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Reportagem
Política rege concessões de rádio e TV
Por Rodrigo Cunha
10/10/2006

Caso seja reeleito no segundo turno das eleições presidenciais, Lula poderá ser cobrado, em seu segundo mandato, por dois pontos que aparecem no programa de governo da atual campanha: o recadastramento completo de todas as concessões de rádio e TV do país, para cancelar aquelas que não estiverem em conformidade com a lei, e a regulação do setor de comunicação, cuja principal legislação em vigor é o Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117), de 1962. Já o programa de governo de Alckmin não toca nessas questões.

Em junho deste ano, no entanto, Lula requisitou à Câmara dos Deputados a devolução de 227 processos de renovação de concessões de rádio e TV que estavam prestes a serem rejeitados por problemas na documentação, 75 dos quais envolvendo concessões de rádio vencidas há mais de dez anos. Diversas concessões são de parlamentares ou seus familiares, como o deputado federal Jader Barbalho (PMDB-PA), que a base governista ajudou a conduzir, em 2005, à presidência da Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), responsável pela outorga e renovação de concessões de rádio e TV.

No período da gestão da CCTCI, que se encerrou em março de 2006 com Jader Barbalho como presidente – cuja família detém as concessões da Rádio Clube do Pará, da Rádio Carajás FM e da Rede Brasil Amazônia de Televisão, todas vencidas –, além dele, outros 10 deputados, entre os 40 que compõem a comissão eram concessionários de rádio ou de TV. Embora o artigo 54 da Constituição proíba parlamentares de terem concessões públicas, somando-se as duas casas da atual legislatura do Congresso (2003-2006), são quase 80 concessionários: 28 senadores – mais de um terço dos titulares do Senado –, de acordo com pesquisa do Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação (Epcom), e 51 deputados federais – dois deles, bispo Rodrigues (PL-RJ) e José Borba (PMDB-PR), renunciaram ao serem acusados de envolvimento com o mensalão –, segundo levantamento do Núcleo de Estudos de Mídia e Política (Nemp) da Universidade de Brasília (UnB).

“As leis de comunicação, assim como diversas outras leis no país, têm brechas, e os parlamentares encontram um subterfúgio: eles não podem ser sócio-diretores de rádio e TV e se desligam quando assumem um mandato, mas continuam controladores do veículo”, afirma James Görgen, coordenador de projetos do Epcom e secretário-executivo do Fórum Nacional para Democratização da Comunicação (FNDC). Alguns parlamentares, contudo, sequer se dão ao trabalho de se desligar do veículo. É o caso do próprio atual ministro das Comunicações e senador licenciado, Hélio Costa, que só formalizou o afastamento da rádio FM ABC, de Barbacena (MG), após a divulgação da pesquisa que incluía seu nome ao lado de outros caciques do Congresso. Também possuem concessões em seu nome ou em nome de sua família os senadores José Agripino Maia (PFL-RN), Tasso Gereissati (PSDB-CE), Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e José Sarney (PMDB-AP). A família do ex-presidente possui um grupo de comunicação que inclui a Rádio Mirante, de São Luís (MA), controlada pela senadora Roseana Sarney (PFL-MA) e pelo deputado federal Sarney Filho (PV-MA), que há 12 anos está com a concessão vencida, mas mesmo assim continua em funcionamento.

