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Reportagem
Singularidade: como as máquinas vão dominar a humanidade no futuro
Por Tiago Alcantara
10/12/2016

Em setembro de 2016, o Google anunciou que uma de suas ferramentas mais utilizadas, o Tradutor, passaria por uma grande mudança. A empresa de tecnologia trocou o motor responsável pela ponte entre idiomas para um sistema chamado GNMT (Google neural machine translation, ou máquina neural de tradução do Google, em tradução livre). A estrutura de aprendizado, de ponta a ponta, consegue assimilar milhões de exemplos, e teria como resultado uma melhoria bastante significativa nas traduções.

Após a verificação do desempenho da rede de aprendizado profundo, os pesquisadores da companhia tentaram algo mais ousado. Se a rede neural consegue traduzir inglês para coreano e inglês para japonês, e vice-versa, seria capaz de traduzir diretamente do coreano para o japonês, sem passar pelo idioma inglês?

A resposta é sim. As chamadas "traduções zero-shot” conseguiram fazer relações entre palavras de dois idiomas que não estavam explicitamente unidas de nenhuma forma. Sem nenhum tipo de “ponte” entre os idiomas. Como isso foi possível? Provavelmente, a rede neural do Google trabalhou com conceitos humanos: padrão e associação por contexto.

Os engenheiros da empresa acreditam que é grande a possibilidade de as máquinas terem desenvolvido uma linguagem interna capaz de representar os conceitos usados para a tradução de cada palavra. O time do Google ainda afirma que foi encontrado um padrão semelhante relacionado aos termos em cada um dos idiomas processados por essa rede de computadores.

Imagem criada pelo Google ilustra a tradução de idiomas pelo seu sistema de inteligência artificial

Singularidade tecnológica

O avanço das tecnologias de inteligência artificial como o descrito anteriormente é apenas um dos motivos apontados para que cientistas acreditem que os avanços tecnológicos vão ultrapassar os limites imaginados pelo homem. A ideia de que, em algum ponto do futuro, a tecnologia poderá mudar nossa realidade é chamada de singularidade tecnológica.

Em seu artigo “Technological singularity”, o cientista da computação Vernor Vinge afirma que vários campos podem atingir essa mudança tão disruptiva, o que seria mais uma razão para acreditar que a singularidade deva ocorrer no futuro.

O diretor de educação da Sociedade Brasileira de Computação (SBC), Avelino Zorzo, explica que o termo foi emprestado da física e "se refere a um ponto em que os avanços da tecnologia vão superar a capacidade humana de compreendê-los, dando início a uma era pós-humana”.

O pesquisador e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) corrobora a visão de Vinge, e aponta que essa evolução em ritmo acelerado se aplica a vários ramos do conhecimento, como: nanotecnologia, robótica e genética.

O alerta de Hawking

Para alguns pesquisadores, tratar a ascensão da inteligência artificial como “coisa de ficção científica” pode ser o maior e, talvez, último erro da humanidade. A afirmação soa sensacionalista, mas tem uma fonte respeitável: o físico teórico e cosmólogo Stephen Hawking.  Em um artigo para o Independent, Hawking comenta o lançamento do filme Transcendence e chama a inteligência artificial (IA) de um avanço arriscado. O longa estrelado por Johnny Deep e dirigido por Christopher Nolan mostra a tentativa de criar uma consciência online com resultados desastrosos.

"A inteligência artificial pode ser o maior evento na história da humanidade. E também pode ser o último, a não ser que a humanidade aprenda a evitar os riscos. As consequências podem ser negativas”, afirmou o famoso físico no artigo “Transcendence looks at the implications of artificial intelligence – but are we taking AI seriously enough?

Hawking assina o texto ao lado de outros notáveis, como o professor de ciências da computação da Universidade da Califórnia, Stuart Russell; o professor de física do Massachusetts Institute of Technology (MIT), Max Tegmark, e do prêmio Nobel de Física de 2014 e professor do MIT Frank Wilczek. O artigo ainda pede cautela para o desenvolvimento de tecnologias que possam trazer a extinção da espécie humana.

O fato de uma rede que imita o aprendizado humano funcionar é, ao mesmo tempo, fantástico e assombroso. O que dizer de um mundo no qual os carros se dirigem sozinhos, o DNA pode ser editado, robôs executam tarefas impossíveis para qualquer ser humano, a comunicação é feita por meio de uma consciência coletiva e máquinas conseguem se misturar a sistemas biológicos?

O professor do Departamento de Informática do Centro Técnico Científico da PUC-Rio (CTC/PUC-Rio), Bruno Feijó, afirma que devemos ficar atentos aos perigos apontados por Hawking. "A gente vive um momento de reflexão de alguns questionamentos sobre a inteligência artificial. E não só por causa dos filmes. A atenção que esse grupo dá ao tema tem relação com o estudo dos impactos que isso implica, e seus riscos. Não seria exagero falar de risco de extinção, no sentido de grandes impactos que podem acontecer na economia e em outras situações”.

Outra dúvida é levantada no artigo de Vinge: é possível confinar uma máquina 100 vezes mais inteligente que você? Para o cientista, a hipótese de “confinamento é intrinsecamente impraticável”, argumenta. Isso porque as máquinas com inteligência super-humana poderiam melhorar seu design repetidamente, encontrando formas de “escapar” do domínio humano.

Futuro indefinido

Por outro lado, o futurólogo sueco e mestre em ciência aplicada à economia, Magnus Lindkvist afirma que pode ser uma armadilha pensar no futuro como um “ponto de chegada” e esquecer que há participação das pessoas em processos e descobertas. Segundo Lindkvist, a curva da evolução tecnológica pode ou não seguir crescendo no mesmo ritmo, mas devemos nos acostumar com uma ideia de mundo descontínuo.

"Hoje, se você perguntar às pessoas sobre o futuro, há diversas narrativas similares: robôs e impressoras 3D roubando nossos empregos, a ascensão do oriente e queda do ocidente, mudanças climáticas. Em geral, há uma impressão de preocupação quanto ao que está por vir”, explica o futurólogo.

Para Lindkvist, o futuro precisa ser observado pela perspectiva de megatendências, com longas e lentas mudanças. Por este motivo, é possível apontar a evolução tecnológica como uma liberação. O sueco comenta que as grandes mudanças observadas até aqui aumentaram a expectativa de vida dos seres humanos, assim como a quantidade de tempo livre para criar.

O físico teórico e divulgador científico, Michio Kaku, acredita que a singularidade é inevitável e, por este motivo, tem uma estratégia para preservar a vida humana. Na série de TV Sci Fi Science, Kaku sugere algo parecido com o roteiro do filme de Nolan: unir as consciências de toda a humanidade em uma espécie de nuvem mundial. Desta forma, humanos e máquinas se tornam um só. A solução proposta pelo coautor da teoria de campos de cordas não chega a ser original. No fim das contas, a filosofia é: se não pode vencê-los, junte-se a eles.