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Artigo
Mudança climática global e saúde
Por Ulisses E. C. Confalonieri
10/03/2007

Várias são as maneiras através das quais a mudança climática global pode afetar a saúde da coletividade humana. Em geral pensa-se, de imediato, que o “aquecimento global” – mecanismo principal da mudança climática – venha a ter efeitos diretos sobre a fisiologia corporal e o bem- estar humano, por causa da temperatura aumentada. Embora isto esteja correto, admite-se que esse não seja o principal aspecto da mudança climática de importância na saúde pública: uma série de processos sociais e ambientais, resultantes do aquecimento global e suas conseqüências climáticas poderão afetar a incidência de doenças e os padrões de mortalidade, em várias partes do mundo.

Podemos distinguir, a esse respeito, alguns mecanismos básicos, a saber:

a. Efeitos diretos causados por padrões alterados de variabilidade climática, principalmente dos chamados “eventos extremos”: furacões, tempestades, inundações, secas e ondas de calor. Podem afetar a saúde diretamente, provocando traumas físicos e psicológicos, além de perdas econômicas importantes.

b. Efeitos indiretos, associados a modificações ambientais resultantes do clima alterado, provocando escassez de água, queda na produção de alimentos, exacerbação da poluição atmosférica e migrações de “refugiados ambientais”. Todos esses processos têm impactos importantes na saúde.

c. Efeitos das oscilações do clima (variações de temperatura; chuvas etc) sobre agentes e vetores de doenças infecciosas endêmicas, como a febre da dengue, a malária, as leishmanioses, as diarréias infecciosas e outras. Os fatores climáticos podem acelerar os ciclos infecciosos e facilitar a dispersão espacial dos agentes microbianos e de seus transmissores.

Eventos climáticos recentes vieram a mostrar que todos os países e regiões do mundo, mesmo os mais desenvolvidos, podem ser considerados mais ou menos vulneráveis às conseqüências de fenômenos climáticos extremos, que podem vir a ocorrer, com maior intensidade, em conseqüência da mudança climática global. As mortes causadas pelo furacão Katrina, nos EUA, em 2005, e da onda de calor que assolou a Europa no verão de 2003, matando 30.000 pessoas, são bons exemplos. Embora esses eventos climáticos não tenham sido associados ao aquecimento global, mostram bem a magnitude de impactos climáticos, quando populações, instituições e países não se preparam adequadamente.

Podemos dizer que o Brasil é um país muito vulnerável aos efeitos do clima, por várias razões, dentre elas:

1. Com sua vasta extensão territorial, apresenta áreas particularmente sensíveis, como o semi-árido nordestino, de ocupação já limitada pela seca. Eventuais aumentos de temperatura média e/ou redução das precipitações e umidade tornarão a subsistência ainda mais difícil, senão impossível. Biomas relativamente bem preservados, como a floresta Amazônica e o Pantanal, contêm focos naturais de doenças infecciosas, com hospedeiros animais, que poderão sofrer alterações importantes em sua dinâmica e distribuição.

2. Apresenta uma grande população com pouco acesso a bens e serviços básicos, inclusive os de saúde. É sabido que as populações mais vulneráveis aos efeitos do clima são as que, por razões de ordem socioambiental, são mais expostas aos perigos climáticos, assim como tem menor capacidade de se proteger e de responder aos impactos adversos.

3. Existência, em seu território, de várias doenças infecciosas endêmicas sensíveis ao clima. Essas podem ter os seus ciclos alterados, favorecendo tanto o aumento como a diminuição das suas incidências, por variações de temperatura e umidade, entre outros fatores. Há também a possibilidade de redistribuição espacial das mesmas, como conseqüência a fenômenos demográficos regionais. Este foi o caso dos surtos de calazar (leishmaniose visceral) observados em capitais do Nordeste, no início das décadas de 1980 e 1990, conseqüentes à maciça migração rural-urbana, impulsionada por secas prolongadas.

4. Alta concentração da população em zonas urbanas vulneráveis à riscos resultantes do clima, como, por exemplo, inundações, deslizamentos de terra e exacerbação de poluição atmosférica. São bem conhecidas a morbidade e mortalidade associadas às chuvas de verão em várias cidades brasileiras, fenômenos que podem se repetir, de forma mais dramática, pelo aquecimento global.

Um estudo envolvendo a análise da vulnerabilidade atual da população brasileira aos impactos sanitários do clima foi desenvolvido, a nível nacional. Com a combinação de indicadores socioeconômicos, indicadores relacionados à incidência de doenças endêmicas sensíveis ao clima e também indicadores climáticos, foram obtidos índices de vulnerabilidade para todas as unidades da federação. Os estados que apresentaram os maiores índices de vulnerabilidade estão situados nas regiões Norte e Nordeste, especialmente nesta última. Isto se deveu à combinação de baixos indicadores socioeconômicos (renda; mortalidade infantil; escolaridade etc), com a existência de altos índices de doenças endêmicas, em um substrato geográfico caracterizado pela semi-aridez e secas recorrentes.

Para a redução desses impactos negativos é necessário que o Estado e a sociedade se preparem adequadamente. Além das melhorias sociais necessárias e esperadas – independente da mudança climática – como o aumento do emprego e renda; expansão da infra-estrutura de saneamento e do acesso à boa escolaridade e também uma melhor efetividade da assistência médica e do controle de doenças em geral, alguma medidas adaptativas específicas podem se fazer necessárias. Destacamos algumas, de maior importância:

a. Desenvolvimento de sistemas de alerta precoce para eventos climáticos extremos, principalmente os de instalação súbita, como as tempestades. Estes implicam uma combinação de capacidade meteorológica de previsão, com ações coordenadas de defesa civil. Entretanto, a simples existência de alertas em funcionamento não é suficiente para a proteção da saúde e vida da população mais exposta, se inexistem políticas de longo prazo de redução da vulnerabilidade social.

b. Melhorias urbanísticas que reduzam os assentamentos de comunidades em áreas de risco, como aquelas representadas pelas zonas de baixada, sujeitas a inundações, e as encostas habitadas, sujeitas a deslizamentos.

É importante ressaltar que, dentro do setor saúde, especificamente, medidas visando a maior eficácia de ações setoriais são de grande importância para o atendimento de uma demanda aumentada de serviços, como conseqüência de efeitos climáticos exacerbados. Assim, intensificação de ações de controle de vetores (ex dengue); de atenção médica de urgência e de outras ações preventivas serão necessárias.

De grande relevância, ainda, é o devido esclarecimento da população sobre o processo de aquecimento global e suas conseqüências, a distribuição espacial projetada para os riscos advindos do clima modificado, dentro do território brasileiro, e o conhecimento de medidas individuais e coletivas de proteção da saúde.



Ulisses E. C. Confalonieri atua no Programa de Mudanças Ambientais Globais e Saúde, Fiocruz e é coordenador de Saúde do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC).