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Artigo
Turismo e museus
Por Isabela Andrade de Lima Morais
10/05/2015
Os museus são considerados os "atrativos estrelas" do turismo, principalmente do turismo cultural (Camargo & Cruz, 2009, p. 315). No México, por exemplo, o Museu Nacional de Antropologia, o Museu do Templo Maior, as ruínas de Teotihuacán, além dos inúmeros museus regionais e a céu aberto, são paradas quase que obrigatórias para quem visita o país. Outros exemplos significativos são o Museu do Louvre, em Paris; o Museu do Prado, em Madrid; o British Museum, em Londres e o Metropolitan Museum, em Nova York.

A aproximação dos museus com o turismo contribui para o desenvolvimento social e cultural de uma região, já que o processo de turistificação ajuda na valorização do patrimônio, pois possibilita "a revitalização da identidade cultural, para a preservação dos bens culturais e das tradições, operando como uma atividade que pode gerar mecanismos de sustentabilidades próprios para a cidade" (Rotman & Castells, 2007, pp. 63-64).

Essa aproximação é importante também para o desenvolvimento econômico da região. A exposição sobre Claude Monet, organizada em 1995 pelo Art Institute of Chicago, por exemplo, atraiu 960 mil visitantes em um período de dezenove semanas, gerando quase 300 milhões de dólares na economia da cidade; já a exposição sobre Cézanne, organizada pelo Philadelphia Museum of Art, em 1996, atraiu 550 mil visitantes no período de 13 semanas, movimentou um volume de 10 mil pernoites em hotéis e aproximadamente 86,5 milhões de dólares (Linaza, 2007, p. 139).

Outro fator de destaque para fortalecer a relação entre turismo e museus e incrementar a cadeia econômica tem sido a introjeção dos pressupostos da economia criativa, um elemento importante para produzir perspectiva de geração de renda que garanta a sustentabilidade econômica dos museus e a geração de fluxos econômicos para a comunidade no seu entorno, além de agregar valor simbólico e proporcionar experiências únicas para os visitantes a partir da inovação dos espaços e dos acervos.

Pensando nessa aproximação entre turismo, museus e economia criativa, surgiu, em 2012, uma pesquisa desenvolvida no Departamento de Hotelaria e Turismo (DHT) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) com o objetivo de analisar as ações desenvolvidas pelos museus recifenses (1).

A relação entre economia criativa, museus e turismo está prevista no Plano Nacional Setorial de Museus (PNSM) do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). Um dos eixos estruturantes é "Cultura e economia criativa", cuja ação propõe "fomentar a relação museu-comunidade, considerando a função social dos museus, produzindo novas perspectivas de geração de renda pautadas em produtos e serviços, que aproveitem potencialidades, saberes e fazeres" (Ibram, 2010, p. 17). Ainda de acordo com PNSM, a consolidação do eixo cultura e economia criativa prevê como uma de suas diretrizes a ampliação de parcerias entre os museus e o setor turístico, de modo a propiciar a inclusão, o respeito e a valorização da diversidade cultural, a partir da participação dos museus na cadeia produtiva do turismo (Ibram, 2010, p. 74).

Exemplo significativo dessa relação entre economia criativa, museus e turismo é o Museu Guggenheim, em Bilbao, cuja implantação serviu para recolocar a cidade do país basco nos mapas de destinos turísticos. Quando foi implantado, Bilbao estava com a infraestrutura desgastada e com a reputação abalada pelo terrorismo, e ele ajudou a promover a revitalização, atraindo atividades que "deram vida" à cidade, por meio do surgimento emergente de extraordinária atividade urbana e de bares e restaurantes, além da criação de diversos empregos, promovendo o desenvolvimento da cidade (Morato & La Iglesia, 2010).

