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Reportagem
Governos e mercado impulsionam censura na Internet
Por Germana Barata
10/12/2006
A Internet já é um importante meio de comunicação de massa, que intensifica os fluxos de informações e intercâmbios comerciais, culturais e políticos nos quatro cantos do mundo, em frações de segundos. A rede – que, no Brasil, com 32 milhões de usuários já está à frente da TV a cabo (13 milhões de pessoas), jornais (3,1 milhões) e revistas (13 milhões) – tem exposto as complexidades de uma estrutura social cada vez mais globalizada e suas influências. Diferentemente das outras mídias, no entanto, a massa conectada à Internet pode ser individualizada e é, portanto, passível de ser controlada, monitorada e censurada, o que tem sido praticado por algumas nações. “Não se trata simplesmente de bloquear acesso a certos sítios Web (ou outros serviços Internet) do exterior, a partir de um país, ou de impedir que certos conteúdos sejam divulgados em sítios Web nacionais; a censura na rede vai muito mais longe, por razões de segurança, mas também por razões de disputa de mercado”, salienta Carlos Afonso, diretor de planejamento da Rede de Informações para o Terceiro Setor (Rits).

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São célebres os casos de países que censuram parcial ou completamente o conteúdo da Internet, tais como China e Cuba, dois dos quinze governos repressores denunciados, em julho deste ano, pela organização Anistia Internacional em campanha contra essas medidas restritivas. Os outros treze são: Vietnã, Irã, Síria, Arábia Saudita, Burma, Maldivas, Nepal, Coréia do Norte, Zimbábue, Tunísia, Egito, Líbia e Turcomenistão. As denúncias se estendem às empresas que disponibilizam suas tecnologias para concretizar essa censura. Entre elas estão a Microsystems, Nortel Networks, Cisco Systems, Yahoo!, Google e a Microsoft que, em troca, garantem relações comerciais com esses países que oferecem grande número de potenciais clientes. A China, por exemplo, tem mais de 100 milhões de usuários potenciais, que essas empresas não gostariam de perder. Até o momento, a organização reuniu mais de 56 mil assinaturas.

Nos casos mais conhecidos, essa censura se faz com o objetivo de criar uma versão da Internet que não mostre insatisfações com o governo ou informações ideologicamente contrárias. E soma-se à censura que é feita aos conteúdos de jornais, revistas, canais de televisão e rádios. Os sistemas de busca são alvos preferenciais de controle, por serem a principal ferramenta de localização de informações. Na China, a Wikipedia (enciclopédia constituída com a colaboração dos usuários) foi completamente vetada em outubro de 2005 e, a partir de novembro passado, teve algumas páginas liberadas. Os representantes do governo chinês, no entanto, negaram a existência de censura durante o Fórum Mundial de Governabilidade da Internet (FGI), realizado em novembro deste ano em Atenas (Grécia).

O prejuízo para a população dessas nações é grande, mesmo porque há pessoas que desconhecem que existe o monitoramento ou censura e que não sabem quais são os sites bloqueados, o que anula qualquer tentativa de negociação. “A informação é uma arma. Por isso, a principal fonte de poder do governo cubano é manter o povo na ignorância”, afirmou Omar López Montenegro, diretor da Fundação Nacional Cubano-Americana, em matéria divulgada no jornal argentino La Nación. Sua fala certamente serviria para outros países.

Em Cuba, a censura passa pela vontade governamental e chega ao controle de fluxo de informações disponibilizadas pelos Estados Unidos, que controlam o fluxo da rede mundial. Apesar de cabos de fibra ótica passarem a poucos kilômetros da Ilha, as operadoras não podem vender os serviços a Cuba devido ao bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos há quase 50 anos. Isso deixa Cuba à mercê da conexão via satélite, mais cara e limitada. Atualmente, são apenas 65 megabytes disponíveis para a saída e 124 Mbps para a entrada de informações. Muitos usuários brasileiros têm acesso a uma velocidade de 100 Mbps por segundo em suas residências.

Mas ilude-se quem imagina que, por não morar em algum dos países considerados inimigos da Internet, está livre do controle digital. Segundo a organização internacional Privacy International, a censura na Internet ocorre na maior parte do mundo e nos últimos anos tem acelerado os esforços de banir ou controlar seu uso. “No Brasil, as operadoras que fornecem serviços xDSL (os chamados serviços de ‘banda larga’) praticam unilateralmente e sem nenhum controle o exame, e eventual bloqueio, do tráfego Internet que passa por seus circuitos”, denuncia o diretor da Rits. Com isso, pode-se degradar o tráfego de voz gerado por empresas não associadas à operadora e o bloqueio do tráfego de serviços usados com freqüência, como a conexão via terminal seguro (conhecida como SSH). “Isso é censura sofisticada e grave”, diz o especialista. “É como se a concessionária de uma rodovia decidisse que carros vermelhos devem trafegar com menor velocidade, e carros amarelos estão impedidos de circular”.

Nos EUA, a Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) com a colaboração da AT&T, empresa provedora de comunicação de dados e voz, analisa e captura quantidades maciças de dados em pontos de alto tráfego, sem o conhecimento do público usuário. “É uma democracia, mas que pratica a censura em um nível muito mais grave, mais profundo e mais sofisticado do que são capazes países como China ou Cuba”, analisa Afonso. Trata-se de um produto de análise de informações com usos valiosos para os operadores de rede. “Ele é capaz de fazer coisas que o torna uma das melhores ferramentas de espionagem disponíveis”, descreve notícia publicada no site Wired. Pode rastrear, analisar e gravar qualquer tipo de comunicação digital, entre elas e-mails, mensagens instantâneas, vídeos ou telefonemas, como os realizados pelo sistema Voip.

