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Alternativas para controle das variações climáticas
Por Walfredo Schindler e Eneas Salati
10/03/2007

O último relatório do IPCC (International Panel on Climate Change), divulgado em fevereiro de 2007, evidenciou que as mudanças climáticas decorrentes de atividades humanas já estão ocorrendo em uma escala global e que as previsões para o século XXI são preocupantes.

Em decorrência da concentração dos gases de efeito estufa, a temperatura média da atmosfera aumentou em 0,74ºC (1906 – 2005) e o nível dos oceanos em 30 cm. Foram ainda observados incrementos nas temperaturas das águas oceânicas até 3.000m de profundidade, acarretando aumento na evaporação, sendo hoje a umidade relativa do ar acima das observadas historicamente. Esse aumento da temperatura e da umidade explica as tendências observadas em fenômenos mais dinâmicos da atmosfera, que resultam na ampliação da freqüência e da intensidade de eventos extremos, como furacões, tempestades, ondas de calor, secas etc.

As causas dessas alterações do equilíbrio dinâmico milenar do planeta estão ligadas principalmente a duas atividades humanas: o uso de combustíveis fósseis (carvão mineral e petróleo) e o desmatamento. As condições climáticas futuras dependerão do comportamento da humanidade frente ao uso desses recursos.

Tendo em vista que a redução do crescimento geral da economia e da população é impossível a curto prazo, dificilmente se poderá alterar de forma rápida e contundente a fonte de energia baseada nos combustíveis fósseis. Assim, a tendência até o fim do século XXI é que existam ampliações nas mudanças climáticas globais, atingindo a temperatura média do planeta valores de até 6,4ºC em relação à média observada atualmente e o nível do oceano subindo até 59 cm no mesmo período.

Dentre as atividades humanas que podem contribuir para o controle dessas variações climáticas, estão as seguintes:

• Uso de energias alternativas, como solar, eólica, nuclear e bio-combustíveis;

• Melhoria na eficiência do uso de energia;

• Seqüestro de carbono nas atividades de manejo florestal e no reflorestamento.

Para enfrentar o problema das mudanças climáticas globais a comunidade internacional estabeleceu metas de redução de emissões de gases de efeito estufa (GHG) que abrangem todos os países desenvolvidos, listados no anexo 1 da Convenção do Clima e cujas metas estão fixadas no anexo B do Tratado de Quioto. Os países em desenvolvimento, como o Brasil, apesar de signatários de ambos, estão isentos de qualquer obrigação, pelo menos até 2012. As metas de redução podem ser alcançadas das seguintes formas:

• Redução direta através de investimentos, principalmente nos processos produtivos e na geração de energia, nos próprios países anexo 1;

• Utilização de mecanismos de flexibilização previstos pela Convenção e regulamentados pelo Tratado de Quioto.

A primeira hipótese listada acima constitui-se indubitavelmente na forma mais direta, eficaz e permanente para redução das emissões de GHG. Entretanto, o alto custo ou dificuldades tecnológicas podem inviabilizar a implementação desses investimentos. Nesses casos, existem três mecanismos de flexibilização que podem ser utilizados, quais sejam:

• Comércio de allowances (somente entre países anexo 1);

• Joint Implementation (somente entre países anexo 1);

• Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL (englobando países não anexo 1, como o Brasil).

Tais mecanismos de flexibilização partem do pressuposto, cientificamente comprovado, que não importa em que localização geográfica os GHG sejam emitidos, ou tenham suas emissões reduzidas, ou sejam capturados. Seus efeitos sobre as mudanças climáticas globais serão os mesmos. Tal fato diferencia em muito esse problema ambiental de tantos outros, que possuem impactos apenas locais ou regionais. Dessa forma, uma maior emissão de uma empresa localizada na Europa, por exemplo, pode ser compensada com reduções de emissões (além das que já ocorreriam em circunstâncias normais) em países como o Brasil, Angola, Índia, ou qualquer outro lugar do mundo.

