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Reportagem
O clube da bomba atômica
Por Fabiana Silva
10/09/2015

Há 70 anos, os Estados Unidos protagonizaram um dos maiores desastres da história da humanidade, com os ataques às cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki. Com essa demonstração para o mundo de estar em posse de uma arma tão perigosa e letal, instantaneamente, outras nações sentiram-se instigadas a desenvolver essa tecnologia, como a antiga União Soviética, que durante os anos da Guerra Fria travou silenciosamente uma disputa no campo bélico com os Estados Unidos, tendo ambos aumentado potencialmente seu arsenal nuclear. “Após a demonstração de frieza e desumanidade exibida pelos Estados Unidos com o bombardeio de Hiroshima e Nagasaki, a tensão se intensificou, isso levou a União Soviética a acelerar sua produção de armas nucleares e a corrida pela morte foi acelerada”, destaca Roberto Romano, professor de ética e filosofia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Tentando frear a corrida bélica por armas nucleares, diversas medidas foram tomadas após o fim da Segunda Guerra Mundial, como a criação, em 1957, da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Estabelecida sob o comando das Nações Unidas para incentivar o desenvolvimento de aplicações pacíficas da tecnologia nuclear, a AIEA fornece salvaguardas internacionais contra o uso indevido de armas nucleares e para facilitar a aplicação de medidas de segurança na sua utilização.

O eixo de domínio

Uma das medidas de controle do desenvolvimento de tecnologias nucleares que surgiu após a criação da AIEA foi o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), assinado em 1968. Em sua origem, o tratado tinha como objetivo limitar o armamento nuclear dos cinco países que na época detinham a tecnologia: Estados Unidos, Reino Unido, União Soviética, China e França. Os signatários ficariam obrigados a não transferir essas armas para os chamados “países não-nucleares”, nem os auxiliar a obtê-las. A China e a França, entretanto, somente sancionaram o tratado em 1992.

O TNP pode ser considerado como o principal alicerce dos esforços internacionais para evitar a disseminação de armas nucleares e viabilizar o uso pacífico de tecnologia nuclear da forma mais ampla possível. Porém, ele se sustenta em uma desigualdade de direitos, uma vez que congela a geografia do poder nuclear em nome do risco de destruição mundial, sendo que são justamente os cinco signatários do tratado que possuem 90% das armas nucleares com existência reconhecida mundialmente e que formam o chamado “clube da bomba atômica”.

“O TNP encontra-se numa esfera política, sendo visto por alguns Estados como um acordo que estratifica o poder internacional entre países que detêm tecnologia nuclear para fins militares e os que não a detêm, mas ele tem dificuldade em ser eficaz no cumprimento de seus objetivos, especialmente no pilar do desarmamento”, afirma Sergio Luiz Cruz Aguilar, coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Conflitos Internacionais na Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Marília (SP).

Aqueles mesmos cinco países signatários do TNP também são os membros permanentes do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), e são os únicos que possuem poder de veto. Ou seja, podem bloquear as decisões do Conselho de Segurança, mesmo que nas votações o número mínimo de 9 votos favoráveis em 15 possíveis seja atingido.

O grupo dos detentores reconhecidos formam, desse modo, um bloco que comanda as questões de segurança, determinando o que é ou não é uma ameaça mundial. “Podemos considerar que não existem riscos de conflito entre países detentores da tecnologia da bomba atômica, uma vez que eles já são detentores há muito tempo, e já houve oportunidades do uso da bomba. Na realidade, ela serviu justamente para que ninguém a usasse”, avalia Aguilar.

Os não reconhecidos

Existem ainda outros países que não são reconhecidos como Estados Nucleares, mas que fazem pesquisas relacionadas à tecnologia nuclear. Alguns, inclusive, já realizaram testes bem-sucedidos com armas nucleares: Índia, Paquistão, Coreia do Norte, Israel e Irã.

A Índia, por exemplo, fez o seu primeiro teste com armas nucleares há mais de 40 anos. Em 18 de maio de 1974, com o projeto batizado de Buda Sorridente, o país foi o primeiro a reconhecidamente realizar testes atômicos além dos já reconhecidos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. O interesse indiano pelas pesquisas sobre armas atômicas pode ser visto como uma tentativa de se fortalecer diante de seus vizinhos, a Rússia (principal das repúblicas da antiga União Soviética, dissolvida em 1991) e a China, que possuem a tecnologia e têm a bomba. Além desses dois países, a Índia busca ganhar vantagem em um possível conflito com outro vizinho, o Paquistão, com quem disputa a região da Caxemira e possui um histórico de conflitos.

