REVISTA ELETRÔNICA DE JORNALISMO CIENTÍFICO
Artigo
A quem financiar? O fenômeno crowdfunding no Brasil
Por Rafael Lucian e Bartos Bernardes
10/12/2015
A web tem proporcionado uma série de possibilidades empreendedoras, devido à proliferação da informação através da rede, que retorna em oportunidade de negócio. Um grande exemplo desse efeito, nos últimos anos, é o fenômeno do crowdfunding, que se constitui em um formato inovador de consumo colaborativo suportado pelas redes sociais. Nesse modelo de financiamento por meio de plataformas especializadas, os realizadores de projetos buscam angariar recursos junto a apoiadores que se interessem por eles, no intuito de concretizá-los. Segundo Howe (2009, p. 248), “o crowdfunding aproveita a renda coletiva, permitindo que grandes grupos de indivíduos substituam bancos e outras instituições como fonte de recursos financeiros”.

Representa, portanto, uma grande oportunidade para os novos talentos, agindo de encontro à ação burocrática e arranjada que o mercado tradicional exige para esses produtos. Nessa perspectiva, Silva (2012, p. 8) lembra que “o atual mecanismo de financiamento através das leis de incentivo é um processo lento, burocrático e cheio de incertezas”.

Em última instância, o poder de decisão troca de mãos, a ponto de os consumidores terem, finalmente, liberdade de escolherem o que deve ou não ser produzido (e para quem). Nessa nova configuração, os autores não enxergam mais as empresas como único caminho, há uma nova alternativa.

Justamente por isso, diversos websites que praticam o crowdfunding já concretizaram milhares de projetos ao redor do mundo. Internacionalmente, dois têm destaque especial. O holandês Sellaband, por ser o precursor dessa ação de marketing; e o norte-americano Kickstarter, que fez com que essa ferramenta se tornasse um fenômeno de sucesso, tomando proporções globais. Foi com o Kickstarter, em 2009, que o crowdfunding ganhou a forma que conhecemos hoje, na qual projetos de diversas áreas, e até voltados para o consumo, têm seu espaço.

O crowdfunding teve sua primeira manifestação no Brasil em 2009, com o site Vakinha, abrangendo tanto projetos culturais (música, teatro, dança etc.) quanto pessoais (formatura, casamento, viagens particulares etc.), desde que os interessados apresentem argumentos suficientemente convincentes a ponto de conquistar os apoiadores, estimulando-os a acreditarem nos seus sonhos. Existem também diversos outros sites respeitáveis nesse segmento, a exemplo do Queremos!, especialista em financiamento da vinda de shows estrangeiros para se apresentar no Brasil; e do Bicharia, considerado um sucesso para os que gostam e querem contribuir para melhorar a vida de animais carentes. O “juntos.com.vc”, por sua vez, representa uma organização sem fins lucrativos voltada para o financiamento de projetos de impacto social, que se utiliza do crowdfunding para viabilizar a concretização de projetos idealizados por ONGs e empreendedores sociais, com a ajuda de pessoas e empresas que se identificam com as mais diversas causas.

Atualmente existem cerca de 30 sites de consumo colaborativo no Brasil, mas o Catarse é, de longe, o mais expressivo. Criado em 2011, foi o primeiro site brasileiro a apresentar uma plataforma prioritariamente voltada para o financiamento de projetos culturais. Apesar de estar há apenas quatro anos no ar, o site já se consolidou como o mais importante propulsor do crowdfunding no Brasil. É praticamente impossível falar desse fenômeno em nosso país e não citá-lo.

Para se ter uma ideia, apenas no Catarse, até novembro de 2015, já haviam passado mais de 3 mil projetos, dos quais 2.090 alcançaram a meta. Segundo o site, desde a sua criação, mais de 249 mil pessoas contribuíram com mais de R$ 36 milhões para essas iniciativas.

Nas plataformas de crowdfunding, o consumidor tem direito a uma recompensa proporcional ao valor que foi investido. Essa recompensa funciona como um incentivo à colaboração. Todos os projetos têm um prazo limitado para arrecadação do valor estipulado, e aqueles que colaborarem com um que, por ventura, não atinja a meta estimada, receberá o dinheiro de seu apoio de volta. É a política do tudo ou nada. Entretanto, algumas plataformas como o Kickante também trabalham com campanhas flexíveis, em que há possibilidade de financiamento parcial.

O perfil dos apoiadores de crowdfunding

Bernardes e Lucian (2015) conduziram um estudo visando à identificação do perfil das pessoas que apoiam projetos no Brasil e em Portugal. O objetivo foi identificar que sentimentos estão ligados ao comportamento dos apoiadores de projetos culturais em plataformas de crowdfunding.

Após ouvirem a opinião de 200 apoiadores,identificou-se que aspectos como a co-criação de valor e o sentimento de pertença, que envolvem o consumo colaborativo, são estimulantes na satisfação deles. Por outro lado, para o comportamento de lealdade, acrescenta-se a esses, a questão da recompensa que envolve esses tipos de projetos. A confiança, o benefício psicológico (não monetário) e o co-desenvolvimento (customização) foram aspectos comportamentais estudados, entretanto não apresentaram relação com as respostas comportamentais estudadas.


