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Reportagem
Turismo científico: divulgação e desenvolvimento
Por Fabiana Silva e Janaína Quitério
10/06/2015
Onde hoje está localizado o Triângulo Mineiro, entre 80 e 66 milhões de anos atrás (ao final do período Cretáceo), havia uma área árida habitada por dinossauros, em especial, os herbívoros titanossauros. Resistindo ao tempo e às árduas condições climáticas, vieram à luz os primeiros achados fósseis da região – e que hoje firmam o município de Uberaba como a “Terra dos Dinossauros no Brasil”.

Mas o primeiro fóssil de dinossauro da América Latina foi descoberto por acaso, como contam os pesquisadores Thiago da Silva Marinho, diretor do Complexo Cultural e Científico de Peirópolis, e Luiz Carlos Borges Ribeiro, geólogo do complexo e da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), em artigo publicado na edição especial da revista Scientific American Brasil, em maio deste ano.

Segundo eles, durante as obras de um trecho ferroviário em Uberaba, em 1945, o paleontólogo da então Divisão de Geologia e Mineralogia, Llewellyn Ivor Price (1905-1980), identificou que a bola com a qual os funcionários da ferrovia jogavam bocha era, na verdade, um ovo de dinossauro, cuja identificação foi publicada em 1951.

Desde então, numerosas e sistemáticas escavações foram feita na região, a ponto de ser constituído um acervo diverso de artefatos que colocam Uberaba como centro de referência em estudo e divulgação de patrimônio geológico no país.

Turismo paleontológico: o caso de Peirópolis

Bairro rural da cidade de Uberaba, Peirópolis tinha como atividade econômica, até os anos de 1970, a produção cafeeira e a exploração da cal, mas entrou em franca decadência com a diminuição dessas atividades e do desmonte ferroviário.

O início das atividades voltadas ao turismo paleontológico se deu com a instalação, em 1991, do Centro de Pesquisas Paleontológicas Llewellyn Ivor Price e do Museu dos Dinossauros, que, quase 20 anos depois, integraram a UFTM, formando o Complexo Cultural e Científico de Peirópolis.

“Em Uberaba, notadamente em Peirópolis, os fósseis ganharam uma nova interpretação que transcende mesmo a relevância científica: passaram a elementos de revitalização econômica e cultural, o que vem possibilitando a melhoria na qualidade de vida de seus moradores graças ao turismo paleontológico, principal atividade econômica da localidade, tirando partido da magia que os dinossauros exercem sobre as pessoas”, concluem Ribeiro e Marinho no artigo da Scientific American Brasil.

Os pesquisadores ressaltam que a atividade turística, além de se mostrar como forma de divulgação do patrimônio cultural e natural da região, contempla o projeto de implantar “geoparques” no Brasil – termo cunhado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) para representar áreas de valor geológico, ecológico, cultural e histórico, a partir dos quais podem ser desenvolvidas atividades turísticas baseadas no desenvolvimento sustentável de seus recursos naturais, a exemplo dos fósseis.

Em 2012, existiam mais de 80 geoparques espalhados em 27 países, de acordo com o primeiro volume de Geoparques do Brasil: propostas, publicado pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM). O primeiro geoparque brasileiro foi criado em 2006, em Araripe, no Ceará, mas há projetos de implantação de mais 17 geoparques espalhados de norte a sul do país, incluindo o de Uberaba, em Minas, e o de Serra da Capivara, no Piauí.

Para o cientista político e professor de disciplinas voltadas para o desenvolvimento sustentável da Universidade Mackenzie, Reinaldo Dias, autor do livro Turismo e patrimônio cultural, publicado pela Saraiva, o turismo científico – antes desvalorizado no modelo de desenvolvimento industrial –, revela-se como oportunidade para municípios se desenvolverem de forma autônoma do Estado nacional: “Trata-se de recursos muito importantes para o desenvolvimento endógeno (que se origina ali, independentemente de haver apoio do governo federal). Basta que o município esteja capacitado para trabalhar com eles, construindo locais para visitação, mas sem deixar para segundo plano a preservação”, alerta.

Riqueza e descaso no turismo arqueológico no Nordeste

Segundo dados da Fundação CTI-NE, formada pelos órgãos oficiais de turismo dos nove estados que compõem o Nordeste brasileiro, a região recebe a visita de aproximadamente 30 milhões de turistas anualmente. Entretanto, a grande maioria desses visitantes permanece apenas na faixa litorânea da região.

