REVISTA ELETRÔNICA DE JORNALISMO CIENTÍFICO
Dossiê Anteriores Notícias Reportagens Especiais HumorComCiência Quem Somos
Dossiê
Editorial
O planeta em risco - Carlos Vogt
Reportagens
Ciência e política no IPCC
Carol Cantarino
Novos ventos aquecem o clima global
Marta Kanashiro
Culpa de quem?
Yurij Castelfranchi
Correndo contra o tempo
André Gardini
Foco no indivíduo ou na estrutura?
Patrícia Mariuzzo
Artigos
Possíveis impactos da mudança de clima no Nordeste
Jose A. Marengo
Alternativas para controle das variações climáticas
Walfredo Schindler e Eneas Salati
Conseqüências econômicas das mudanças climáticas
Carlos Eduardo Frickmann Young e Priscila Geha Steffen
Gases de efeito estufa e aquecimento global: o ponto de vista da análise energética
Enrique Ortega
Mudança climática global e saúde
Ulisses E. C. Confalonieri
Energia nuclear no Brasil: aprofundando-se o debate
Horst Monken Fernandes
Resenha
Uma verdade inconveniente
Por Susana Dias
Entrevista
Larry Lohmann
Entrevistado por por Rafael Evangelista
Poema
Brás Cubas reencontra Quincas Borba
Carlos Vogt
Humor
HumorComCiencia
João Garcia
    Versão para impressão       Enviar por email       Compartilhar no Twitter       Compartilhar no Facebook
Reportagem
Foco no indivíduo ou na estrutura?
Por Patrícia Mariuzzo
10/03/2007

No início deste ano o primeiro ministro britânico Tony Blair se envolveu numa polêmica ao declarar que não pretende deixar de viajar de avião para diminuir as emissões de carbono na atmosfera. E mais, ele considera impraticável estabelecer metas individuais para amenizar os efeitos das mudanças climáticas. Para o primeiro ministro, a solução deve vir de pesquisas que tornem os aviões mais eficientes e menos poluentes. Blair aposta, portanto, na ciência e não na mudança dos padrões de comportamento para diminuir a pegada ecológica da humanidade no planeta. Mas o que nos leva a pensar a atitude de uma autoridade como Blair? Que conter os efeitos das mudanças do clima anunciadas em fevereiro pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU, dependerá apenas de mudanças em larga escala? Qual o peso do comportamento de cada indivíduo para frear o aquecimento global?

Segundo dados do relatório Planeta Vivo 2006, publicado pela ONG WWF a pegada ecológica – medida que indica o impacto da atividade humana no planeta – mais que triplicou desde 1961, superando a capacidade de regeneração do ambiente em aproximadamente 25%. “Excedemos a capacidade de a Terra suportar nosso estilo de vida e é necessário parar. Precisamos equilibrar nosso consumo e reduzir os resíduos. Caso contrário, corremos o risco de danos irreparáveis”, alerta Jim Leape, diretor geral do WWF Internacional, no texto que introduz o relatório.

A pegada ecológica produzida pelo avião é profunda porque as aeronaves são bem mais poluentes do que o carro. Um único vôo emite mais carbono do que meses de viagens num carro esportivo, por exemplo, mesmo sendo esse um dos tipos mais poluentes de automóvel. Mostrando uma preocupação maior com a questão do que Tony Blair, o ministro da economia da Inglaterra, Gordon Brown, duplicou a taxa de embarque paga pelos passageiros britânicos que, entretanto, pareceram não se incomodar em pagar mais para viajar de avião, mesmo nos vôos curtos, e tampouco que entenderam a verdadeira intenção da medida.

Aviões e carros são parte de uma mudança nos modos de locomoção humana, decorrente da revolução industrial. “É difícil negar direitos adquiridos pela sociedade ao longo da história. A mobilidade foi uma conquista da humanidade”, defende Karen Suassuna, técnica em mudanças climáticas do WWF-Brasil. “Não podemos frustrar as pessoas. A participação de cada indivíduo é essencial na questão das mudanças climáticas, mas, na verdade, medidas para uma vida sustentável acontecem tanto do lado do governo quanto do lado dos indivíduos”, acredita. Para ela não adianta pedir para as pessoas trocarem seus carros pela bicicleta se elas vão arriscar a vida ao fazer isso. Nesse sentido, a primeira atitude para uma vida mais sustentável é exigir a melhoria do transporte público ou a construção de ciclovias.