Vale salientar que os projetos de economia criativa desenvolvidos nos museus podem atrair um segmento do turismo ainda pouco explorado, mas crescente: os turistas criativos. Richards e Raymond (2000) definiram o turismo criativo como aquele que oferece aos visitantes a oportunidade de desenvolver seu potencial por meio da participação ativa em cursos e experiências de aprendizagem característicos dos destinos turísticos. O turismo criativo, baseado na experiência, participação e cocriação, tem sido cada vez mais estimulado porque responde às necessidades do turismo de se reinventar, às necessidades dos destinos de fazer algo diferente em um mercado saturado e aos desejos dos turistas por experiências significativas (Richards & Marques, 2012).

Hoje, o conceito de turismo criativo vai além da relação com as experiências de aprendizagem adquiridas pelos turistas, e inclui uma gama de atividades criativas (artes visuais, performance, culinária, moda, design, escrita, filosofia, jardinagem etc.), em que o conceito criativo vem em primeiro plano e no qual há o envolvimento dos turistas na produção da vivência. Trata-se de participação e cocriação entre habitantes e visitantes, na tentativa de reumanizar a relação entre visitantes e visitados (Richards & Marques, 2012).

Os museus também estão aderindo ao turismo criativo. O Museu da Criança, em Santa Fé, no México, intitula-se como um local onde as pessoas aprendem "por meio da criação". Conforme apontado no site, ele oferta diariamente aos visitantes programas como oficinas de pintura, escultura, trabalho em madeira, origami, de papel, jardinagem, música etc., além de exposições que exploram a arte por meio da brincadeira, do lúdico.

Exemplos da relação entre economia criativa, museus e turismo também já podem ser encontrados em alguns pontos de Recife. O museu Cais do Sertão, inaugurado em abril de 2014, é um equipamento cultural pensado dentro dos pressupostos da economia criativa, e tem o potencial de vincular produtores criativos da cidade com pessoas de diferentes regiões que querem desenvolver atividades. O museu possui elementos capazes de valorizar as coletividades, além de mobilizar a participação de vários atores no cotidiano do centro cultural.

O Cais do Sertão possui um diálogo constante com outro equipamento museal, o Paço do Frevo. Inaugurado em 2014, é um espaço dedicado à difusão, pesquisa, lazer e formação nas áreas de dança e música de um dos ritmos considerado como patrimônio imaterial da humanidade, o frevo. O Paço do Frevo também é um museu totalmente baseado nos pressupostos da economia criativa, que propicia a vivência de um conjunto de experiências.

Outros museus desenvolvem ideias baseadas na economia criativa, colaborando para ampliar o fluxo de visitação e possibilitando outra dinâmica ao espaço. O projeto "Chá com charme", por exemplo, promovido pela Casa Museu Magdalena e Gilberto Freyre, consiste na apreciação de saborosos chás durante uma agradável tarde nos jardins do sítio ecológico da Fundação Gilberto Freyre, mesmo local onde o sociólogo e a família costumavam receber seus amigos para os momentos festivos.

Já o museu Murillo La Greca, também localizado na cidade de Recife, abriga o projeto "Praia do La Greca", oferecendo um dia cultural para quem gosta de unir diversão com conhecimento. Os visitantes desfrutam da projeção de uma praia no espaço externo do museu, com bebidas, petiscos e atrações musicais. É aberto a todos, e os participantes sempre levam boias, cadeiras, guarda-sóis e outros elementos que caracterizem uma praia.

É possível perceber que os projetos "Chá com charme" e "Praia do La Greca" congregam elementos baseados nos princípios norteadores da economia criativa brasileira, e a diversidade cultural é um pressuposto intrínseco. A comunidade é incluída na cultura, há uma troca, com participação efetiva da comunidade.

A sustentabilidade também está presente por meio de recursos que são favoráveis ao meio ambiente, de forma a gerar renda, cultura e inclusão social de maneira sustentável, e a inovação consiste tanto em melhorar algo já criado como criar algo novo, o diferencial, e isso está acontecendo nos museus que inovam a partir da interação da criatividade com a cultura. Essa relação permite, então, ampliar o acesso a novos públicos, tais como os turistas criativos.

