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Reportagem
Alternativa para captação de recursos em projetos culturais exige esforço e planejamento
Por Erik Nardini
10/12/2015

A ideia de participar ativamente de um projeto ou ação que nos seja cara soa fascinante. Isso é o que permite o financiamento coletivo, também conhecido como crowdfunding, ferramenta que tem sido cada vez mais explorada para viabilizar projetos em diversas áreas, principalmente na cultura, no caso do Brasil. Sua mecânica de funcionamento é simples: estrutura-se o projeto a ser viabilizado; divulga-se a ideia e como o dinheiro arrecadado será consumido; estabelecem-se as eventuais recompensas aos apoiadores e, na conclusão da captação, os resultados são apresentados e o ciclo se encerra. O grande desafio, no entanto, parece ser encontrar pessoas dispostas a apoiar as iniciativas.

Ao contrário de países como os Estados Unidos, onde o empreendedorismo lidera a captação de recursos através do financiamento coletivo, no nosso país, é na seara cultural que se localizam os maiores casos de sucesso. Como são, normalmente, itens que geram resultados de alguma forma consumíveis, como cinema, música e livros, convencer não apenas amigos, mas inclusive desconhecidos, a doar dinheiro em troca de uma recompensa é muito mais fácil.

A pesquisa Retrato do Financiamento Coletivo no Brasil 2013/2014, conduzida pelo Catarse com 126 projetos bem-sucedidos mostra que, no período avaliado, as iniciativas captaram mais de R$ 2 milhões. Do total, 11% receberam aportes superiores a R$ 50 mil, respondendo sozinhos por cerca de R$ 650 mil. Segundo o estudo do Catarse, 52% dos entrevistados têm interesse em apoiar projetos culturais, seguidos por 41% de interessados em propostas sociais ou ambientais, e 24% dispostos a contribuir com novas empresas, produtos ou serviços.

Planejamento é crucial

Para todos os casos, no entanto, um bom planejamento é denominador comum para que as coisas funcionem. “É preciso pensar bem no projeto antes de colocar o trabalho no ar e pesquisar muito sobre as ferramentas de financiamento”, pontua Caio Costa, assessor de comunicação do Catarse. “Acreditar que basta criar uma campanha e as coisas acontecerão automaticamente é um erro”, avalia.

Foi um bom planejamento que levou a cantora Ana Salvagni a realizar o sonho de lançar o disco Canção do amor distante, em parceria com Eduardo Lobo, violonista e doutorando em música pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Hospedado na plataforma Benfeitoria e com arrecadação que superou os R$ 34 mil – cerca de 25% a mais do que a meta inicial –, o processo teve momentos de tensão. “Eu não sabia se o projeto chegaria aos ouvidos de pessoas que eu já conhecia e muito menos quem de fato apoiaria”, explica a cantora, que já acumula três álbuns em sua carreira e, pela primeira vez, se utiliza do crowfdfunding. “Passei por inúmeros momentos de dúvida e receio de não conseguir (captar os recursos)”, conta.

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Para o lançamento de seu quarto disco, Ana Salvagni utilizou o crowdfunding (Foto: divulgação)

Disposta a arrecadar o valor total para financiar o disco, Salvagni não poupou esforços. Investiu o equivalente a 15% de tudo o que foi captado em ações de assessoria de imprensa, cartazes, fotos e um vídeo promocional para a campanha. Ao mesmo tempo, se dedicou a manter contato diário com sua base de fãs, outra estratégia de sucesso. “Investi diariamente (algumas horas por dia) na comunicação com o público através dos contatos de e-mail, mensagens pessoais nas redes sociais, além de publicações frequentes, também em rede social”, revela. Costa, do Catarse, também acredita que o engajamento rende bons frutos. “A capacidade em criar uma narrativa que provoque empatia é determinante”, pondera.

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Projeto de Ana Salvagni e Eduardo Lobo recebeu apoio de 194 pessoas. Fonte: Benfeitoria.

Um projeto que está atualmente em processo de captação é a Biblioteca da Kaciane Caroline Marques, garota de apenas 10 anos que criou, nos fundos de sua casa, em São José do Rio Preto (SP), um espaço para empréstimo gratuito de livros. O acervo atual da biblioteca conta com quatro mil títulos, e o projeto, hospedado no Kickante, tem como meta arrecadar cerca de R$ 23 mil.

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Kaciane em sua biblioteca, cujo acervo contabiliza 4 mil títulos (Foto: divulgação)

Na segunda quinzena de novembro, o projeto de Kaciane havia conseguido arrecadar 17% da meta, aproximadamente R$ 4.200,00. “Mesmo sem a perspectiva de alcançarmos o valor ideal, não desanimamos, porque estamos empenhados em uma causa, acreditamos que contribuir para mais pessoas usufruírem da biblioteca de Kaciane é um ganho para todos”, explica Beatriz Azevedo de Castro, diretora do Espaço Conhecimento, empresa da área de desenvolvimento de projetos que doou e formatou a iniciativa de Kaciane.

Ainda que pontual, o crowdfunding de Kaciane sofreu um duro golpe logo no início da etapa de captação. “Alguns contribuintes reclamaram que o site (do Kickante) não funcionou por diversas vezes, o que os desmotivou a doar”, reclama Castro. “Ao mesmo tempo, ficamos constrangidos em insistir com essas pessoas”, desabafa. O impacto dessa falha, porém, só poderá ser mensurado no final da captação, dia 12 de dezembro.

Interesse nem sempre se converte em doação

Por que projetos importantes não conseguem arrecadar o suficiente no prazo estabelecido? A resposta pode estar no valor da meta e, possivelmente, nas recompensas que podem eventualmente soar pouco atrativas aos apoiadores. Conforme o Catarse, dentre as principais razões pelas quais determinados projetos não decolam estão campanhas de divulgação insuficientes (22%) e valor pedido muito alto (9%).

É preciso mostrar aos apoiadores por que você precisa do dinheiro e o que será feito com ele. Em crowdfunding, transparência é fundamental”, destaca Costa, do Catarse. Ser franco e claro abre portas para o sucesso, concorda Ana Salvagni. “O carisma é muito bem-vindo. Tudo (no projeto) deve ser colocado com objetividade e, ao mesmo tempo, com leveza e arte, para não ser duro demais e se aproximar melhor das pessoas”, ela acrescenta.

Para Castro, à frente do projeto da Biblioteca da Kaciane, outras variáveis podem estar relacionadas à dificuldade na captação. “Não conseguimos avaliar se o momento não é propício, devido ao fechamento de diversos financiamentos públicos, ou se esse é o comportamento da maioria das pessoas que gostam de ‘curtir e compartilhar’, mas não se envolvem a fundo com a questão, participando efetivamente”.

Apesar de problemas reportados, um cenário favorável continua a ser desenhado diariamente, à medida que as plataformas de financiamento coletivo se profissionalizam, elaboram levantamentos regulares e alimentam blogs com conteúdo informativo para o exercício de um crowdfunding mais eficaz e sustentável.

Enquanto isso, cabe aos interessados em captar recursos dedicação à elaboração de projetos transparentes e interessantes, como o cd Canção do amor distante, de Ana Salvagni e Eduardo Lobo. “A parte de preparar as metas, as recompensas, os textos, mensagens e postagens, o vídeo em si, tudo isso não foi fácil”, desabafa a cantora. “Por outro lado, foi uma alegria muito grande, para mim, particularmente, dialogar com esse público e saber que há algo que, de alguma forma, nos une e nos fortalece”, conclui.