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Reportagem
Profissionais e amadores no universo da astronomia
Por Carolina Cantarino
10/08/2007
O que diferencia um astrônomo amador de um profissional? Há 400 anos Galileu construiu seu telescópio. Desde então, astrônomos compartilham suas descobertas na exploração do universo, observando o céu. Hoje essa observação é feita com sofisticados telescóspios e softwares. Os computadores ainda intensificam a comunicação entre astrônomos e a possibilidade de coordenação das observações ao redor do mundo. Se a distância entre amadores e profissionais, na astronomia, historicamente, nunca foi grande, com as novas tecnologias as fronteiras cada vez mais se confundem.

“Penso que toda descoberta de um novo corpo celeste acrescenta alguma coisa ao nosso conhecimento do cosmos. Seria como se saíssemos explorando as vizinhanças de um lugar desconhecido, tentando não deixar escapar nenhum detalhe de uma praia paradisíaca ou de um quadro com uma pintura complexa, por exemplo”, afirma Bruno Alessi, astrônomo amador que já descobriu alguns aglomerados estelares abertos (open star clusters). Tratam-se de estrelas separadas por pequenas distâncias e ligadas entre si pela força gravitacional exercida pelo próprio grupo. Essas estrelas teriam surgido de uma mesma nebulosa (nuvem de poeira e gás). Calcula-se que, na Via Láctea, existam cerca de 20 mil aglomerados estelares abertos, dos quais, hoje, apenas 400 são conhecidos. É difícil detectá-los por conta das nebulosas de matéria escura, que bloqueiam a visão.

Alessi mantém contato com astrônomos profissionais do Instituto Astronômico e Geofísico (IAG) da USP, do Observatório Astronômico de Lisboa, do Main Astronomical Observatory of the National Academy of Sciences na Ucrânia e do Institute of Astronomy of the Russian Academic Science. Para esses profissionais faz perguntas, envia sugestões e pede cópias de artigos. Alessi também fundou o Deep Sky Hunters, grupo que reúne astrônomos amadores e profissionais dedicados à busca de novos corpos celestes. Matthias Kronberger, Philipp Teutsch, Dana Patchick e outros membros do grupo descobriram, recentemente, algumas nebulosas planetárias, confirmadas por profissionais.

Do Deep Sky Hunters participam ainda os astrônomos profissionais Wilton Dias e Eric Mamajek com os quais Alessi já foi co-autor de alguns artigos sobre aglomerados estelares. “Embora tenha participado desses trabalhos, não me considero um profissional pois não tenho graduação em física, não me dedico à astronomia em tempo integral e não tenho nenhum retorno financeiro com essas atividades”. Alessi trabalha como analista-programador Java.

Ciência dos amadores?

Utilizando pequenos telescópios, a atividade dos astrônomos amadores consiste, em boa parte, na identificação e monitoramento de novos corpos celestes: cometas, asteróides, estrelas duplas e múltiplas, estrelas variáveis, aglomerados, nebulosas, novas e supernovas. Também realizam medições e refinam dados sobre objetos já conhecidos mas não muito estudados: as variações sutis do brilho de uma variável, por exemplo.

“Astrônomos amadores têm duas grandes vantagens: a capacidade de observar extensas áreas do céu repetidamente e a capacidade de manter observações por longos períodos. Em conseqüência disso, os amadores são os primeiros a descobrir eventos imprevisíveis como tempestades na atmosfera dos planetas e explosões catastróficas de estrelas. Eles competem com os profissionais na descoberta de objetos passageiros como cometas e asteróides. Muitas vezes um amador faz uma descoberta e um profissional lhe dá prosseguimento, com observações mais detalhadas ou análises teóricas, e os resultados são publicados em uma revista profissional com o amador e o profissional como co-autores”, lembra Freeman Dyson, físico e professor do Instituto de Estudos Avançados de Princeton (EUA), num artigo em que trata da relação entre astrônomos amadores e profissionais.

Para Dyson, os amadores foram historicamente importantes para constituição da astronomia enquanto ciência, e ainda têm um papel relevante na medida em que, por terem mais liberdade para experimentar, podem trazer contribuições inovadoras para a astronomia.

Além de ressaltar a importância das novas tecnologias – que, segundo ele, potencializaram a atuação dos amadores inclusive na academia – Dyson afirma que as mudanças em nossa visão do universo, causadas pelas descobertas feitas ao longo da própria trajetória da astronomia, também beneficiam o observador amador. Da visão aristotélica de um universo harmônico e imutável, passando pela explosão de estrelas observadas por Kepler ou pelas montanhas da Lua descobertas por Galileu (sem contar as implicações da revolução copernicana), o universo foi ganhando contornos mais violentos, cheio de explosões, colapsos e transformações. E ainda está em expansão acelerada. “A astronomia está menos preocupada com as coisas que não mudam e mais com as coisas que mudam rapidamente. A nova ênfase para fenômenos em rápida mutação exige observação rápida e freqüente um jogo que os amadores sérios jogam muito bem, às vezes melhor que os profissionais. É um jogo que dá aos amadores e profissionais muitas oportunidades de cooperação frutífera”, afirma Dyson.