Criando opções de mobilidade

Para Miriam Duailibi, presidente do Instituto Ecoar para Cidadania, que trabalha com educação ambiental, o engajamento dos indivíduos em uma questão tão urgente como a do aquecimento global, cujas conseqüências afetam a todos, em todos os cantos do planeta, é fundamental. Ela diz que pequenas atitudes cotidianas, como reciclar lixo ou plantar algumas mudas de árvores são insuficientes, dada a gravidade do problema, mas nem por isso não devem ser tomadas. “É bom lembrar que todas as grandes mudanças na história da humanidade vieram de movimentos sociais: os direitos trabalhistas, os direitos das mulheres, dos negros, dos consumidores, das minorias e também as conquistas em relação à preservação ambiental”, diz. “Podemos também atuar enquanto investidores, não comprando ações de empresas que não sejam socioambientalmente corretas e, enquanto eleitores, pressionando os gestores públicos e nossos representantes no legislativo para que se comprometam com políticas radicais de diminuição de emissões, especialmente no que diz respeito ao transporte público”, completa. Anualmente um carro médio emite na atmosfera cinco toneladas de dióxido de carbono, sendo responsável por 60 a 80% da poluição atmosférica dos centros urbanos. O tráfego de veículos em nossas cidades é responsável por cerca de 80% do ruído urbano. Cinco mil bicicletas em circulação representam 6,5 toneladas a menos de poluentes no ar, dez bicicletas estacionadas ocupam a vaga de um automóvel e cinco bicicletas em movimento ocupam o espaço de um automóvel.

Na mesma linha, Nazareno Stanislau Affonso, urbanista e atual diretor da Associação Nacional do Transporte Público (ANTP) acredita que as ações individuais são capazes de gerar um movimento de opinião pública e, a partir daí, provocar mudanças. Ao mesmo tempo, entretanto, ele defende a criação de obstáculos para disciplinar o uso individual do automóvel. Em Singapura, na Ásia, há um pedágio urbano permanente, com tarifas que variam de acordo com a hora do dia e são bastante pesadas nos horários de pico. Em Bogotá, Colômbia, a gasolina foi sobretaxada em 20%. Metade do que é auferido com o tributo é destinado à expansão do transporte público, a outra metade deve ir para melhorias das vias públicas dos bairros pobres. Essa política de investimento tem o compromisso de fazer com que em 2015 os automóveis não circulem nos horários de pico em toda a cidade. “Pesquisas referentes às cidades brasileiras mostram que nas vias em que circulam o transporte coletivo, o espaço destinado para os ônibus varia de 10 a 30% do total, chegando ao valor máximo apenas em Curitiba e Porto Alegre, que efetivamente têm políticas públicas municipais de favorecimento dos corredores de transporte público sobre pneus”, explica Affonso, criador da ONG Ruaviva que trouxe para o Brasil a campanha “Na cidade sem meu carro”, que acontece mundialmente no dia 22 de setembro.

O movimento foi criado em 1998 na França. Dois anos depois surgiu o “Dia europeu sem carros”. O Brasil aderiu em 2001. Nas cidades brasileiras que participam, foram 37 no ano passado, a prefeitura delimita o perímetro urbano onde é permitida apenas a entrada de veículos essenciais, transportes públicos e bicicletas. O objetivo é promover a reflexão sobre uma cidade mais justa e agradável, onde o indivíduo seja visto como agente prioritário e a rua possa voltar a ser um ambiente de convivência e lazer. “No Brasil e no mundo, um processo histórico fez do carro agente prioritário do sistema de mobilidade das grandes cidades. Assim, ao longo dos anos foram feitos grandes investimentos para sustentar o automóvel como principal meio de transporte. Há também o poder persuasivo da mídia a serviço da indústria automobilística, que coloca o carro como símbolo de status e conforto”, explica Débora Regina Possa, geógrafa do Instituto Ruaviva. “Diante desse quadro o transporte público e coletivo ficou em segundo plano”, completa. Além da mudança de comportamento, Nazareno Affonso defende uma mudança conceitual, “No senso comum a idéia é de que a solução está no automóvel e que transporte público é coisa para pobre”, lamenta o urbanista.

