REVISTA ELETRÔNICA DE JORNALISMO CIENTÍFICO
Reportagem
Novos modelos de negócio em jornalismo
Por Fabiana Alves de Lima Ribeiro e Bibiana Rodrigues Guaraldi
10/04/2016

A abertura da internet para os provedores de acesso comercial, no início da década de 1990, gerou novos meios de difusão da informação que revolucionaram o mercado de notícias. Essas transformações tiveram impacto no mercado de trabalho do jornalista e sua consequente reformulação, motivada inicialmente pela crise financeira das agências de notícias no período pós-internet e, depois, pela própria mudança na linguagem jornalística e sua interface com o público.

O modelo de negócios do jornalismo na era pré-internet se baseava na veiculação de informações capazes de gerar receita financeira por meio da venda de espaço para publicidade, complementada por assinaturas e vendas avulsas, no caso de jornais e revistas. Esse modelo se consolidou como a principal estratégia da maioria das empresas anunciantes para alcançar o público consumidor.

A migração para as plataformas digitais permitiu o acesso direto dos anunciantes ao público, tornando a estratégia publicitária mais independente. Isso ocasionou a gradativa redução na audiência e receita dos setores tradicionais do jornalismo, impulsionando o surgimento de novas formas de captação de recursos financeiros e novos modelos de negócios, tais como o jornalismo empreendedor, as agências sem fins lucrativos e os websites independentes.

Posteriormente, o desenvolvimento de novas tecnologias móveis com acesso à internet e o seu interfaceamento com as grandes plataformas digitais (Facebook, Twitter, Instagram e Google) facilitou o registro e compartilhamento de voz e imagens, permitindo, assim, a divulgação da notícia em tempo real, muitas vezes com a participação do próprio público.

O surgimento do cyberjornalismo

Da ocupação da internet pelo jornalismo surgiu o cyberjornalismo (jornalismo online, webjornalismo ou jornalismo digital), que se estruturou inicialmente a partir do uso das plataformas digitais como um veículo extra para os textos originalmente disponibilizados nas edições em papel, adotando, muitas vezes, a mesma diagramação de texto e utilização de espaço publicitário. Naquele momento, o acesso à internet pela população ainda era pequeno e as mídias sociais ainda não existiam; a interação com o público ainda era tímida, em geral com o e-mail substituindo as cartas em papel e, posteriormente, pelo uso de enquetes para estimar a opinião do público a respeito de assuntos de destaque. Ou seja, o padrão de noticiar e a comunicação entre o jornal e o público continuavam iguais, mudando apenas a plataforma.

Num segundo momento, começam a surgir os conteúdos produzidos exclusivamente para mídias digitais e, com o espaço ilimitado, surgem novas possibilidades de diagramação, tais como a utilização de recursos gráficos interativos e o uso de links, que facilita referenciar a notícia e disponibilizar as fontes citadas. Inicia-se, nesse momento, o uso de sugestões de leituras e listas das últimas notícias, tornando a apresentação do conteúdo mais dinâmica e atualizável em tempo real.

O terceiro momento encontra-se em curso, quando a veiculação da notícia migrou quase totalmente para o ambiente digital. Surgem as grandes plataformas de mídias sociais (Facebook, Twitter), que passaram a promover a circulação de notícias das diversas agências, websites, blogs e portais, e levaram a interação com o público a um outro patamar, por meio da possibilidade de criação de fóruns, grupos de discussão e, até mesmo, matérias colaborativas. Nesse contexto o público também passa a contribuir como produtor de conteúdo, surgindo um caso particular de concorrência com o jornalista profissional. Mas a questão de maior impacto é o fato das novas plataformas passarem a concentrar a audiência e receita publicitária, sem necessariamente repassá-las às agências produtoras de conteúdo, tornando o antigo modelo de negócios obsoleto e levando o mercado a buscar outras estratégias para captação de recursos.

Surge também, nesse momento, a necessidade técnica de permitir a disponibilização do conteúdo nos diferentes dispositivos (computadores, tablets e smartphones), levando à convergência de mídias, tais como vídeos, imagens e áudio.

