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Impactos econômicos, socioambientais e as mazelas da mineração
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Reportagem
Impactos econômicos, socioambientais e as mazelas da mineração
Por Erik Nardini
10/03/2016
No dia 5 de novembro de 2015, os termômetros marcavam 29°C na cidade de Mariana (MG), um pouco acima da média para uma primavera, mas ainda agradável. Calmo, o município com cerca de 58 mil habitantes � reduto histórico: foi fundado em julho de 1696. At� aquela quinta-feira de novembro, seus moradores nunca tinham enfrentado grandes sustos. At� que às 16h29 do fatídico dia, a cidade foi tomada de assalto pelo rompimento da barragem de Fundão, no distrito de Bento Rodrigues. Era o início do maior desastre ambiental do Brasil.

� em Mariana que est� instalada a Samarco, empresa controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton. A Samarco � uma entre as mais de 8 mil empresas que operam atividades de mineração no Brasil, conforme o Sumário Mineral 2014, publicado pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Os números da mineração no Brasil são colossais. Juntas, as companhias listadas respondem por mais de 200 mil empregos diretos, de acordo com dados de um relatório do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).

Em 2014, as exportações do setor mineral brasileiro ultrapassaram os US$ 34 bilhões, com o ferro ocupando o topo da lista, respondendo por 75% dos insumos, seguido por ouro (7%) e ferronióbio (5%). “O Brasil � um player global importante do setor, tanto que sua produção mineral � uma das maiores do mundo�, sustenta um trecho do relatório do Ibram. “Cidades e estados são tão dependentes desse tipo de empreendimento que seu fechamento traria a imediata falência de muitas prefeituras�, observa o geólogo Fábio Augusto Gomes Vieira Reis, professor do Departamento de Geologia Aplicada da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Perdas ainda estão sendo contabilizadas

Ao menos 17 mortes foram confirmadas em razão do desastre, o rio Doce foi destruído e nascentes foram contaminadas. Além disso, muito do que se perdeu com a lama tóxica que dominou Mariana e outros municípios ainda segue imensurável. “Eu e a equipe do Grupo Independente de Avaliação do Impacto Ambiental fomos para a região em novembro. Começamos coletando amostras por Mariana e fomos descendo o rio Doce at� Regência, onde ele deságua no mar. Na região de cabeceira, próximo a Mariana, vimos os piores estragos. Foi onde a lama cobriu povoados e onde se registraram as fatalidades�, conta Andr� Cordeiro Alves dos Santos, professor do Departamento de Biologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

O cenário em Bento Rodrigues e um pouco mais abaixo, em Paracatu de Baixo, � de completa destruição. Nas margens do rio e em alguns de seus efluentes, a lama cobriu completamente. Não encontramos nas amostras nenhum organismo, seja invertebrado ou vertebrado, no leito do rio, nem microrganismos nas águas. At� abril, a lama depositada na margem tende a continuar descendo por conta das chuvas. O impacto (ainda) est� acontecendo. Espécies de animais e vegetais que s� existiam ali, por exemplo, acabaram. Cadeias alimentares foram completamente destruídas�, continua Santos, da UFSCar.

Contabilizar as perdas do ecossistema, do que deixou de existir, � tarefa muito subjetiva e complexa�, acrescenta Ademar Ribeiro Romeiro, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “As áreas de pesca e turismo também sofreram impactos severos�, explica. Ele também alerta que os custos com o tratamento da água e aquisição de água potável são repassados � população, o que fragiliza ainda mais a j� grave situação dos afetados.

Apesar da tragédia, na opinião de Reis, da Unesp, “não se deve ter preconceito por esse tipo de empreendimento de grande importância, inclusive estratégica, para o país. Segundo o pesquisador, faltam, sim, investimentos em projetos mais modernos e, especialmente, em projetos de pesquisa e desenvolvimento por partes de empresas privadas e governos, para que novas soluções tecnológicas sejam encontradas. “É preciso melhorar o aproveitamento econômico de rejeitos e a busca por tecnologias economicamente viáveis para o tratamento e disposição desses resíduos. O Brasil investe muito pouco em pesquisa, desenvolvimento e inovação tecnológica�, reclama.

Foi acidente?

A ideia de acidente, como algo “casual, fortuito e imprevisto�, defendida pela Samarco para se referir � tragédia, tem sido descartada, e dois importantes fatores contribuem para derrubar essa afirmação. O primeiro data de 2013, quando o Ministério Público Federal emitiu um parecer alertando para os riscos da barragem de Fundão. Elaborado pelo promotor de Justiça do Meio Ambiente, Carlos Eduardo Ferreira Pinto, o documento atesta que “o contato entre a pilha de rejeitos e a barragem não � recomendado por causa do risco de desestabilização do maciço da pilha e da potencialização de processos erosivos�.

O segundo fator � relativo aos tremores de terra. No dia do desastre, foram registrados dois abalos no município de Mariana � de magnitude 2.0 e 2.6. Mas, segundo relatório do Centro de Sismologia da Universidade de São Paulo, as movimentações foram pequenas e, consequentemente, insuficientes para culminar em desastre.

Desastre, acidente, tragédia. Independente do termo utilizado para se referir ao que ocorreu em Mariana, atitudes devem ser adotadas. Para o engenheiro Daniel Prenda de Oliveira Aguiar, autor da pesquisa “Contribuição ao estudo do Índice de Segurança de Barragens � ISB�, “as principais ações, em curto prazo, devem focar no reforço do quadro de fiscalização, bem como educação e comunicação ao público em geral, tanto para as comunidades afetadas, quanto para aqueles que empreendem atividades de mineração�, explica.