O período em que ACM foi ministro das Comunicações, quando Sarney era o presidente da República, é apontado por Görgen como o início do fenômeno da “bancada da mídia”. “Antes disso, as concessões não estavam ligadas a políticos ou a grandes grupos econômicos, mas a algum jornalista ou comunicador”. Entre 1985 e 1988, quando ainda era atribuição exclusiva do poder executivo a outorga de concessão de rádio e TV, o presidente Sarney outorgou mais de mil concessões, 168 delas para veículos de parlamentares que o ajudaram a aprovar a emenda constitucional que deu a ele cinco anos de mandato. Desde o código de 1962, as concessões eram dadas pelo executivo por um prazo de 15 anos para TV e 10 anos para rádio, sendo necessário para a renovação, entre outras coisas, estar em dia com o INSS, o FGTS e o fisco municipal, estadual e federal. A Constituição de 1988 manteve os prazos, mas passou a atribuição da outorga e renovação para o Congresso Nacional. Assim como os parlamentares concessionários, o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso também encontrou uma brecha na legislação e outorgou, até o final de 1996, 1.848 licenças para estações retransmissoras de televisão (RTVs), que não precisam da aprovação do Congresso. Dessas, os pesquisadores estimam que pelo menos 268 beneficiaram grupos controlados por 87 políticos, entre eles 19 deputados federais, seis senadores e dois governadores. Com o apoio desses beneficiados, em janeiro de 1997, FHC consegue a aprovação da emenda constitucional que dá a ele o direito à reeleição.

Concentração das comunicações

As retransmissoras e repetidoras locais de televisão estão vinculadas a grupos de comunicação que incluem rádios e jornais e que compõem um quadro geral de concentração dos meios de comunicação no país. De acordo com o estudo “Os Donos da mídia”, publicado em 2002 pelo Epcom, seis redes privadas dominavam, até então, o segmento de TV e se vinculavam a rádios e jornais de todo o país, totalizando 668 veículos de comunicação. “Hoje, a TV é o meio que estrutura os demais”, afirma Görgen, mencionando o alcance do veículo a mais de 90% dos domicílios. A Rede Globo, que contava com 54% da audiência e 53% da verba publicitária de um mercado que movimenta aproximadamente US$ 3 bilhões por ano, aglutinava naquele ano 30 grupos empresariais com 204 veículos, entre TVs VHF e UHF, rádios AM e FM e jornais. Atualmente, o site da empresa diz que somente entre geradoras e afiliadas de TV, possui 121 veículos que atingem 99,84% das cidades brasileiras. O SBT, que em 2002 tinha 23% da audiência e 20% da publicidade, somava 180 veículos; a Record possuía 8% tanto da audiência quanto da publicidade, e somava 105 veículos. A Band, embora tivesse apenas 4% da audiência, contava com 10% da verba publicitária e aglutinava 128 veículos de comunicação no país. As outras duas redes privadas, a Rede TV! e a CNT, tinham uma pequena parcela do mercado, e as redes públicas de TV e grupos independentes, mesmo somando 8% da audiência total, ficavam com apenas 2% da verba de publicidade.

De acordo com o estudo do Epcom, desde a década de 60 – quando surgiu a Rede Globo – a TV supera os outros veículos no mercado publicitário. Jornais, revistas e rádios somam pouco mais que a metade da verba publicitária destinada à TV. O crescimento vertiginoso da Globo se deve, em parte, à queda de dois importantes veículos concorrentes e a dois grandes impulsos financeiros e, em parte, ao oportunismo, a aproximação com o poder público e à visão empresarial de seu fundador, o jornalista Roberto Marinho. Antes de criar a TV, ele começou com o jornal O Globo, em 1925, e fundou a Rádio Globo em 1944, para competir em um meio radiofônico já saturado. Obteve, em seguida, uma concessão para operar em FM, embora ainda não houvesse aparelhos receptores para aquele tipo de modulação. “Não é à toa que Roberto Marinho tem reconhecida como virtude a sua visão estratégica de mercado. Ele acreditava que este novo formato, que oferecia menos ruído e maior fidelidade, viria para ficar”, diz Gabriel Collares, da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora. Em pouco tempo, a FM se popularizou.

A TV Globo foi criada em 1965, e nesse mesmo ano chega ao Brasil um ex-diretor de uma estação do grupo Time na Califórnia, Joseph Wallach, para trabalhar como assessor técnico da nova emissora de Roberto Marinho. Segundo Collares, Wallach cuidava da administração e direção das finanças da Globo e decidia junto com Roberto Marinho os rumos da emissora. A suspeita de ingerência de um grupo estrangeiro (o Time-Life) no setor de comunicações do Brasil – o que era proibido pela legislação nacional – levou à instauração de uma CPI no Congresso para avaliar o caso. A CPI comprovou que Wallach tinha amplos poderes na Globo e ele próprio, de acordo com o Banco Central, remetia dólares do grupo Time-Life para as empresas de Roberto Marinho. O acordo da Globo com o Time-Life teve que ser dissolvido, mas a emissora já havia recebido até maio de 1966 mais de US$ 6 milhões.

