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Reportagem
Olimpíada de Neurociências estimula curiosidade científica nas escolas
Por Erik Nardini e Cecília Café-Mendes
10/10/2015
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O termo olimpíada tem sido muito repetido ultimamente e sua origem se deve aos gregos antigos, que há cerca de 2500 anos realizavam eventos esportivos em homenagem a Zeus, no santuário de Olímpia. Ainda que o charme da mitologia tenha ficado para trás, campeonatos que valorizam atletas de alto rendimento, como o que o Rio de Janeiro vai sediar em 2016, permaneceram. Mas não só nos esportes. É isso que jovens entre 14 e 19 anos de todo o mundo querem provar enquanto treinam firme para superar os desafios promovidos pela International Brain Bee (IBB) e, a nível nacional, pela Olimpíada Brasileira de Neurociências (OBN).

Essa nova geração de competidores surgiu com a criação da IBB na Universidade de Maryland, em 1998, por iniciativa do professor Norbert Myslinski. O objetivo da olimpíada era motivar os alunos no estudo do cérebro, inspirando-os a ingressar em carreiras clínicas e também de pesquisa básica. Atualmente, a Brain Bee conta com mais de 150 comitês distribuídos em 30 países, que têm sediado suas próprias olimpíadas locais e nacionais de neurociência, como forma de preparar alunos do ensino médio para competir internacionalmente. Esses comitês contam com a participação de institutos de pesquisa, universidades e também de hospitais como, por exemplo, o Johns Hopkins Children's Center, dos Estados Unidos, o Hotchkiss Brain Institute, do Canadá, e o Heidelberg University Hospital, da Alemanha.

No Brasil, existem, no momento, seis comitês: Rio de Janeiro e Grande Rio, Ribeirão Preto (SP), Juiz de Fora (MG), Brasília, São Paulo e Rio das Ostras (RJ). Os comitês regionais podem ser iniciados por qualquer pessoa que tenha interesse em abraçar esse evento, podendo ser um comitê científico ou não, não precisando necessariamente ser filiado a um instituto de pesquisa ou um hospital, apesar de colaborações como essas serem bem vindas.

A primeira edição brasileira do evento aconteceu em 2013, sob coordenação do biólogo Alfred Sholl-Franco, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “A intenção da OBN não é preparar jovens para que se tornem futuros especialistas em ciências médicas”, explica Sholl-Franco, derrubando estereótipos. “É possível aplicar o conhecimento neurocientífico em engenharia, matemática e até mesmo em ciências humanas. Então, o objetivo da OBN é despertar no jovem o interesse nas áreas científicas dentro das carreiras com as quais eles mais se identificam”, continua.

O despertar do gosto pelas neurociências

Divulgar neurociências fornece recursos para compreender tanto o nosso comportamento, pensamento e emoções como também dos nossos bichinhos de estimação, por exemplo. E o interesse da sociedade por assuntos como esses pode ser observado no aumento crescente de séries de TV (Criminal minds, Família soprano, The Big Bang theory, Hannibal), filmes (Alice, Como se fosse a primeira vez, Rainman, Uma mente brilhante), livros e até peças de teatro. Em julho, por exemplo, entrou em cartaz em São Paulo a peça de teatro Do lado direito do hemisfério, com base na obra do neurologista e escritor Oliver Sacks. Outras peças com temática semelhante já foram encenadas, como a comédia Toc toc, que trata do transtorno obsessivo compulsivo e traz a neurociência para uma discussão descontraída.

O contato com essa temática pode levar o indivíduo a se interessar por esse assunto. Foi o que aconteceu com a estudante Giovanna Lemos, vencedora da Olimpíada Brasileira de Neurociência em 2015. Ela conta que, ao assistir o seriado Criminal minds, percebeu que desejava conhecer mais sobre o comportamento humano e, com isso, surgiu o interesse por estudar neurociências. Em uma conversa informal com um colega de escola, durante o curso preparatório para as Olimpíadas de Química, Giovanna comentou que tinha interesse nessa área e seu colega lhe disse que já havia lido alguma coisa sobre uma olimpíada do conhecimento nessa linha. Giovanna foi atrás da informação e então descobriu a Brain Bee, Olimpíada de Neurociência.