Quando pensamos a relação entre museus, economia criativa e turismo, o objetivo não é propor uma "Disneyização" (Bryman, 1999) dos museus, tampouco desvirtuá-los de suas funções pedagógicas e sociais, já que é extremamente compatível a aliança da sua função pedagógica e social com a função turística. Uma não inviabiliza a outra, afinal, o turista, quando visita um museu, está aprendendo sobre o outro e exercitando a experiência cultural.

Por fim, o diálogo entre museus e turismo deve levar em conta "as questões relativas aos bens simbólicos e às representações sociais intrínsecas a essas instituições" (Nascimento, 2010, p. 10). Portanto, é possível turistificar os museus sem que eles percam suas funções de local onde é possível dialogar com a alteridade (Morais, 2012b), permitindo que continuem a ser espaços em que memórias, patrimônios, identidades e culturas de uma coletividade são simbolizadas, interpretadas e reinterpretadas, significadas e ressignificadas, construídas, reconstruídas e descontruídas (Morais, 2012a).


Isabela Andrade de Lima Morais é doutora em antropologia, professora adjunta do Departamento de Hotelaria e Turismo (DHT), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e líder do Grupo de Pesquisa Antur. Realiza pesquisas na área da economia criativa nos museus e sua relação com o turismo. Email: isamorais_@hotmail.com/ isabela.morais@ufpe.br


Nota

1 – Essa pesquisa foi contemplada no edital do CNPq - MCTI/CNPq/MEC/CAPES nº 18/2012 – Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas. A Facepe e o Pibic da UFPE participaram da pesquisa por meio do auxílio de bolsa de iniciação científica e a Proaes/UFPE pelo auxílio de bolsa do programa de manutenção acadêmica. Os alunos pesquisadores dessa pesquisa foram todos do curso de turismo do Departamento de Hotelaria e Turismo da UFPE.


Referências

Bryman, A. (1999). "The Disneyization of society". In: The editorial board of the sociological review. Blockwell Publishers, 108, Couley Road Oxford.

Camargo, P. de, & Cruz, G. da (orgs.). (2009). Turismo cultural: estratégias, sustentabilidade e tendências. Ilhéus: Editus.

Instituto Brasileiro de Museus. (2010). Plano Nacional Setorial de Museus. Brasília: Instituto Brasileiro de Museus.

Linaza, M. R. (2007). El turismo cultural, los museos y su planificación. Espanha: Ediciones Trea.

Morais, I. A. de L. (2012a). "Turistificação do patrimônio e dos museus". In: Anais da 28ª Reunião Brasileira de Antropologia, São Paulo.

Morais, I. A. de L (2012b). "Economia criativa nos museus". In: Diário de Pernambuco, Pernambuco.

Morato, M. M. & La Iglesia, R. G. (2010). "Projetos e processos emblemáticos: o caso Bilbao". In: Reis, A. C. F. (org.) Cidades criativas: soluções inventivas: o papel da copa, das olimpíadas e dos museus internacionais. (pp. 202 – 280). São Paulo: Garimpo de Soluções; Recife: Fundarpe.

Nascimento, J. do (2010). Economia de museus. Brasília: Editor Ibram.

Richards, G. & Marques, L. (2012). "Exploring creative tourism: editors introduction". In: Journal of Tourism Consumption and Practice. Volume 04, n. 02, 01-11.

Richards, G. & Raymond, C. (2000). "Creative tourism". In: Atlas News, 23, pp. 16-20.

Rotman, M. & Castells, A. N. G. (2007). "Patrimônio e cultura: processos de politização, mercantilização e construção de identidades". In: M. F. L. Filho. Antropologia e patrimônio cultural: diálogos e desafios contemporâneos. (pp. 57-79). Blumenau: Nova Letra.

Santa Fé creative tourism. Disponível em santafecreativetourism.org/2011/07/discovering-the-joys-of-learning-play-and-community-santa-fe-children%E2%80%99s-museum.