Figura 1: Modelo de comportamento do apoiador de crowdfunding (Bernardes, 2014).


O sentimento de pertença

O papel dos doadores e colaboradores de um projeto de crowdfunding é demonstrado a partir de sua efetiva participação, inclusive como parte diretamente envolvida no projeto. Segundo Koury (2001), o termo pertença advém do mergulho no universo relacional do grupo, permitindo ao sujeito individual sentir-se pessoa que acredita e é acreditada.

O apoiador co-criador

A co-criação como fator inovador e agregador de valor acaba contribuindo para a satisfação do consumidor, a partir do seu envolvimento prévio com o produto, longe do espaço interno das organizações. Bartl et al., (2010)apresentam a co-criação como uma abordagem que determina que a criação de valor seja realizada além das fronteiras organizacionais, incentivando ainda a colaboração dos stakeholders no processo de desenvolvimento de novos produtos.

Recompensas

Carvalho (2012) mostra que um sistema de recompensa representa um pacote de benefícios materiais e imateriais disponibilizados aos colaboradores, no intuito de aumentar a motivação. No caso do consumo colaborativo, se feita uma analogia ao pensamento desse autor, os benefícios materiais são representados pela recompensa física de um produto ou serviço, enquanto que os imateriais podem ser representados pelas recompensas simbólicas de um agradecimento em local especial, como em uma página da internet.

Vantagens do crowdfunding

A dinâmica do crowdfunding possibilita uma interação social muito forte por meio de suas plataformas, onde é possível se deparar com uma verdadeira abundância de projetos criativos, mostrando que, por mais inusitado e diferenciado que seja o produto oferecido, sempre haverá público que nele acredite. Na web,percebe-se que mesmo os produtos ou projetos aparentemente “desinteressantes” para o público em geral têm chamado à atenção e produzido um nicho específico sedento por consumi-lo.

Pode-se dizer que o consumo colaborativo exerce um grande fascínio para os apoiadores e também realizadores de produtos, abrindo portas para novos rumos de empreendedorismo a partir da atuação da comunicação promovida pela web. Para aumentar o número de apoiadores, as plataformas devem enfatizar a co-criação e o sentimento de pertença em seus projetos, já que eles promovem a satisfação. Somado a esses, para obter ainda uma resposta de lealdade, deve-se investir em boas recompensas, fazendo com que esses apoiadores sintam o desejo de contribuir mais vezes.

É de relevância mencionar, por ter sido observado ao longo do estudo, que o crowdfunding aponta para o futuro do consumo, em que, mediante a convergência das mídias e de uma maior oxigenação do mercado, será exigida uma participação mais próxima e ativa do consumidor no processo de concretização de novos produtos.

Novos estudos

Atualmente, os autores deste artigo estão realizando um novo estudo sobre a temática, comparando o comportamento do consumidor de produtos do crowdfunding em três estados brasileiros, Piauí, Pernambuco e Minas Gerais, envolvendo a confiança e a qualidade como aspectos importantes de serem mensurados, além do sentimento de pertença e da co-criação já abordados, só que, desta vez, por meio de um experimento que dará origem a uma abordagem comparativa.


Rafael Lucian é doutor em gestão organizacional pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), professor e coordenador do Núcleo de Apoio à Pesquisa na Faculdade Boa Viagem FBV | DeVry (Recife-PE).

Bartos Bernardes é mestre em gestão empresarial pela Faculdade Boa Viagem FBV | DeVry (Recife-PE) e professor efetivo do Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Piauí (IFPI).


Referências bibliográficas

Bartl, M.; Jawecki, G.; Wiegandt, P. “Co-creation in new product development: conceptual framework and application in the automotive industry”. Conference Proceedings R&D Management Conference Information, Imagination and Intelligence, Manchester, 2010.

Bernardes, B. B.; Lucian, R. “Comportamento de consumidores brasileiros e portugueses em plataformas de crowdfunding”. In: Revista Brasileira e Portuguesa de Gestão. Lisboa – v. 14, n. 1, p. 26-36, Jan/Abr. de 2015. Disponível em: . Acesso em: 15 Out. 2015.

Bernardes, B. B. “Financiamento coletivo: uma análise do comportamento do consumidor luso-brasileiro em plataformas de crowdfunding”. Dissertação (Mestrado em gestão empresarial) – Faculdade Boa Viagem / DeVry Brasil, Recife, 2014.

Carvalho, G. R. de; et al. “Sistemas de recompensa e suas influências na motivação dos funcionários: estudo em uma cooperativa capixaba”. IX SEGET – Simpósio de excelência em gestão e tecnologia. 2012. Disponível em: < http://www.aedb.br/seget/artigos12/22716469.pdf>. Acesso em: 06 ago. 2014.

Howe, J. O poder das multidões: por que a força da coletividade está remodelando o futuro dos negócios. Tradução: Alessandra Mussi Araujo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.

Koury, M. G. P. Enraizamento, pertença e ação cultural. São Paulo: Cronus, 2001.

Silva, B. C. da. “Crowdfunding: uma alternativa para o financiamento de atividades culturais”. 2012. Trabalho de Conclusão de Curso – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2012.