Controle no ambiente de trabalho

O controle do uso da Internet nas empresas é cada vez mais comum. No Brasil, multiplicam-se os casos de funcionários que foram demitidos por utilizarem o serviço de e-mail e Internet, fornecidos pela empresa, de forma inadequada, segundo os padrões da instituição. A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) define, dentro da norma ISO/IEC/17799, que “os recursos de processamento da informação de uma organização são fornecidos para propósito de negócios”, e o Tribunal Superior do Trabalho reconhece o direito do empregador de obter provas para justa causa de uma demissão, com o rastreamento do e-mail de trabalho do empregado. A legislação determina que o empregador é co-responsável pelas ações de seus empregados no ambiente de trabalho e, portanto, a cada dia aumenta a busca por serviços de controle e filtragem de conteúdos da rede e e-mail.

Mário Antonio Lobato de Paiva, assessor da Organização Mundial de Direito e Informática, justifica, em artigo sobre censura na Internet, esse tipo de controle. “Não podemos entender que qualquer tipo de ato pode ser feito na Internet com a argumentação de que o mundo virtual é diferente ou alheio ao mundo real e que, portanto, não está submetido às leis e costumes de um povo”.

A posição de Paiva é questionável, uma vez que a Constituição brasileira, em seu Artigo 5º do inciso XII garante que “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas”. Enquanto não existe legislação específica sobre as informações digitais, as empresas devem recorrer a uma regulamentação interna (veja modelo de contrato formulado pela Associação Profissional de Risco) que seja amplamente divulgada entre os funcionários. Francisco Camargo, especialista em gestão de riscos e segurança da CLM Software, defende que mais do que dever, a empresa tem obrigação de monitorar o que seu empregado faz no ambiente de trabalho.

Segundo pesquisa realizada pela Orchestria – companhia de softwares norte-americana – 60% dos 300 entrevistados do mundo coorporativo em Nova Iorque considera correto o monitoramento de e-mails feito pelas empresas. Em Londres este número cai para 38%.

Ainda é preciso avançar nos estudos sobre direito, diz Mário de Paiva, para que haja um “equilíbrio de direitos, entre a liberdade de expressão e o controle efetivo por órgãos governantes que coíbam o abuso e a violação de direitos constitucionalmente e legalmente assegurados a todos os membros da sociedade”, diz ele em seu artigo.

O que proibir

Em geral, a censura da Internet é feita sobre conteúdos de pornografia, violência, leilões, mensagens instantâneas, jogos, sites de relacionamento, esportes e conteúdos considerados radicais de política ou religião. Trata-se da chamada lista negra que é atualizada de tempos em tempos, e serve como base para filtros de acesso à Internet. “É como enxugar gelo”, compara Francisco Camargo, referindo-se à velocidade com que surgem novos sites sobre os temas indesejados. Ele descreve que a identificação de conteúdos censurados é feita por palavras-chave, mas sempre deve-se considerar o contexto em que aparecem, para não correr o risco de que matérias jornalísticas sobre algum dos temas da lista negra sejam bloqueadas. É possível ainda que as empresas liberem o acesso a alguns conteúdos durante o horário de almoço ou mesmo após o expediente, e insiram sites de sua escolha no sistema. O controle é feito também pelo receio de que haja vazamento de informações estratégicas para a empresa, além de invasão por vírus, spams e outras ferramentas que fragilizam o sistema. Não há dúvida de que a forma tradicional de correspondência, as cartas, ofereciam mais privacidade aos usuários.

Estimativa do tempo desperdiçado por funcionários na Internet

Minutos improdutivos/dia na Internet

40

Horas úteis/mês

176

Horas desperdiçadas/ funcionário mês

14,67

Prejuízo por funcionário/mês

R$ 208,33

Fonte: CLM Informática, 2003.

Atendimento ao setor privado

A empresa, presidida por Camargo há mais de dez anos tem, sobretudo, clientes da iniciativa privada. “Hoje os que nos procuram são os que têm mais a perder ou seguem normas internacionais, ou seja, as grandes empresas”, afirma. As empresas públicas teriam, segundo o especialista, mais obrigação do que as outras, porque utilizam verbas públicas, mas “nunca vendemos nada para o governo”, diz ele. Hoje, um software de monitoramento de e-mails e Internet tem um custo de cerca de US$ 6.900 (cerca de R$ 15 mil), com manutenção girando em torno de 20% deste valor (US$ 1.400) ao ano.

Embora a Internet já tenha completado seus dez anos, as discussões acerca do controle, monitoramento e privacidade são ainda incipientes e começam a saltar aos olhos da opinião pública mais intensamente após o 11 de setembro. A ameaça latente de terrorismo deu legitimidade ao controle das informações e não se sabe ainda a que ponto e sob qual custo chegará à vigilância.

Leia mais: - Silenced: an international report on censorship and control of the Internet (relatório produzido pelas organizações internacionais Privacy International e GreenNet Educational Trust sobre a questão de censura e controle da Internet no mundo)