REVISTA ELETRÔNICA DE JORNALISMO CIENTÍFICO
Reportagem
Novas tecnologias assistivas oferecem mais autonomia a pessoas com deficiência
Por Erik Nardini
10/02/2016
Tecnologia assistiva é um termo, ainda novo, utilizado para identificar todo o arsenal de recursos e serviços que contribuem para proporcionar ou ampliar habilidades funcionais de pessoas com deficiência e, consequentemente, promover vida independente e inclusão”. Foi dessa forma, ao mesmo tempo clara e sucinta, que Bersch e Tonolli descreveram, em 2006, a essência do que conhecemos por tecnologia assistiva. Objetivamente, ela permite que as pessoas com deficiência abandonem um terreno segregado e tornem-se capazes de executar novamente, ou pela primeira vez, tarefas antes impossíveis.

A “Cartilha do Censo 2010 – Pessoas com Deficiência”, mais recente levantamento sobre o tema produzido no país, oferece um panorama sobre as pessoas com deficiências de visão, audição, mobilidade, mentais e intelectuais. O documento, publicado em 2012 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revela que 23,9% da população (45.606.048 pessoas) apresenta algum tipo de deficiência entre as cinco categorias mencionadas, sendo que 7% sofrem de alguma disfunção motora.

Os números do IBGE são reveladores, mas o recorte é insuficiente para avaliarmos a quantidade de indivíduos cuja deficiência motora impede também atividades essenciais, como a comunicação ou a possibilidade de mínima locomoção. Nos Estados Unidos, a estimativa é de que um milhão de pessoas apresentem algum grau de afasia, distúrbio de linguagem que se manifesta na forma das dificuldades de fala decorrentes de diversos fatores, entre eles o acidente vascular cerebral (AVC). Isso explica, em parte, por que a disponibilidade de aplicativos e dispositivos voltados a afásicos é tão expressiva.

Os atores envolvidos em trabalhos relacionados às tecnologias assistivas não são poucos. Além da iniciativa privada, a própria Organização Mundial de Saúde (OMS) reconhece que são necessários “mais de um bilhão de produtos assistivos hoje” e que o número subirá para “mais de dois bilhões em 2050”. Em importante iniciativa, inspirada na bem-sucedida “Lista de Medicamentos Essenciais”, a entidade agora desenvolve a “Lista Modelo de Produtos Assistivos Prioritários”, que está aberta a respostas públicas no intuito de compor uma relação com 50 produtos essenciais para pessoas com algum tipo de deficiência.

Na numerosa relação da OMS encontram-se recursos como cadeiras de rodas elétricas, software de comunicação presencial, aplicativos de comunicação aumentativa e alternativa – que envolvem interação através de símbolos (gestos, sinais, imagens), recursos (pranchas, softwares), técnicas (apontar, acompanhar, segurar) e estratégias (uso de histórias, brincadeiras, imitações) no incentivo à comunicação – e até mesmo mouse de cabeça, recurso que combina software e hardware (normalmente, uma webcam) para reconhecer movimentos da cabeça e transmitir os sinais para o mouse, tecnologias fundamentais para pessoas com dificuldades de comunicação e locomoção.

Alto custo cria universo de “acessibilidade inacessível”
Enquanto os dispositivos considerados essenciais não fazem parte do rol de tecnologias disponíveis por meio de políticas públicas, pessoas com deficiência procuram alternativas para continuarem exercendo funções básicas. Existem diversos aparelhos e aplicativos destinados a pacientes com dificuldades de fala, inclusive dispositivos que fazem a leitura dos olhos, para pessoas cujos movimentos foram severamente comprometidos.

A relação de empresas empenhadas no desenvolvimento de soluções para portadores de deficiência é numerosa. Dentre as mais tradicionais fabricantes de hardware e software, destacam-se a LC Technologies, conhecida pelo tablet Eyegaze Edge, e a Tobii Dynavox, desenvolvedora dos tablets série T. Concorrentes, os dois dispositivos agregam tecnologias de comunicação aumentativa, assistiva e mouse de cabeça. Essas soluções custam, respectivamente, US$ 10.585 e US$ 6.999 (o modelo mais simples). Os produtos não são oficialmente oferecidos no Brasil. Os interessados precisam fazer a importação direta com o fabricante e arcar com os impostos e taxas sobre produtos importados. Ascender à categoria dos que podem pagar por essas tecnologias, evidentemente, é uma realidade muito distante para grande parcela dos que precisam. O cenário é paradoxal: um universo de “acessibilidade inacessível”.

“O Brasil carece de pesquisa direcionada (para esse fim) em institutos, faculdades, universidades. Os estudos sobre tecnologias assistivas ainda são poucos no país”, opina Luiz Alexandre Souza Ventura, repórter do jornal O Estado de S. Paulo e autor do blog Vencer Limites – especializado na cobertura de assuntos relacionados a pessoas com deficiência. Para ele, falta estímulo por parte de professores universitários, que não despertam nos alunos interesse para essa área na tecnologia. “Também há pouca inclusão de estudantes com deficiência nas instituições, algo que (se fosse diferente), certamente abriria o leque de interesse. O acesso é limitado e, dessa forma, as tecnologias assistivas não surgem na primeira linha de dedicação”, avalia.

