer o seminário anual que congrega todos os programas com a apresentação de suas melhores pesquisas. Este ano nós tivemos mais de 260 trabalhos inscritos no evento, que ganha certo corpo a cada nova edição. O segundo veículo de ação é a revista científica da associação, que já está perto de seus 10 anos de publicação. Este é nono ano. A gente também vem incentivando muitos projetos integrados entre os programas de pós-graduação e projetos como a consolidação das revistas científicas dos programas, porque hoje quase todos os programas já têm suas próprias revistas científicas. Então, a Anptur acaba criando momentos de trocas de informações entre os editores dessas revistas ou passando essas informações para os programas que ainda não têm suas publicações. É principalmente nessa área de divulgação da pesquisa científica que a Anptur vem atuando.

Quais incentivos essa área recebe para expandir suas pesquisas, quais foram suas principais conquistas e quais pontos ainda precisam ser aperfeiçoados?

Nós temos, por exemplo, no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), uma área própria para o turismo. Para algumas áreas consolidadas, ter um representante no CNPq já é cotidiano. Para a área de turismo, nós temos um representante nos últimos seis anos. Essa condição de ter um representante próprio fez com que tenhamos o mecanismo, um canal direto com a agência de fomento, então facilitou bastante. Eu sou pesquisador e peguei essa transição em que a gente mandava um projeto para a área de ciência da informação em museologia, que era onde o turismo estava concentrado, e que era uma das áreas correlatas da comunicação. Hoje, ter um comitê específico, mesmo que ele esteja junto com geografia, planejamento urbano e demografia, fez uma diferença grande: aumentou muito o número de projetos aprovados, que triplicou nesses seis anos. Quero reiterar que esses projetos significaram a cota de recursos para a área, porque a própria área se fez presente na concentração de mais trabalhos e com uma demanda mais qualificada. Hoje nós já temos pesquisadores com bolsa produtividade do CNPq na área do turismo. Na Capes, nós ainda estamos junto com a área de administração, mas até este ano já fizemos dez programas de pós-graduação. Então, praticamente temos um subcomitê. Embora tenhamos muito a avançar, já temos um espaço considerável por conta disso. Agências de fomento como a Fapesc, até onde eu conheço, não tem o turismo como uma área específica para submissão de projetos. No SciELO estamos trabalhando para abrir uma área para periódicos de turismo que não seja dentro das ciências sociais aplicadas. O trabalho da Anptur, como associação, tem uma meta principal a trilhar, que é a consolidação da área.

As pesquisas acadêmicas em turismo são aproveitadas pelo mercado na área?

Sendo bastante realista, eu acho que há várias tentativas. A gente mesmo tenta trabalhar com alguns dados, mas a área do turismo é mais uma das áreas sociais e é um resultado dessas outras áreas. Então, o processo é muito similar ao das ciências sociais, e por mais que elas se intitulem sociais aplicadas, a aplicação do conhecimento da academia no mercado ainda se restringe muito. Eu acho que há tentativas, algumas mais exitosas, outras menos exitosas. Por exemplo, a Univali e o programa de pós-graduação se associaram, quatro anos atrás, a uma empresa de eventos que fazia um festival em Foz do Iguaçu. É um festival do mercado com aquelas feiras e dentro dessa feira já existia um fórum científico, onde a gente acabou ganhando um corpo a mais e está tentando mostrar ali que as pesquisas acadêmicas podem dar resultado para o mercado e vice-versa. Isso quer dizer que os alunos e professores do turismo vão lá no fórum, mas também visitam a feira para ficarem conectados. E me parece que a desconexão é como se existissem dois tempos e se vivesse em dois mundos. Nós também estamos participando de um grupo internacional que trabalha com a Univali com a transferência do turismo para o mercado. Portanto, há um exercício ou uma predisposição para que as pesquisas da área tenham reflexo no mercado, mas sendo realista, pouco disso aconteceu, assim como em todas as demais áreas de sociais aplicadas em que há uma distância muito grande. Porém, creio que pelo menos há uma predisposição em todos os programas de turismo no Brasil. Nós temos dois programas que foram criados com títulos profissionalizantes e por si só têm que ter dissertações desenvolvidas em mestrados profissionais que são vinculados ao mercado, por exemplo. Há, sim, uma intenção grande da área, mas creio que vai levar ainda alguns anos, talvez algumas décadas para isso se consolidar, porque a universidade brasileira foi toda estruturada dentro de seus muros.

E como está hoje o panorama do turismo no Brasil?

Houve uma mudança muito grande no turismo, nacionalmente, com a criação do Ministério. Isso já faz mais de 10 anos. Havia uma expectativa de que ali houvesse uma mudança radical. Quem é mais ponderado percebeu que havia uma sinalização e uma predisposição para que a área se consolidasse. Na década de 1980, o turismo, em termos de cursos de graduação, foi uma área difundida no Brasil. A febre passou e nós vemos muito crescimento da área do turismo nos cursos técnicos, principalmente os federais. Praticamente todos os estados têm um campus dos institutos federais com o curso de turismo. A nossa pós-graduação de mestrado e doutorado vem recebendo, nos últimos cinco anos, muitos alunos que são professores dos institutos federais. Então, nota-se que, se por um lado acabou o “oba oba” de cursos de turismo e hotelaria em cada esquina, agora acho que o turismo entra de forma mais consolidada nos institutos federais e universidades públicas, e se mantém um número grande de cursos na área em universidades comunitárias e confessionais.

O senhor tem pesquisas focadas em planejamento e gestão de território, demonstrando que muitos planejamentos em turismo eram feitos sem conexão com a forma como seriam gerenciados. Poderia comentar o conceito de planejamento sustentável?

Eu trabalho uma ideia de que a sustentabilidade é um princípio, que sustenta as ações humanas, ou é uma meta a ser buscada e não necessariamente um patamar a ser alcançado. Considerando essa premissa, o planejamento em turismo, para ser sustentável, deve vir de todo discurso ambiental, participativo e socialmente justo e economicamente viável. Ele precisa ser um processo que seja possível de colocar em prática, não pode ser um planejamento completamente técnico e lento para ser colocado em prática. Então, o processo de planejamento só tem função de ser se ele for simples, rápido, direto e se tiver princípios para ser gerenciado. O que falta em muitas secretarias de turismo municipal ou estadual é planejamento. Mas talvez eu possa inverter: o que falta em muitas secretarias é gestão política. E eles precisam saber que gerenciar é saber planejar ao mesmo tempo. Então, o planejamento, que tem um viés técnico, e a gestão, que tem um viés político, precisam estar juntos para o desenvolvimento do turismo. E essa é a minha maior crítica e, ao mesmo tempo, a base que eu sustento que deva acontecer em planejamento. Acho que várias cidades conseguiram isso em situações muito particulares e outras estão muito distantes disso, porque buscam projetos de planejamento longos, demorados, de dois ou três anos. E quando termina o planejamento, o destino já é outro, já se tem outro público. Esse descompasso do turismo é o foco principal que eu trabalho.