O MDL é uma excelente oportunidade para o Brasil e para as empresas brasileiras contribuírem para a melhoria da qualidade ambiental do planeta, através da mitigação das mudanças climáticas e, concomitantemente, fomentar novos investimentos e projetos que, de outra forma, seriam inviáveis. Esta é, aliás, a principal exigência estabelecida pelo Tratado de Quioto para o reconhecimento dos chamados créditos de carbono (CER- Certified Emissions Reductions) gerados por um determinado projeto: que ele se enquadre nos critérios de adicionalidade que, em última instância, descartam empreendimentos “business as usual”. Segundo esses critérios, o projeto deve:

• Ser voluntário, ou seja, não decorrente de qualquer exigência legal ou normativa;

• Demonstrar, de forma clara e mensurável, benefícios ao meio ambiente com relação à emissão ou captura de GHG;

• Ser adicional ao que seria realizado na ausência do suporte financeiro do MDL.

Cada proposta de projeto MDL deve ser cuidadosamente analisada no que diz respeito a esses critérios, sob pena de provocar efeitos danosos, ao invés de benéficos ao meio ambiente. A aprovação e venda de créditos de carbono de um determinado projeto MDL está, de fato, permitindo que uma empresa de um país anexo 1 continue emitindo acima do seu limite. Dessa forma, se o suposto projeto MDL fosse ser realizado de qualquer forma, independentemente do Tratado de Quioto (por exemplo, para cumprir exigência legal ou por ser um empreendimento lucrativo per si), estaria falsamente compensando as referidas emissões adicionais com créditos de carbono não adicionais. Quando bem conduzido, o processo MDL é um win-win-win game, trazendo benefícios para o meio-ambiente e para as duas partes envolvidas.

O Brasil está muito bem situado no mercado de carbono de Quioto. Até janeiro do corrente ano, estava em segundo lugar no mundo em número de projetos registados (88 de um total de 491 projetos, representando 18% do total), superado apenas pela Índia. Em volume potencial de recursos gerados, expressos em CER, o Brasil detém 14% do total, atrás apenas da China. Os principais projetos brasileiros são relativos a aterros sanitários (metano), eficiência energética em processos industriais (dióxido de carbono), geração de energia renovável (dióxido de carbono) e destruição de óxido nitroso em indústrias.

Os Estados Unidos da América não aderiram ao Tratado de Quioto, porém estão desenvolvendo um mercado voluntário de redução de emissões denominado Chicago Climate Exchange – CCX. Tal mercado possui regras próprias de funcionamento, similares porém não idênticas ao Tratado de Quioto, permitindo a participação de empresas da região do Nafta e da América Latina. Por se tratar de um mecanismo sem as características compulsórias de Quioto, esse mercado apresenta menores níveis de liquidez e preços para os créditos de carbono (CFI – Carbon Financial Instrument) ali negociados. Por outro lado, apresenta algumas vantagens interessantes, dentre as quais merecem destaque:

• Maior flexibilidade com relação aos critérios de adicionalidade, aceitando diversos tipos de projetos não enquadráveis em Quioto;

• Simplificação nos processos burocráticos, permitindo a finalização de todo o processo aprobatório num prazo médio de 4 a 6 meses (cerca de um terço do tempo demandado por um projeto Quioto);

• Dispensa de qualquer tipo de aprovação ou interferência governamental.

Também nesse mercado, a presença brasileira merece destaque, somente sendo superada em número de empresas/projetos pelos Estados Unidos. Os principais empreendimentos brasileiros são referentes a florestas comerciais e eficiência energética. A FBDS – Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável é a instituição brasileira encarregada da identificação, seleção e análise técnica (incluindo proposição de metodologia) dos projetos brasileiros a serem submetidos à aprovação do CCX.

Os efeitos ambientais, econômicos e sociais das mudanças climáticas, de acordo com todos os modelos desenvolvidos até a presente data, serão no mínimo severos, podendo alcançar proporções catastróficas antes do final do presente século. A humanidade começa a ter consciência desse perigo iminente e se mobiliza cada vez mais fortemente para enfrentar os problemas dele decorrentes. A solução deverá surgir através de diferentes iniciativas que conduzam a uma matriz energética mais limpa, legislações mais severas com relação à conservação dos ecossistemas naturais, maior racionalidade e eficiência nos sistemas de transporte, etc. É dentro desse contexto que o comércio de créditos de carbono se coloca como um instrumento valioso de viabilização das profundas e urgentes mudanças, necessárias para assegurarmos condições mínimas de sustentabilidade às futuras gerações.

Walfredo Schindler é diretor superintendente da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS) e Eneas Salati é diretor técnico da mesma Fundação.