Os números da transformação – panorama mundial

Um indicador das transformações sofridas pelo mercado de notícias após o surgimento da internet é a origem das receitas dos jornais impressos. Um levantamento realizado pela agência World Association of Newspapers and News Publishers (WAN-IFRA), durante o ano de 2014, revelou que pela primeira vez a receita decorrente das vendas dos jornais impressos havia superado a receita proveniente de publicidade.


Origem da receita

Jornais impressos

Jornais digitais

Circulação

↑ 0,4% (U$ 89,9 bilhões)

↑45,3%

Publicidade

↓5,2% (U$ 77,0 bilhões)

↑8,3%

Fonte: WAN-IFRA (dados de 2014)

Essas plataformas, entretanto, ainda constituem uma parcela pequena da arrecadação, embora em constante crescimento, como mostra a arrecadação total dos últimos anos.


 

2010

2012

2014

Jornais digitais

US$ 165 milhões

US$ 1 bilhão

US$ 2,5 bilhão

Arrecadação total gerada pela circulação digital de jornais. Fonte: WAN-IFRA

Audiência e receita nos setores tradicionais nos Estados Unidos

O instituto de pesquisas Pew Research Center realiza anualmente um levantamento sobre a indústria de notícias nos Estados Unidos, com o intuito de mapear a dinâmica e a diversificação do setor ao longo do tempo. O resultado do relatório publicado em 2015 revelou que os dispositivos móveis são o meio mais utilizado para acesso aos sites de notícias, com maior número de acesso do que os desktops. No entanto, as pessoas tendem a passar mais tempo neste último. Foi identificada também a ascensão das redes sociais, em especial do Facebook, como meio de acesso às notícias sobre política e governo, ficando atrás somente dos noticiários das TVs locais. A pesquisa revelou ainda que apesar da transformação nos hábitos de acesso às notícias, os veículos tradicionais não foram totalmente abandonados. De forma geral, a circulação e receita dos jornais tiveram ambas reduções de 3%, enquanto as TVs locais tiveram um ligeiro aumento de 3% e 7%, respectivamente, nesses indicadores. Com poucas exceções, as TVs abertas tiveram bons números tanto para audiência (aumento de 5%) quanto para receita (% não informado), e as TVs a cabo sofreram queda de 8% na audiência, mas apresentaram aumento na receita (% não informado). O estudo mostra ainda um crescimento de 18% na arrecadação de anúncios digitais, considerando todos os tipos de mídia.

Audiência e receita nos setores tradicionais no Brasil

Até o momento, ainda não existem levantamentos sistematizados mais detalhados do panorama nacional mas, no final de 2015, a Associação Nacional de Jornalismo (ANJ) concebeu, em parceria com o Instituto Verificador de Comunicação (IVC) e as empresas ComScore e Ipsos, o projeto da Métrica Única, que pretende mapear os números da audiência no país.

O IVC, principal referência no país em auditoria multiplataforma de mídia, disponibiliza em seu site dados sobre audiência dos veículos nacionais, sendo que o mais recente foi feito para o ano de 2014. Após auditoria em mais de 70 websites no ano de 2014, o IVC identificou o crescimento da audiência nesse setor, cujo acesso via dispositivos móveis representou um terço do total, tendo dobrado no período no caso dos smartphones. O desempenho no setor de jornais impressos se manteve estável no período, com crescimento nas assinaturas e edições digitais e queda nas vendas avulsas. O setor de revistas apresentou recuperação a partir do segundo semestre, com aumento da circulação impulsionada pelo crescimento das edições digitais, tendo reflexo nas vendas avulsas e assinaturas. O acesso predominante se dá via dispositivos móveis, confirmando a tendência geral observada para outros segmentos.

