REVISTA ELETRÔNICA DE JORNALISMO CIENTÍFICO
Dossiê Anteriores Notícias Reportagens Especiais HumorComCiência Quem Somos
Dossiê
Editorial
Ouvir o cosmos - Carlos Vogt
Reportagens
Einstein e o bê-á-bá das ondas gravitacionais
Juan Mattheus
Os brasileiros nas ondas do Universo
Tamires Salazar
Especialistas avaliam cobertura dos jornais brasileiros sobre as ondas gravitacionais
Erik Nardini Medina
Artigos
Buracos negros, curvatura espaço-tempo e ondas gravitacionais
Antonio José Silva Oliveira
Observações de ondas gravitacionais geradas pelas fusões de sistemas binários de buracos negros
Riccardo Sturani
A primeira detecção direta de ondas gravitacionais
Beatriz B. Siffert e Rafael F. Aranha
Cem anos de espera, mas não de braços cruzados
Nadja S. Magalhães e Carlos Frajuca
Resenha
Trilogia Ligo
Karina Yanagui
Entrevista
Anderson C. Fauth
Entrevistado por Sarah Schmidt
Poema
Pergunta retórica
Carlos Vogt
Humor
HumorComCiencia
João Garcia
    Versão para impressão       Enviar por email       Compartilhar no Twitter       Compartilhar no Facebook
Reportagem
Especialistas avaliam cobertura dos jornais brasileiros sobre as ondas gravitacionais
Por Erik Nardini Medina
10/07/2016

No dia 11 de fevereiro de 2016, veio ao mundo a informação de que, pela primeira vez, cientistas haviam conseguido detectar as ondas gravitacionais, fenômeno descrito pelo físico Albert Einstein em sua Teoria da Relatividade Geral há mais de um século. Boom! O tema caiu como uma bomba nas redações e agências de notícia de todo o mundo. Afinal, como explicar uma descoberta tão importante para um público tão amplo? Sob as ondas, repousam números superlativos e termos que dificultam a assimilação de todas as informações. Justamente por isso, é oportuno recapitular alguns dados.

O aparelho, chamado Observatório de Interferometria a Laser de Ondas Gravitacionais (Ligo, na sigla em inglês), que detectou o choque entre dois buracos negros – daí as ondas gravitacionais – custou US$ 620 milhões. Instalado nos Estados Unidos, ele é formado por sensores, espelhos e um laser. Combinados, esses artefatos foram capazes de captar “sinais do passado”: as ondas gravitacionais estão a 1,3 bilhão de anos-luz.


Simulação entre o encontro de dois buracos negros
(Reprodução / National Science Foundation)

Isso significa que o Ligo detectou, na verdade, o fenômeno como era há um bilhão e 300 milhões de anos, e que apenas agora nos atingiu. Um ano-luz corresponde a 9.460.730.472.580 quilômetros (mais de nove trilhões de quilômetros). "Ano-luz" é uma unidade de distância, não de tempo. É a distância que a luz percorre em um ano. Tudo isso pode parecer mais do mesmo para os iniciados, mas é vital para a compreensão daqueles que não têm familiaridade com astronomia.


O Ligo tem dois detectores: um em Washington e outro em Louisiana (foto acima)
(Reprodução / California Institute of Technology)

Ciência básica representa desafio à imprensa

Embora o tema seja complexo até mesmo para a própria comunidade científica, a detecção das ondas gravitacionais rendeu notícias e reportagens nos mais importantes veículos de comunicação do Brasil e do mundo. Sites como BBC Brasil, que traduziu na íntegra o conteúdo produzido pela BBC Mundo, e BBC News, conforme contou à reportagem o jornalista Rafael Barifouse, o portal, G1 e os jornais El País, Estadão e Folha de S. Paulo deram em suas páginas principais reportagens bastante didáticas sobre a descoberta.

Observa-se a ampla utilização de tópicos para facilitar a compreensão, com escrita que se assemelha a um diálogo entre público e cientista. Mas, afinal, os jornais cumpriram bem o papel na divulgação desse assunto? O público foi capaz de entender o que essa descoberta representa?

Pode-se dizer que sim. Para o doutor em ciências e vice-reitor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Adilson de Oliveira, o relatório sobre as ondas gravitacionais escrito pelos cientistas – mais de 1000 autores assinam o documento, entre eles sete brasileiros – foi bastante satisfatório. “Essa informação veio de forma muito mais clara e muito mais didática para a imprensa, facilitando o trabalho e permitindo que um tema tão complexo como ondas gravitacionais tenha ficado mais palpável”, avalia. No entanto, Oliveira acredita que a imprensa perdeu a oportunidade de recapitular outros aspectos da Teoria da Relatividade que poderiam ajudar na compreensão. O vice-reitor da UFSCar destaca que, sempre que possível, é importante aproximar o público de outros conceitos para que a assimilação aconteça de forma mais lúdica.

“Procuro sempre fazer isso nas entrevistas e nos textos que escrevo”, pontua. “Por exemplo, quando estamos num ônibus fazendo uma curva, parece que nosso corpo é jogado para fora. Isso é a força centrífuga. Do ponto de vista da (teoria da) Relatividade, é como se surgisse um campo gravitacional fora do ônibus que o atraísse. O efeito é similar, a descrição é a mesma, e isso é uma das ideias que Einstein chamou de princípio da equivalência. Eu acho que essas coisas poderiam ter sido trazidas na cobertura para aproximar o tema do cotidiano”, avalia, acrescentando que isso contribui para que as pessoas percebam que nada do que é pesquisado parte de uma “teoria maluca”.

Mas para que serve o conhecimento sobre as ondas gravitacionais? Na opinião de Oliveira, a ocorrência desse questionamento precisa diminuir. “Parece que toda descoberta científica tem que servir para alguma coisa prática. Parece que a ciência tem que descobrir somente coisas com utilidade prática, mas não é assim. O conhecimento, por si só, carrega desafios”, opina. A construção de um equipamento como o Ligo é bastante complexa, o que já é uma grande motivação, uma razão: “A ciência não pode se resumir a produção e ganho”.

De acordo com o jornalista e professor da PUC Campinas Marcel Cheida, o problema no Brasil, de modo geral, é que a produção do que ele chama de “jornalismo sobre ciência” é muito incipiente. “Se você pegar as grandes redações, você conta no dedo um ou outro jornalista especializado. E, muitas vezes, ele faz todos os papéis. É repórter, editor, comentarista”, analisa. Na esteira das críticas, Cheida avalia que a questão de fundo é que “não somos uma sociedade que tem simpatia sobre ciência, não somos leitores de ciência. E os jornais refletem isso”.

Cheida observa que outro problema é a percepção do público sobre a ciência, um objeto sofisticado, complexo e que demanda uma educação para que se tenha leitores e consumidores sobre o tema. “E o Brasil não tem”, pontua. Dentre tantas barreiras, percebe-se que estamos diante de um obstáculo que também é, de certo modo, educacional. A carência de laboratórios e de infraestrutura nas escolas de nível básico – fundamental e médio – reflete, segundo o pesquisador, em um jornalismo científico menos crítico. Não pela falta de capacidade dos jornalistas, mas pelo nível intelectual da esmagadora maioria da população.