O Paquistão é outro país não signatário do TNP que possui bombas atômicas. Em 1965, quando as relações com a Índia já eram tensas, o então primeiro-ministro Zulfiqar Ali Bhutto prometeu que, se o país vizinho construísse uma bomba, o governo paquistanês faria o mesmo. Em 1998, um teste nuclear foi feito pelo Paquistão, quando cerca de seis armas nucleares foram testadas em resposta a um teste que a Índia fizera com cinco armas semanas antes.

Romano, da Unicamp, destaca o quanto tensões – como essa entre Índia e Paquistão, ambos detentores da força nuclear –, são frequentes e perigosas. A Índia é simplesmente o maior exportador de cérebros do mundo, coloca satélites em órbita com tecnologia própria e tem submarinos atômicos. Já o Paquistão conta com um exército bastante combativo e dispõe de mísseis com alcance maior que os do adversário. Tais circunstâncias agravam a instabilidade da região. Mas ambos são aliados dos países ocidentais e sua volubilidade é menos preocupante frente, por exemplo, às ameaças norte-coreanas.

Tendo supostamente adquirido sua tecnologia nuclear através de A.Q. Khan, figura central do programa nuclear paquistanês que negociou a tecnologia através do mercado negro, a Coreia do Norte é atualmente um país ativo na realização de testes nucleares. Tendo abandonado o Tratado de Não Proliferação em 2003, estima-se que eles possuem armas nucleares desde 2009, sendo que já realizaram três detonações como teste, a mais recente em fevereiro de 2013.

Israel é o único caso diferenciado, pois mesmo sendo apontado pela comunidade internacional como detentor da tecnologia, o país não admite a posse. Mas, sem dúvida, dentre os não reconhecidos, quem sempre despertou maior atenção dos países ocidentais foi o Irã. Durante muitos anos, ele foi visto como fomentador do terrorismo no Oriente Médio e sanções drásticas lhe foram impostas, com a suposição de que haveria no país um projeto nuclear para fins ofensivos. Para Aguilar, da Unesp, “o Irã sempre usou a tecnologia ou a possibilidade de tê-la como forma de dissuasão”, assim como demonstração de poder perante o resto do mundo.

Romano pondera, no entanto, que “o Irã sempre foi apresentado como fanático e intransigente, e existe muita verdade na imagem do autoritarismo que hoje reina naquele país, sob a tutela dos sacerdotes. Mas também, como em toda propaganda, foi esquecido o pretérito no relacionamento dos Estados Unidos e da Europa, que é muito pouco róseo”.

Esse relacionamento tão conturbado durante tantos anos foi posto novamente sob a luz da mídia global, quando Irã e Estados Unidos assinaram recentemente um acordo nuclear, pelo qual o governo iraniano prevê limitar sua atividade nuclear em troca da suspensão de sanções econômicas internacionais. “O Irã não irá se retirar da pesquisa sobre o setor atômico. Ele aceitará inspeções em seus laboratórios para que se verifique o não uso técnico para fins militares, apenas isso”, destaca Romano.

“Se o acordo realmente for cumprido, ele será um ponto favorável para diminuir a instabilidade no Oriente Médio, pois a possibilidade do Irã ter tecnologia nuclear bélica sempre afetou a segurança na região, que já é problemática”, acrescenta Aguilar.

Para Romano, “o acordo entre os dois países e os aliados é árduo, sobretudo porque o Irã não tem motivos sólidos historicamente para confiar na palavra dos norte-americanos. Os iranianos possuem fortes avisos de que um acordo que os desarma também os coloca à mercê de países que não respeitam o direito internacional e só conhecem a linguagem da força militar”. Quanto ao posicionamento dos demais países detentores da tecnologia atômica, Romano acrescenta que suas respostas e reações só serão conhecidas mais tarde, quando os tratados comerciais e diplomáticos forem reiniciados entre o ocidente e o Irã.

O mundo fica, assim, assistindo impotente ao jogo de ameaças e combinações entre os detentores da tecnologia nuclear capaz de produzir armas atômicas, enlaçados através de tratados e acordos que os obrigam a desenvolver apenas tecnologias para fins pacíficos, sob a supervisão do Conselho de Segurança da ONU, cujos representantes com direito a veto são cinco grandes detentores das bombas. O Brasil, inclusive, já assinou compromissos internacionais de não usar a energia atômica para fins bélicos.

Esses mesmos acordos funcionam como mantenedores do monopólio nuclear mundial. “O pêndulo da guerra está em movimento e talvez ele não cause um conflito nuclear de extermínio global, mas sempre será uma carta do baralho diplomático e bélico a ser usada em momentos de fraqueza dos que possuem ou são candidatos à bomba”, conclui Romano.