Novos modelos de negócios: mídias exclusivamente digitais e modelos de financiamento

A reformulação trazida pelo crescimento do setor digital impactou os dois lados da relação trabalhista entre veículos de notícias e jornalistas. Enquanto os primeiros tiveram que se readaptar e procurar novas formas de captação de recursos financeiros, os jornalistas sofreram diretamente com a precarização das condições de trabalho. Desta reformulação surgiram novas formas de atuação e modelos de negócios inovadores, baseados em sistemas alternativos de obtenção de financiamento para atender às demandas particulares de cada caso, sendo as principais descritas a seguir:


Crowdfunding: é um sistema de financiamento coletivo baseado em doações e recompensas. Alguns exemplos de destaque de veículos estruturados dentro desse modelo são a Voz das Comunidades, que iniciou suas atividades como utilidade pública e posteriormente passou a receber apoio de empresas famosas e de fundações; e o portal Cientista que Virou Mãe, a primeira plataforma brasileira de informação produzida exclusivamente por mulheres e mães, cujo modelo de negócios se baseia no financiamento coletivo dos textos.


Filantrópica: sistema baseado somente em doações de fundações internacionais e usuários simpatizantes. Exemplos desse modelo são a Amazônia Real, e A Pública, um canal de jornalismo investigativo, que contam com apoio financeiro da Fundação Ford.


Assinatura/paywall: esse modelo é baseado na venda de assinaturas ou consumo, e alguns exemplos são Brio, um canal de jornalismo independente; Jota, com conteúdo sobre informação jurídica; e Conexão Pais e Filhos, um canal sobre criação com apego.


Branded content: trata-se da produção de conteúdo jornalístico patrocinado. Esse é o modelo mais polêmico, pois muitas vezes o divulgador não informa que o conteúdo é patrocinado, gerando conflitos éticos. Veículos tradicionais como Estadão e a Folha apostaram nessa estratégia para viabilizar a criação de cadernos com temáticas especiais, mas adotam a postura de esclarecer que o conteúdo é patrocinado.


Editais: esse modelo se apoia na captação de recursos junto às agências de fomento privadas ou governamentais para realização de projetos de apoio à cultura digital, em geral idealizados por criadores independentes, grupos ou instituições. O canal A Pública é um exemplo que conta com esse tipo de financiamento.


Modelos mistos: muitas agências se utilizam ainda de sistemas mistos, como forma de diversificar as fontes de recursos financeiros. É o caso, por exemplo, do portal Aos Fatos, que se ampara em três fontes de receita prioritárias: crowdfunding, parcerias editorias e doações de fundações e empresas.

Esse novo cenário abriu espaço para um jornalismo mais independente e ativista, e cuja conquista do leitor exige uma postura essencialmente transparente. Tai Nalon, diretora executiva e cofundadora do portal Aos Fatos, afirma que há uma espécie de consenso em alguns setores da sociedade de que as linhas editoriais dos veículos tradicionais estão contaminadas, e parte do princípio de que é necessário preencher uma lacuna, fazendo um jornalismo mais preocupado em como tornar públicos desde o processo de apuração até as planilhas de orçamento. Um exemplo disso foi a primeira campanha de crowdfunding organizada pelo portal, na qual eles tiveram o cuidado de esclarecer ao público o motivo da necessidade dos recursos financeiros e, após a obtenção do financiamento, se preocuparam em responder a contento, se amparando em procedimentos jornalísticos rigorosos reafirmados publicamente, e que tiveram por objetivo abordar criticamente todos os espectros ideológicos. A transparência, nesse caso, foi fator chave para conquistar a credibilidade do público.

Marina Dias, coordenadora de comunicação da Agência Pública, pioneira no Brasil em jornalismo investigativo independente e sem fins lucrativos, também acredita que a credibilidade é construída com base na qualidade do trabalho apresentado, e que os repórteres da agência sempre ouvem diversas fontes, publicam documentos e, sempre que possível, dão ao leitor acesso a todo o material consultado para produzir a reportagem (como links de documentos públicos etc). A Pública foi fundada em março de 2011 por três repórteres mulheres, com a missão de produzir e promover o jornalismo investigativo pautado pelo interesse público, visando ao fortalecimento do direito à informação, à qualificação do debate democrático e à promoção dos direitos humanos, e até hoje é referência em jornalismo investigativo e independente. A agência conta com financiamento de fundações como a Ford, Open Society e Oak, e possuem um projeto, o Reportagem Pública 2015, financiado por crowdfunding.

(Esta reportagem contou com a colaboração de Raul Galhardi no levantamento de dados sobre novos modelos de negócios)