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Artigo
Esticando o tempo e voltando ao passado
Por Roberto Belisário
10/11/2007

Boa notícia para os atrasados e os apressados: é possível “dilatar” o tempo, de forma a transformar um dia em dez dias, e também viajar ao passado e depois voltar ao presente para contar a história!

Não é ficção: trata-se de possibilidades teóricas previstas pela física moderna. A dilatação do tempo acontece corriqueiramente na física subatômica; viagens para o futuro acontecem de forma natural e automática em viagens aéreas, ainda que através de intervalos de tempo minúsculos. Viagens para o passado são ainda apenas previsões teóricas, mas há quem aposte que aparecerão espontaneamente casos microscópicos e raros de “máquinas do tempo” naturais dentro do LCH, um acelerador de partículas que entrará em operação em maio de 2008.

É possível ousar mais e imaginar se, no futuro, não será possível implementar esses fenômenos em uma tecnologia cotidiana que ajude a diminuir um efeito nocivo que o próprio avanço tecnológico, indiretamente, produz: a falta de tempo, a cultura da pressa, o acúmulo de tarefas. Na verdade, a tecnologia está o tempo todo sendo usada para esse fim: máquinas para fazer serviços domésticos, computadores, automóveis e aviões, todas essas inovações têm a função principal de permitir concentrar mais tarefas em menos tempo e com menos esforço. Mas o que se pergunta aqui é se é possível usar os efeitos descritos anteriormente para manipular diretamente o tempo de modo a, ao invés de diminuir a demora das atividades humanas, “esticar” o próprio tempo, ou mesmo “andar para trás no tempo”, de modo a termos mais horas disponíveis para nossos caprichos.

A resposta não é animadora: o uso prático de tais fenômenos na vida cotidiana requer quantidades tão grandes de energia e aglomerados de matéria tão densos – trilhões de vezes maior do que a das rochas mais duras – que é virtualmente impossível com a atual tecnologia à disposição. Mas nada impede que alguma idéia brilhante e nova possa eliminar algumas limitações, como tantas vezes já aconteceu. Algumas já foram imaginadas e aumentaram um pouco as possibilidades.

Como transformar um dia em duas semanas

A dilatação do tempo chega a ser banal: acontece naturalmente e de forma automática quando se compara o ritmo do “passar do tempo” para duas pessoas deslocando-se uma em relação à outra. Trata-se de um efeito previsto pela teoria da relatividade especial, em 1905, produzida por Albert Einstein, Henri Poincaré, Hendrik Lorentz e outros, e que substituiu a mecânica de Newton, inconteste pelos 300 anos anteriores. Até então, imaginava-se o tempo como uma entidade absoluta, cujo “fluir” seria o mesmo para todos os observadores. Algo bem diferente de outros conceitos que sabemos que dependem de um referencial, como a velocidade. A rigor, a especificação da velocidade só é completa quando se diz em relação a quê. Um carro pode estar a 100 km/h em relação à estrada; mas, em relação ao Sol, estará a 180 mil km/h, acompanhando o movimento de translação da Terra ao redor dele.

O que a teoria da relatividade mostrou sobre o tempo foi que ele é tão dependente de um referencial quanto a velocidade. Se eu olho para o relógio de alguém deslocando-se em relação à mim, vejo-o andar mais lentamente que o meu; os seus batimentos cardíacos parecem (e estão) mais vagarosos; suas palavras chegam até mim mais espaçadas e sua voz mais grave, vejo-a envelhecer mais devagar e assim por diante.

Neste ponto, para os atrasados e apressados, há uma boa notícia e uma má. A má é que seria necessário que dois observadores se afastassem a 42% da velocidade da luz para produzir um atraso de apenas 10% no correr do tempo entre um e outro. Portanto, é muito difícil e caro produzir uma dilatação do tempo útil, que transforme horas em mais horas, de forma que eu não precisasse mais escrever este texto para amanhã, mas só para daqui a duas semanas. Além disso, trata-se de um efeito que acontece entre observadores. Se eu permaneço parado em relação ao editor desta revista, meu tempo flui necessariamente da mesma forma que o dele. A não ser que alguém tenha alguma idéia brilhante...