Os turistas desconhecem a riqueza do interior nordestino, bem como a existência de um vasto patrimônio cultural da humanidade, que pode ser visto nos diversos sítios arqueológicos encontrados principalmente no sertão dos estados da Bahia, de Pernambuco, do Piauí e do Ceará.

“O Brasil tem um grande potencial turístico em geral, mas quanto ao turismo arqueológico, por enquanto, é limitado a poucos locais, porque poucos foram ou são estudados”, afirma Rosa Trakalo, pesquisadora e coordenadora de projetos da Fundação do Homem Americano.

Um desses espaços já pesquisados é a região do Parque Nacional da Serra da Capivara, no interior do Piauí, criado na década de 1970 por um grupo liderado pela arqueóloga Niède Guidon. A região conta, além do parque, com a Fundação e o Museu do Homem Americano, responsáveis pela administração e documentação dos sítios arqueológicos da região.

“A Serra da Capivara é um dos raros casos no Brasil com mais de 40 anos de pesquisas arqueológicas, onde a infraestrutura de visitação, no Parque, é de primeiro mundo”, avalia Trakalo.

O Parque Nacional da Serra da Capivara tem a maior concentração de sítios pré-históricos do continente americano e foi considerado como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco. Atualmente ele ocupa cerca de 100 mil hectares.

Trata-se de um local com um monumental museu a céu aberto, entre grandiosas formações rochosas, onde se encontram sítios arqueológicos e paleontológicos que testemunham a presença de homens e animais pré-históricos.

Nele também se encontra a maior quantidade de pinturas rupestres do mundo, e estudos científicos realizados pela professora Niède Guidon e sua equipe confirmam que a Serra da Capivara foi densamente povoada em períodos pré-históricos. Os artefatos encontrados apresentam vestígios da presença do homem há mais de 50 mil anos, os mais antigos registros na América.

Trakalo destaca que se maias, incas, astecas e egípcios deixaram grandes monumentos que os turistas visitam hoje, o homem pré-histórico deixou na Serra da Capivara sua história, sua vida cotidiana, suas mensagens, tudo isso numa "escrita" que cobre enormes paredes.

Ela ainda complementa destacando que o visitante da Serra da Capivara, além de ver as pinturas rupestres, as maravilhosas paisagens, uma vegetação e uma fauna ricas, sente e consegue entender como era a vida desses seres livres e felizes e, quem sabe, comparar com sua própria vida.

Entretanto, mesmo com tantos atrativos, o turismo da região ainda é muito carente. Segundo Trakalo, o número de visitantes vem aumentando ano a ano, mas a infraestrutura receptiva é ainda muito simples, e os acessos são difíceis. O meio mais rápido de chegar ao parque é pelo aeroporto Nilo Coelho, localizado na cidade de Petrolina, em Pernambuco, há mais de 400 quilômetros de distância.

O problema de infraestrutura receptiva se arrasta por décadas. Desde 1997, ano em que o governo federal começou a construção do aeroporto da Serra da Capivara, o projeto se arrasta e ainda não foi finalizado. Já são 18 anos de atraso na construção, que afetou também o desenvolvimento da hotelaria. Segundo Niède Guidon, grandes redes de hotelaria até têm o interesse de se instalar na região, no entanto, esperam a finalização do aeroporto.

Assim como aconteceu na Serra da Capivara antes da criação do parque nacional, os sítios arqueológicos encontrados na região do Vale do São Francisco, nas cidades de Sobradinho e Juazeiro, na Bahia, sem a proteção legal, acabam sujeitos à depredação e ao desmatamento das áreas.

Diferentemente das pinturas rupestres que se encontram no Parque Nacional da Serra da Capivara, as encontradas no Boqueirão do São Gonçalo, na cidade de Sobradinho, ainda não possuem nenhuma proteção por parte dos governos, seja municipal, estadual ou federal. Além disso, poucas são as pesquisas sobre o sítio arqueológico do Boqueirão. Até os próprios moradores da cidade desconhecem a importância do patrimônio localizado no território da cidade.

O potencial para o turismo também existe nos sítios arqueológicos do Vale do São Francisco. Porém, a situação deles é ainda mais grave que a da Serra da Capivara, uma vez que sequer são reconhecidos como patrimônio a ser preservado.

Enquanto ao redor do mundo os sítios arqueológicos recebem cerca de 10 milhões de visitantes por ano, no Brasil, o turismo arqueológico ainda necessita de investimentos e apoio para se desenvolver. “Aqui existe uma riqueza cultural ímpar, ainda que desconhecida por muitas pessoas e até ignorada por outras”, conclui Trakalo.