Em 1969, a Globo reverteu em seu favor um acidente que poderia ter causado grandes prejuízos: um incêndio destruiu as instalações da emissora em São Paulo; o seguro, porém, pagou US$ 7 milhões, que a Globo destinou para a compra de equipamentos de última geração para sua sede, no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, onde centralizou o telejornalismo e toda a sua produção. Naquele mesmo ano, começam as transmissões via satélite, e em parceria com a TV Tupi, a Globo transmite a chegada do homem à lua. Em setembro de 1970, dois episódios são significativos para a trajetória da emissora: vai ao ar a primeira edição em rede, para todo o país, do Jornal Nacional, que inaugurou oficialmente a rede de transmissão em microondas da Embratel – parte de projeto nacionalista do governo militar de integração do país; e a presidência decreta a cassação dos canais da TV Excelsior no Rio e em São Paulo, pela resistência da emissora à ditadura. É a primeira concorrente da Globo que sucumbe, sendo dividida, em leilão, entre o grupo Bloch, que criou a TV Manchete, e o empresário Sílvio Santos, que criou o SBT. A outra concorrente a cair foi a pioneira TV Tupi, que em 1980 ruiria junto com o império dos Diários Associados.

O futuro das comunicações

Em julho de 2006, foi instaurada dentro da CCTIC uma subcomissão, presidida pela deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP), para rever os procedimentos de aprovação de novas concessões e de renovação de concessões já existentes e para propor alterações na legislação. Görgen, do Epcom e do FNDC, vê iniciativas como essa com otimismo, como pequenos passos em uma democracia em amadurecimento. “É como a histórica lista dos concessionários, que possibilitou saber quem são os donos da mídia”, comenta, em referência à informação sobre os sócios e diretores de rádio e TV que o Ministério das Comunicações tornou pública na gestão de Miro Teixeira, em 2003, e que possibilitou os estudos do Epcom e do Nemp sobre os parlamentares que têm concessões.

O relatório da subcomissão da CCTIC, que deve ser apresentado no final do ano, pode servir de base para a esperada regulação do setor. Em abril de 2005, o governo federal havia anunciado a criação de um Grupo de Trabalho Interministerial para a elaboração do anteprojeto da Lei Geral de Comunicação Eletrônica de Massa (LGCEM), para tratar da organização e da exploração dos serviços de comunicação social eletrônica no país e atualizar o código de 1962. Na época, Venício de Lima, do Nemp/UnB, já alertava para o risco de se ter um projeto de lei que consolidasse, com amplo amparo legal, o poder dos grupos de mídia já dominantes no país, caso as forças que lutam para a democratização da comunicação, como o FNDC, não se fizessem ouvidas na elaboração do projeto. “Não é tarefa fácil, mas é assim que funciona na democracia liberal e é nela que estamos”, opina. No entanto, seguindo no mesmo caminho que o projeto de criação da Agência Nacional do Audiovisual (Ancinav), engavetado em 2005, a LGCEM sequer se tornou uma proposta concreta, mesmo após a criação de uma comissão interministerial em janeiro deste ano, em substituição ao GT anterior.

“Será que os grupos que dominam a mídia no Brasil já alcançaram, de fato, poder suficiente para inibir inclusive as ações do poder executivo no sentido da regulação do setor?”, questiona Lima. “Não se pode mais acreditar que decisões parciais e acertos entre os mesmos grupos que historicamente se beneficiam da ausência de regulação sejam solução para as questões do setor de comunicações”, conclui. Cabe agora aos eleitores que decidirão entre Lula e Alckimin – cujo programa de governo não trata da democratização das comunicações – cobrar a revisão de concessões e essa regulação do setor com a participação de entidades da sociedade civil como o FNDC.