Na verdade, alguém teve uma idéia brilhante: Einstein e o matemático francês Pierre Langevin. E esta é a “notícia boa” prometida acima. Trata-se de um efeito chamado “paradoxo dos gêmeos”; Einstein previu-o em 1905 e, em 1911, Langevin colocou-o nos termos dramáticos seguintes. Imaginemos dois irmãos gêmeos, Ulisses e Penélope, sendo que Ulisses realiza uma viagem espacial em alta velocidade e volta anos depois. Segundo a previsão da relatividade, durante a viagem, Penélope observaria daqui da Terra todos os fenômenos relacionados a Ulisses mais lentos que o normal, desde as batidas do seu coração até a velocidade do seu caminhar. E isso inclui o ritmo do seu envelhecimento. De forma que, quando Ulisses retornar à Terra, estará alguns dias mais novo que Penélope.

Esse efeito já foi demonstrado substituindo-se os gêmeos por relógios atômicos, que são relógios de altíssima precisão. Em 1971, os físicos J. C. Hafele e R. E. Keating sincronizaram dois desses relógios e embarcou-se um deles em um vôo comercial ao redor do mundo, enquanto o outro permaneceu no Observatório Naval dos Estados Unidos, em Washington. O experimento foi feito duas vezes, uma num vôo de oeste para leste e outra de leste para oeste. Na primeira, o relógio atrasou-se 59 bilionésimos de segundo (59 nanossegundos) e, na segunda, adiantou 273 nanossegundos. Os resultados foram compatíveis com as previsões das equações da relatividade.

Viagens ao futuro e ao passado

A idéia de Einstein e Langevin foi boa o suficiente para se poder observar a dilatação do tempo sem grande dificuldade com velocidades perfeitamente acessíveis e vencer completamente a limitação do referencial entre eu e meu editor. Mas ela não é boa o suficiente para resolver as urgências do dia-a-dia – a velocidade envolvida teria que ser colossal. Há, porém, projetos de naves espaciais que talvez possam alcançar tais velocidades acelerando constantemente durante um longo tempo – para isso, usam como fonte de energia os raios cósmicos, que existem em qualquer lugar do espaço.

Mas, se o problema é a velocidade, a teoria da relatividade geral, feita também por Einstein e por David Hilbert entre 1905 e 1916, sugere uma forma de dilatar o tempo com os dois observadores parados: com o auxílio de campos gravitacionais intensos. Pela teoria, um observador no espaço interestelar (praticamente sem gravidade) vê tudo o que acontece quando outro observador na superfície da Terra correr mais devagar, da mesma forma que no caso de observadores em movimento. O campo gravitacional tem um efeito sobre o tempo. Mas é necessário um campo muito intenso para produzir uma diferença sensível e, para produzi-lo, seria necessário dispor de um acúmulo de matéria muito grande. Em 1976, foi medida a dilatação do tempo gravitacional entre um relógio atômico na Terra e um outro em um foguete lançado a 10 mil quilômetros de altura pelo Observatório Astrofísico Smithsonian, em Cambridge, nos EUA. O resultado foi de 4,5 partes em 10 bilhões (um desvio de apenas 0,01% em relação à previsão da teoria). Para produzir uma diferença de 10%, um objeto do tamanho da Terra teria que ter 10 elevado à 26ª potência (“1” seguido de 26 zeros) vezes o peso do nosso planeta, o que significa uma densidade só superada por um buraco negro.

E com relação à viagem no tempo? A coisa interessante com a idéia brilhante de Einstein e Langevin é que o paradoxo dos gêmeos não é apenas uma dilatação no tempo: é um deslocamento através do tempo. Podemos dizer que Ulisses, em seu périplo, viajou em direção ao futuro. Na verdade, sempre que alguém se desloca pelo espaço, desloca-se também no tempo, em relação a observadores que permanecem parados. Isso significa que estamos viajando para o futuro o tempo todo. O efeito é evidentemente diminuto demais em situações cotidianas – mas existe.