Wilton Dias, astrônomo e professor da Universidade Federal de Itajubá, acredita nas possibilidades de cooperação mas ressalta que há muitas diferenças entre astrônomos profissionais e amadores. São necessários conhecimentos de física e matemática, por exemplo, para desenvolver as análises dos fenômenos observados em astrofísica. Como os astrônomos amadores não têm experiência e formação especialmente em física, sua atuação na compreensão e explicação dos fenômenos limita-se à observação.

“A observação é apenas uma parte do trabalho de um astrônomo profissional. Depois de observar é preciso analisar os dados com cuidado à luz da ciência. Também há astrônomos profissionais teóricos, que baseiam seus estudos principalmente em elaborar um modelo para explicar da melhor forma possível um fenômeno. Claro que depois os seus modelos precisam ser confrontados com dados observados para validação”, afirma Dias.

Se por um lado, os astrônomos amadores contribuem muito nas descobertas e monitoramento de asteróides (corpos menores do sistema solar), por outro, sua participação no campo da cosmologia, por exemplo, é quase inexistente. Para explorar a origem do universo, o nascimento de estrelas e a formação de outras galáxias, é necessário o uso de grandes telescópios espaciais (como o Hubble, capaz de observar o universo sem a interferência da atmosfera terrestre) ou terrestres (como o VLT, localizado no deserto de Atacama, no Chile). “A utilização de grandes telescópios em qualquer lugar do mundo é vinculada a um projeto científico aprovado. É preciso comprovar que o astrônomo tem condições de analisar as observações e delas obter informações científicas que serão usadas em algum estudo mais amplo”, lembra Dias.

Mas para Bruno Alessi, munido com bons equipamentos, um astrônomo amador pode fazer descobertas que sejam vultosas inclusive para a astronomia acadêmica ou profissional. “Se estiver munido de um telescópio com um equipamento que possibilite fazer fotometria (medição do brilho de um corpo celeste) de alta precisão, é possível detectar o trânsito de um planeta extra-solar ao passar à frente da estrela em torno da qual ele gira. E não é preciso um grande telescópio para isto”, aposta o amador. Essa é a principal técnica que vem sendo utilizada na descoberta de novos planetas fora do sistema solar.

Os astros na rua

“A astronomia amadora colabora, sobretudo, através da divulgação da ciência, ao levar a astronomia de uma forma direta ao público em geral. Isso é muito importante e deveria ser mais incentivado e pulverizado, uma vez que o interesse dos alunos pelas ciências exatas tem diminuído”, lembra Wilton Dias. Com esse intuito de divulgar a astronomia é que clubes espalhados por todo o país realizam cursos para iniciantes, visitas a planetários e observações do céu em lugares inusitados.

Uma vez a cada mês, integrantes do Clube de Astronomia de São Paulo (Casp) saem com seus telescópios pela cidade de São Paulo, promovendo observações em locais públicos como a avenida Paulista ou a praça do Pôr-do-Sol, em Pinheiros. Por conta da poluição luminosa, muitos desses lugares não são propícios para a observação do céu. Mas, nesse caso, o importante é colocar as pessoas em contato com um telescópio e alimentar sua curiosidade sobre a astronomia.

Telescópios na rua, foi a primeira atividade desenvolvida pelo Casp, em 2001, que se inspirou nos Sidewalk Astronomers, um clube de astronomia de São Francisco, na Califórnia (EUA). Um dos seus fundadores é John Dobson, inventor do telescópio dobsoniano e uma celebridade no mundo da astronomia amadora. Depois de se graduar em química na Universidade da Califórnia em 1943, Dobson ingressou num monastério hindu, onde viveu por 23 anos e descobriu sua paixão pela astronomia. Sem dinheiro, construiu vários telescópios utilizando material que encontrava no lixo. Acabou sendo expulso da ordem devido às constantes ausências do monastério: Dobson saia às ruas para fazer observações, disponibilizando seus telescópios às pessoas e foi assim que nasceu a chamada astronomia de calçada.

Seguindo Dobson, os integrantes do Casp promovem observações na rua utilizando telescópios construídos por eles mesmos. Pode-se dizer, aliás, que uma das paixões dos astrônomos amadores consiste na construção de equipamentos – é o que se nota visitando alguns sites pessoais. Muitos amadores disponibilizam na rede fotografias e manuais, descrevendo passo-a-passo como construíram seus equipamentos. Além da satisfação de construir o próprio telescópio boa parte do tempo consiste no polimento dos espelhos, o que pode levar alguns meses – vale a pena pela economia.