Há pesquisas em desenvolvimento, mas resultados exigem paciência
Apesar do que diz Ventura, por mais que o desenvolvimento pareça caminhar a passos curtos, há uma ativa comunidade de pesquisadores trabalhando intensamente no desenvolvimento de máquinas que podem vir a mudar radicalmente a autonomia de pessoas com deficiência. No entanto, a chegada desses equipamentos ao mercado é uma incógnita. Ciência, afinal, é também um exercício de paciência.

Um dos mais importantes projetos assistivos em andamento no Brasil está na Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Um time de pesquisadores, agora vinculado ao Brazilian Institute of Neuroscience and Neurotechnology, trabalha no protótipo de uma cadeira de rodas robótica que pode ser controlada por movimentos de cabeça e face. “Nós fazemos pesquisas em diversas frentes, tais como em tecnologias que respondem a expressões faciais, outras a partir de estímulos visuais (eyetracking), acionadas por voz e, finalmente, tecnologias baseadas em Brain-Computer Interface (BCI), que é a possibilidade de converter pulsos cerebrais em comandos reconhecíveis por computador”, esclarece o professor Eleri Cardozo, membro da equipe.

O pesquisador revela que não há nenhuma previsão para que o protótipo chegue ao mercado, mas as ambições dos envolvidos geram enorme expectativa. “Os testes em laboratório são essenciais para que possamos produzir um equipamento confortável, um equipamento para ser utilizado o tempo todo de forma natural”, explica Cardozo. “Nossa expectativa não é lançar uma cadeira de rodas completa, mas colocar o que há de melhor de toda essa tecnologia em um módulo que possa ser instalado em uma cadeira de rodas comum, algo que a pessoa já tenha”, prossegue.

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Protótipo dotado de conexão sem fio e a cabo, disjuntores, sensores, baterias e câmeras. Foto: Erik Nardini

Dentre as dificuldades de se produzir uma cadeira como essa, uma das principais, segundo Cardozo, é que cada pessoa tem dificuldades distintas. “As peculiaridades de cada paciente nos desafiam no desenvolvimento do produto”. A ideia do módulo permite reduzir substancialmente o custo do equipamento no processo de fabricação, o que se converte em economia para o consumidor final.

Cardozo espera que o módulo, quando lançado, seja mais acessível do que outras cadeiras disponíveis no mercado. Acostumado a receber contatos de pessoas de todas as partes do país querendo comprar a tecnologia, ele é enfático ao repetir que não há qualquer previsão de quando o produto será lançado. Futuramente, no âmbito das políticas públicas de saúde, estratégias podem vir a ser articuladas para subsidiar parte do custo ou mesmo o total do produto, mas isso é algo que só poderá ser discutido com profundidade quando a tecnologia estiver, de fato, disponível.

O primeiro smartphone touch free do planeta
“Eu não posso mexer minhas mãos (e pernas), mas quero usar um smartphone”. A partir dessa declaração, Giora Livne, ex-veterano das forças navais de Israel, que ficou tetraplégico há nove anos, fundou a Sesame Enable. Em parceria com o programador Oded Bendov, surgiu o Sesame Phone, primeiro smartphone que dispensa as mãos para ser operado. Por meio de um software que funciona no sistema operacional Android, do Google, o usuário consegue executar todas as tarefas apenas com o movimento dos olhos. O aparelho já está à venda e pode ser adquirido por U$ 800.

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Sesame dispensa as mãos e pode ser operado com movimentos dos olhos. Foto: divulgação.

“O Sesame Phone começou a ser desenvolvido há aproximadamente quatro anos”, conta Livne, responsável pela área da empresa que responde pela experiência do usuário com o produto. “Lançamos recentemente a nova versão do software e contamos com mais de 100 usuários em todo o mundo, que nos enviam feedbacks com as principais demandas”, explica.

O projeto, que tomou forma a partir de uma campanha de financiamento coletivo no site Indiegogo, arrecadou mais de U$ 30 mil. Após o sucesso da campanha, a empresa recebeu um prêmio de U$ 1 milhão da Verizon, gigante das telecomunicações. “Atualmente, recebemos recursos de diversas fontes, entre elas o próprio governo de Israel”, esclarece o cofundador, que faz questão de lembrar que a experiência com o Sesame Phone mudou sua vida.

Polarizadas, as pesquisas em diferentes tecnologias são essenciais para que produtos cada vez mais eficazes possam se tornar realidade. A cooperação das mais diversas áreas – computação, robótica, inteligência artificial – apontam para uma ciência mais humana e empenhada em oferecer bem-estar e esperança às pessoas cujas vidas tomaram rumos inesperados. No entanto, é preciso ter paciência com o tempo da ciência. A suposta demora é decorrência de constantes buscas com objetivo de reduzir custos e, acima de tudo, adequar as novas tecnologias a necessidades tão singulares. Só assim a acessibilidade será acessível a quem realmente precisa.