Em São Paulo, a organização regional da Brain Bee conta com a participação de pesquisadores do Hospital Albert Einstein, da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e também da coordenadora da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae). Atualmente, a coordenação do comitê de São Paulo é liderada por Sérgio Gomes, doutor em neurologia e neurociência pela Unifesp. A equipe é multidisciplinar, contando com neurologistas, especialistas em educação, em interface cérebro e máquina, em matemática e em informática, o que amplia e permite diferentes enfoques para esse grande tema que é a neurociência. Segundo Gomes, os principais objetivos da olimpíada são apresentar conteúdos de neurociência para alunos da educação básica, estimular o estudo científico do sistema nervoso, aproximar a ciência da escola, contribuir para a atualização curricular e, por fim, descobrir novos talentos.

Como a grade curricular das escolas aborda os conteúdos de biologia, física e química de forma independente e os conhecimentos exigidos para realização de provas como as das Olimpíadas de Neurociências não fazem parte das habilidades desenvolvidas na escola, o Hospital Albert Einstein resolveu organizar um curso para preparar os alunos interessados na Brain Bee. Além de prepará-los para a prova, também são fornecidos materiais e ministradas palestras sobre assuntos de temas gerais relacionados à neurociência. A primeira edição do curso aconteceu de 15 a 18 de dezembro de 2014, durante o período noturno. O Albert Einstein se responsabilizou por imprimir e distribuir o material gratuito produzido pela International Brain Research Organization. Além disso, o site do Brain Bee SP conta com todos os links de acesso ao material necessário para o estudo dos alunos e também com sugestões de livros extracurriculares, além de filmes que podem ser usados para explorar diversos assuntos dentro desse tema de estudo.

Como uma forma de aproveitar a atmosfera neurocientífica, a 1ª Olimpíada de Neurociências de São Paulo ocorreu no dia 14 de março de 2015 na Faculdade de Medicina da USP, juntamente com o I Encontro da Rede Latino Americana de Mapeamento Cerebral (Labman). Participaram desse evento 53 alunos de 12 escolas públicas e privadas de São Paulo. As provas tiveram questões sobre neurociência básica, anatomia e fisiologia, além da discussão de casos clínicos. Ao fim do evento, os alunos participantes tiveram oportunidade de interagir com os pesquisadores, o que, segundo enfatiza Gomes, foi aproveitado ao máximo.

Os alunos vencedores dessa prova foram: 1° Laura Valquiria Ramos Maita (colégio Etapa), 2° Caroline Magalhães de Toledo (colégio Etapa) e 3° Giovanna Lemos Ribeiro (colégio Pentágono). Já na etapa nacional da olimpíada (Brazilian Brain Bee), a aluna Giovanna Lemos foi a vencedora, indo representar o Brasil na etapa internacional (International Brain Bee) realizada na cidade de Cairns, na Austrália, em agosto deste ano. A participação da Giovanna nesse evento permitiu o contato diário com outros alunos de diversos países e da mesma idade dela que compartilham o interesse pela neurociência, fato que foi e ainda é extremamente enriquecedor, uma vez que todos ainda mantêm contato.

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Competidores na International Brain Bee, em Cairns, Austrália. Giovanna Lemos ao fundo.
Foto cedida por Giovanna Lemos.


Outra colaboração importante iniciada pela Giovanna nesse evento é com o professor Charles Watson da Universidade de Curtin, na Austrália. Watson é um renomado anatomista e autor de vários livros bastante conhecidos e utilizados no meio neurocientífico, como, por exemplo, The rat brain in stereotaxic coordinates , escrito em parceria com George Paxinos. Ele se mostrou bastante entusiasmado com a dedicação de Giovanna e se comprometeu a fornecer material didático para o curso que ela está organizando e que será ministrado para outros alunos da escola dela em horário alternativo às aulas regulares. Outra iniciativa da Giovanna é montar um blog no qual ela pretende explorar mais temas relacionados à neurociência. Por fim, ela atualmente participa de algumas reuniões científicas que acontecem no Albert Einstein e que também contam com a participação de Sérgio Gomes.