Já a volta ao passado, que seria útil para as urgências da modernidade (se não cair em mãos erradas!), é de implementação muito mais difícil. Muitas vezes, tem-se a idéia popular de que uma viagem ao passado implicaria em uma velocidade superior à da luz. Não é verdade: pode-se fazer tais viagens sem ultrapassá-la. O que se precisa nesse caso, segundo a relatividade geral, é de um campo gravitacional de formato muito exótico – o que implica em uma porção de matéria com formato igualmente exótico e extremamente densa. Esse campo produziria uma espécie de “túnel” no espaço-tempo chamado “buraco de verme” ou “buraco de minhoca”. Ele permitiria deslocamentos em grandes distâncias e/ou através do tempo. Seriam necessárias também enormes quantidades de energia para impedir que esse túnel colapsasse e se fechasse quase instantaneamente. Foi esse efeito que inspirou a “velocidade warp” da série Jornada nas Estrelas e tantos outros saltos espaciais e temporais em filmes de ficção científica.

Se assim aconteceu, assim acontecerá

Além disso, a teoria aparentemente não prevê a possibilidade de mudar o passado. Não seria possível, por exemplo, um homem voltar algumas décadas e matar a própria mãe antes de ele próprio nascer, pois esse filho não só estaria alterando um evento que já aconteceu (seu nascimento), como também impossibilitando a própria alteração. Mas as equações não impedem que essa pessoa volte no tempo e ajude sua mãe a conhecer seu pai, de modo que o nascimento ocorra. Tem-se aqui uma típica situação circular no tempo (tecnicamente, chamada “curva tipo tempo fechada” ou CTC), mas que quase não apresenta contradições lógicas (“quase” porque em algumas situações parece ser possível produzir informação a partir do nada). A ficção científica também explorou casos semelhantes, como no filme O Exterminador do Futuro, de 1984, e na sua continuação, de 1991, dirigidos por James Cameron.

De qualquer forma, “buracos de minhoca” podem ser, teoricamente, produzidos em condições extremamente energéticas, como as que acontecem nas colisões subatômicas em aceleradores de partículas. Há cientistas que acreditam que eles poderão aparecer, ainda que raramente e microscópicos, no acelerador LHC, que está sendo construído no Centro Europeu de Pesquisas (CERN), perto Genebra, na fronteira entre França e Suíça. Tais buracos de minhoca, porém, seriam demasiadamente pequenos, da ordem de um “comprimento de Planck” (ou seja, de um centésimo de quintilionésimo do diâmetro de um próton). Além disso para transformar um deles em uma máquina do tempo boa para seres humanos, seria preciso colocar uma de suas pontas em um campo gravitacional extremamente intenso, como o de uma estrela de nêutrons – e aí volta o problema de se arrumar uma porção de matéria extremamente densa.

Nada impede, porém, que alguma outra idéia brilhante e nova possa contornar algumas dessas limitações e permitir a produção de algum aparelho capaz de distorcer o tempo de forma a transformar 50 minutos em 60 minutos. Mas não terá essa possibilidade o mesmo destino dos outros “sucessos” da tecnologia no aumento do tempo livre das pessoas? Afinal, mesmo com todas essas máquinas, continuamos com falta de tempo! As pessoas continuam correndo, executivos trabalham com laptops em viagens à noite, empresários bem-sucedidos ficam em atividade 14 horas por dia. Se tivéssemos um dia de 48 horas, provavelmente a jornada de trabalho pularia para 32 horas diárias... O que pode melhorar o problema de gerenciamento do tempo não são novas inovações tecnológicas, mas uma mudança de atitude para com o trabalho e a vida.

Ao leitor interessado, o livro A evolução da física, escrito pelo próprio Einstein e por Leopold Infeld, explica as teorias da relatividade especial e geral de forma bastante compreensível para não-físicos. Uma quantidade de experimentos possíveis sobre relatividade especial utilizando material caseiro aparece no site da Feira de Ciências, de Luiz Ferraz Netto. Um especial sobre o tempo, incluindo artigos sobre física – e um de Paul Davies sobre como construir uma máquina do tempo –, apareceu na Scientific American Brasil de outubro de 2002, que foi republicada neste mês de outubro de 2007. Uma abordagem sobre viagens no tempo mais extensa e acessível a não-fisicos está no livro Máquina do tempo – um olhar científico, do físico brasileiro Mário Novello.

Roberto Belisário é doutor em física, professor de eletrônica digital e física nas Faculdades Integradas Pedro Leopoldo (MG).