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Resenhas
Dr. Melgaço
Documentarista Alice Riff retrata a precária situação da saúde na cidade com pior índice de desenvolvimento (IDH) humano do país
Tiago Alcantara
10/09/2016


Produzido em parceria com o site Diário do Centro do Mundo, o documentário Dr. Melgaço retrata a situação da saúde na cidade com pior índice de desenvolvimento humano (IDH) do Brasil. A obra foi realizada após uma campanha bem-sucedida de financiamento coletivo por meio da plataforma Catarse, em 2013.

 

Qual é o impacto que um médico pode causar? Segundo o juramento de Hipócrates, que ainda é recitado nas formaturas de medicina por vários cantos do mundo, um médico deve zelar pelo bem dos doentes em toda casa que visitar. Se o chamado pai da medicina, que viveu entre os anos de 460 a 377 a.C, chegasse aos dias de hoje, o que pensaria de uma cidade com apenas um médico e algumas das piores condições de subsistência de um país tropical chamado Brasil?

 

A cidade é Melgaço, está localizada no estado do Pará, conta com 26 mil habitantes e é formada por diversas praias, banhadas por rios, como: Amazonas, Tajapuru e Laguna. Com mais de dois terços da população da cidade morando na zona rural, são inúmeras as casas de difícil acesso para visitas médicas. Tão difícil que poucos se interessam pelo trabalho. Melgaço recebeu quatro médicos cubanos, enviados por meio do programa Mais Médicos, do governo federal.

 

A documentarista Alice Riff entrevistou pessoas buscando saber por quais situações passaram nesses anos sem médicos. Durante seus 42 minutos, o documentário acompanha pacientes, funcionários do serviço social e médicos da cidade. Utilizando formato semelhante a uma grande reportagem, as filmagens trazem alguns profissionais da cidade como personagens.

 

Com edição de cortes ágeis, típica do material produzido com foco na internet, chama a atenção a contraposição entre as duas médicas cubanas entrevistadas, Maribel Saborit e Maribel Herrera, e as posições de Elton Silva, médico brasileiro recém-formado que, antes da chegada do reforço dado pelo programa Mais Médicos, era o único de uma cidade de mais de 25 mil habitantes.

 

Apesar de descrever a quantidade de trabalho como "desumana", Silva alinha seu discurso ao da classe médica brasileira, chamando o programa de medida "eleitoreira". Por outro lado, Maribel Saborit – graduada há 21 anos e especialista em medicina geral integrada desde 1998 – comenta que o compromisso dos médicos é “ajudar em qualquer parte do mundo as pessoas mais necessitadas”. A médica ainda reforça a necessidade de um trabalho de prevenção, já que parte das doenças encontradas na cidade advém da falta de infraestrutura, principalmente no que se refere ao saneamento básico.

 

Durante as visitas de atendimento para atenção primária acompanhadas por Riff, as estrangeiras são elogiadas por diversos pacientes de Melgaço. A obra ainda reflete brevemente sobre a vida sexual precoce das adolescentes no município, que conta com 12 mil analfabetos (praticamente 50% da população).

 

Em dado momento, um técnico de enfermagem conta aos entrevistadores que o Mais Médicos fez com que médicos locais "baixassem a bola". Isso porque, como o próprio médico brasileiro conta durante o documentário, seu interesse é estudar para fazer uma residência em Belém, na capital, para "ficar mais perto da família".

 

O recorte da documentarista reforça o olhar de que o programa é necessário para resolver uma situação longe de ser ideal. Entretanto, mais do que retratar a influência do quarteto de médicos cubanos no município ou questionar a capacidade de uma cidade pobre de oferecer infraestrutura de saúde para seus habitantes, Dr. Melgaço é um amargo lembrete de que o país ainda está longe de garantir a todos os brasileiros educação, saúde, alimentação, trabalho e moradia. Todos esses (e diversos outros) garantidos pela Constituição de 1988.


Dr. Melgaço

Alice Riff

Gênero: documentário

Duração: 42 minutos

Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=HdjA6kpLHpc