Na visão de Maíra Sert� Mansur, secretária operativa da Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale, organização que representa aproximadamente 150 mil pessoas em todo o mundo vítimas de impactos da mineração, o que aconteceu em Minas Gerais não foi um caso isolado e sim mais um desastre do setor. �Ao longo dos anos, temos denunciado muitas tragédias provocadas pela mineração, em específico da empresa Vale S.A., sobre a vida de comunidades tradicionais, quilombolas, indígenas, camponesas e de populações urbanas empobrecidas em diferentes partes do Brasil e do mundo�, esclarece. Segundo ela, as semelhanças entre narrativas sobre os impactos são o “testemunho da insustentabilidade de todo o setor da mineração�.

Ação de marketing repercute mal

Na tentativa de melhorar sua imagem, a Samarco tem investido em publicidade. Além dos links patrocinados espalhados pelas plataformas do Google e do Facebook, a companhia lançou, em 15 de fevereiro, durante horário nobre, um comercial intitulado �� sempre bom olhar para todos os lados�. Ao invés de atores famosos, colocou no ar o rosto de seus colaboradores em uma espécie de pedido de desculpas. Quatro dias depois, a Articulação Atingidos pela Vale publicou um vídeo intitulado “É sempre bom olhar para o nosso próprio lado�, ironizando a campanha da companhia.

“Todo dizer � um território de incompletudes e, na relação entre o que se diz e o que se silencia, materializam-se sentidos. A campanha da Samarco exemplifica essa lógica�, analisa Fabiano Ormaneze, professor de semiótica da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). O especialista recorda que a empresa se negou a pagar indenizações e, agora, tenta minimizar os impactos.

“Essa tentativa (de fugir das responsabilidades) aparece na forma de um vídeo em que funcionários dizem frases de efeito como ‘a gente amanheceu com essa missão de acolher as pessoas� e ‘a gente abriu os braços�. Para (tentar) melhorar sua credibilidade, a empresa precisa silenciar outros discursos que circulam sobre ela e, para isso, usa construções que têm respaldo social�, avalia.

Qualidade da água ainda causa confusão

São 63 milhões de metros cúbicos de lama distribuídos por cerca de mais de 1000 km²”, dimensiona Santos, professor da UFSCar, a respeito do rejeito que se espalhou por todo o curso do rio Doce. Entre os municípios atingidos est� Baixo Guandu, no Espírito Santo. Dias após o rompimento da barragem, o prefeito da cidade, Neto Barros, ironizou: “Encontramos praticamente a tabela periódica inteira na água�, referindo-se aos resultados das amostras de água coletadas na região.

Felizmente, a declaração de Barros foi exagerada, j� que a Agência Nacional de Águas (ANA) informou não ter encontrado diferença na água aferida em 2010 e naquela analisada após o rompimento. Mas amostras coletadas em diversos pontos do rio e analisadas por instituições de pesquisa independentes apresentaram concentrações de metais tóxicos acima do que � caracterizado como seguro pela legislação, como o arsênio e mercúrio em vários pontos do rio.

Dizer que um rio não tem contaminação a partir de umas poucas amostras retiradas de alguns poucos pontos � tão temerário como dizer que h�. Sabemos que, como a mineração na região � antiga, sua bacia e seus corpos de água j� têm concentrações de metais tóxicos maiores do que se comparadas a bacias não impactadas�, afirma Santos. Segundo ele, o resíduo que vazou da barragem tem altas concentrações de ferro (por se tratar de uma mineração de ferro) e alumínio (por ser um dos principais componentes do solo). “Além disso, como qualquer resíduo de mineração, também tem altas concentrações de outros metais quando comparada a solos de lugares sem mineração, pois são subprodutos extraídos da rocha no processo�, completa.

Santos lembra que a presença de metais tóxicos não significa que a água est� automaticamente imprópria para consumo. “Quer dizer que o risco da população que vai consumir essa água � maior se comparado a uma população que recebe água de bacias não impactadas�, sintetiza o pesquisador da UFSCar.

Transtornos serão sentidos por muitos anos

Além dos impactos econômicos diretos que ocorreram e ocorrerão em menor ou maior grau na pesca, na captação de água para consumo humano e para pecuária, existem os impactos indiretos em retirar das populações ribeirinhas sua condição de subsistência e seu contato com o rio, o que causa profundas alterações sociais e culturais. “O impacto na vida das pessoas daquela região � imenso e difícil de mensurar em curto prazo. Talvez s� tenhamos uma ideia clara depois de alguns anos, analisa Santos.

A bacia do rio Doce j� vinha sofrendo com uma série de impactos ambientais ocasionados pelo lançamento de esgotos doméstico e industrial, desmatamento da vegetação nativa, processos erosivos, dentre outros impactos que praticamente todas as bacias hidrográficas têm sofrido.

De acordo com Santur, da Articulação Atingidos pela Vale, após o desastre, se observou uma maior abertura para pautar o tema da mineração como um debate nacional e não apenas como um caso isolado na região de Minas Gerais e Espírito Santo. “Acreditamos que o caso do rompimento da barragem do Fundão � exemplar para se discutir os impactos da mineração em grande escala nos territórios, na natureza, na economia e na sociedade�, comenta.

Reis, da Unesp, avalia que passou da hora de a sociedade notar que os impactos ao ambiente voltam como um bumerangue. “Devemos entender que � mais barato, a longo prazo, atuar de forma responsável com o ambiente. Muitas vezes, os benefícios, no curto prazo, não compensam os prejuízos no longo. Somente conseguiremos buscar soluções realmente adequadas com investimento pesado em inovação científica e tecnológica, questão ainda incipiente no país�, conclui.