Diante disso, talvez o maior legado deixado tanto por Giovanna Lemos, quanto por outros alunos que também participaram dessa olimpíada em anos anteriores, como Tiago Lubiana Alves (vencedor em 2013) e Eric Yoshida (vencedor em 2014), seja despertar em outros colegas o interesse por esse tema tão próximo, em termos de vivência, e tão distante, em termos de conhecimento, do nosso dia a dia. Além disso, o interesse intelectual diferenciado de certos alunos abre a oportunidade para a própria escola criar formas de abraçá-lo, tornar o ensino mais multidisciplinar, estimular outros alunos a desenvolver novos conhecimentos e, assim, auxiliar esses estudantes em suas futuras buscas intelectuais e profissionais. Um ponto importante que foi ressaltado por Gomes é que, a partir deste ano, os professores do ensino médio também terão vagas garantidas no curso preparatório para a olimpíada. Uma vez que os professores são os grandes propagadores do conhecimento, é de extrema importância que eles possam ser ativos ao gerar o interesse nos alunos em suas escolas e que também sejam capazes de orientar os estudos desses estudantes.

Além disso, talvez com o passar dos anos, mais escolas se interessem em participar de olimpíadas do conhecimento. Gomes ressalta que apesar de a última edição da Brain Bee SP ter 100 vagas disponíveis para o curso preparatório para a prova, apenas 72 delas foram preenchidas. E isso não se deve à falta de divulgação, que, segundo ele, foi bastante ampla, com matéria no site da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, divulgação feita pela Agência Fapesp e também chamadas no Diário Oficial. Somando-se a isso, o contato direto com diretores de mais de 100 escolas de São Paulo, entre públicas e privadas, também ocorreu. Entretanto, a falta de naturalidade em lidar com estudos multidisciplinares ainda afasta muitos dos nossos estudantes de iniciativas como essa. De qualquer forma, olimpíadas como a de neurociências aproximam a ciência da sociedade e mostram que é possível divulgar ciência com uma linguagem acessível a todos que se interessam pelo tema.

Preparo requer esforço extraescolar

Participar das olimpíadas exige bastante disciplina da geração que respira tecnologia e é bombardeada por distrações que atacam pelas telas de TV, computadores e celulares. Como fazer com que nossos jovens estudem neurociências se o conteúdo não faz parte dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)? “Esse conteúdo de neurociências acaba distribuído nos próprios PCNs, na parte de biologia, e no PCN+, enquanto discute assuntos relativos às deficiências e à inclusão”, explica o coordenador da OBN.

Scholl-Franco lembra que a etapa nacional cobra do candidato conhecimentos extracurriculares. “A intenção é preparar o aluno para competir em igualdade na International Brain Bee”. Por isso, em uma linguagem jovem, o site brasileiro da OBN indica uma seleção de livros que ajudam os competidores a se aprofundarem no estudo do sistema nervoso. “Em paralelo, instituímos, no Rio de Janeiro e em São Paulo, os cursos de férias que são realizados duas vezes ao ano e funcionam como um excelente recurso para os jovens”, avalia o coordenador.


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Toda a equipe da OBN (com colete), competidores e supervisores (ao centro) e comissão
julgadora (ao fundo), Com Alfred Sholl-Franco no centro e atrás, de camisa xadrez
cinza/marron. Foto: Bruna Mattos.


Olimpíadas auxiliam na divulgação científica das neurociências


Li Min Li, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador do Brazilian Institute of Neuroscience and Neurotechnology, vê as olimpíadas como “um potente estimulante para a divulgação sobre as neurociências”. Para ele, existe uma espécie de efeito dominó enorme desde o momento em que o jovem começa a se preparar para a competição. “A OBN mobiliza toda uma estrutura no ambiente escolar que acaba também contagiando os colegas, e isso se reflete em conversas com um papo mais ‘cabeça’”, brinca.

“Se o Estado não justificar (para a sociedade) quão importante é a área de C&T, como é que irá lutar por um orçamento relevante para o setor?”, questiona Sholl-Franco. “Os Estados Unidos, a Alemanha e a Inglaterra, por exemplo, veem a divulgação e popularização da ciência como algo fundamental. Esses países justificam à população onde estão sendo investidos milhões – por vezes bilhões – e, com isso, conseguem apoio da sociedade”.

No Brasil, editais de financiamento preveem pontuação adicional para propostas que apresentem o chamado plano de divulgação e popularização de ciência. “Não se pode simplesmente gastar bilhões em uma área se não conseguir explicar o porquê desse gasto. É preciso esclarecer os reflexos desse investimento”, finaliza Sholl-Franco.