Educação para o consumo

A mensagem do relatório do IPCC é clara, o planeta não tem recursos suficientes para sustentar os atuais níveis de consumo. “Não só o consumo de água e energia, mas também de produtos industrializados e de embalagens. Muito do que consumimos são coisas totalmente dispensáveis”, alerta Duailibi. Em artigo publicado no livro Meio Ambiente no Século 21, de 2003, o ambientalista Fábio Feldmann diz que se a China atingisse a média de um ou dois carros em cada garagem, como nos EUA, eles consumiriam 80 milhões de barris de petróleo por dia, quantidade maior do que o total da produção atualmente. Feldmann foi quem instituiu o rodízio de veículos na cidade de São Paulo em 1996, quando era secretário estadual do meio ambiente. O rodízio surgiu como solução de emergência para enfrentar o agravamento da poluição no inverno na capital paulista. Hoje, ao contrário da época em que foi instituída, a obrigatoriedade de deixar o carro em casa um dia na semana conta com ampla aprovação da população. Na verdade, mais do que combater um problema ambiental, o rodízio existe porque há carros demais em São Paulo e os congestionamentos se tornaram inevitáveis. “Estamos diante de um dos maiores desafios do mundo moderno, que é controlar o consumo. Enquanto muitos consideram a aquisição de bens como um direito pessoal, é preciso salientar que esse mesmo direito pode afetar a qualidade de vida de maneira geral. No fim das contas, entendo que o rodízio teve o mérito de introduzir a idéia de que parte das deficiências de infra-estrutura (no caso, o sistema viário) pode ser resolvida com mudanças de comportamento. Nos fins de semana, os paulistanos lotam as estradas em direção à praia. Se fosse feito um rodízio de carros para descer ao litoral, com horários determinados segundo as placas dos carros, a ampliação da Rodovia dos Imigrantes seria desnecessária. Milhões de reais seriam economizados”, disse o ambientalista em entrevista à revista Veja, de 28 de ferereiro deste ano.

Mudar padrões de consumo e comportamento não é um objetivo fácil de ser alcançado. “Precisamos readquirir velhos e bons hábitos como o de carregar uma sacola de compras, reutilizar roupas, objetos, tecidos, embalagens, caminhar ao ar livre etc.”, sugere Duailibi. Para ela a questão do aquecimento global, conhecida há mais de uma década, vinha sendo mantida restrita à academia, governos e especialistas. “Somente agora, com a aceleração das mudanças climáticas, a imprensa começou a se interessar pelo tema, e este drama planetário chegou ao conhecimento da população. Mesmo assim, por ser um assunto complexo, as pessoas ainda estão confusas, elas não percebem facilmente a relação entre seu modo de viver, produzir, se locomover, consumir e descartar com o aquecimento”, afirma. “Precisamos, com urgência, de um vasto e amplo programa de educação ambiental, não apenas em escolas, mas usando todos os recursos da mídia, com o objetivo de expor à população a gravidade da questão, sem catastrofismos antipedagógicos, mas apontando caminhos, exemplos, aprofundando a discussão como forma de mobilização nacional”, completa. Na opinião de Duailibi temos a nosso favor um grande know-how em campanhas de massa aliada a uma publicidade criativa e uma mídia influente. Karen Suassuna, do WWF-Brasil, concorda com ela: “A experiência com o apagão em 2001, mostrou que o brasileiro responde muito bem a campanhas de conscientização sobre o consumo”, diz. Por causa das campanhas daquela época, hoje todos sabem a vantagem das lâmpadas fluorescentes em relação às incandescentes, assim como o consumidor aprendeu a identificar o padrão de consumo de energia de uma geladeira.

Segundo dados do WWF, pequenas ações individuais podem efetivamente reduzir até um terço das emissões de gases do efeito estufa. O site da ONG traz uma lista delas: calibrar os pneus do carro para evitar o consumo excessivo de gasolina; desligar as luzes dos ambientes que não estão sendo utilizados, retirar da tomada os aparelhos em stand-by; dar preferência a frutas da estação para diminuir os gastos com transporte etc. No caso específico do Brasil, onde o principal causador de emissões de gases causadores do efeito estufa é o desmatamento, Suassuna lembra que já é possível exigir o selo FSC (sigla em inglês para Conselho de Manejo Florestal), que garante que a madeira foi retirada corretamente. “Quanto mais incentivarmos o manejo sustentável, menores serão os incentivos para desmatar”, afirma ela.