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Artigo
De onde vêm os números da realidade social
Por Rodrigo Stumpf Gonzalez
10/03/2008

É comum, quando lemos um jornal, ou estamos assistindo ao noticiário na televisão tomar contato com notícias como "O Brasil subiu dois pontos no ranking do IDH da ONU ou a aprovação do presidente da República subiu dois pontos percentuais ou que a escolaridade média no Brasil melhorou nos últimos anos mas ainda está abaixo da de países como Cuba e Argentina”. Freqüentemente somos inundados com números, sem saber exatamente o que significam e de onde foram retirados.

O que essas notícias têm em comum? Todas se referem a alguma forma de indicador social. Os indicadores servem para traduzir em números situações que ocorrem na realidade, permitindo comparações entre dois momentos diferentes no mesmo local, ou entre locais diferentes, como municípios ou países.

Os indicadores são parte de uma construção teórica complexa das ciências sociais, que exige vários passos até chegar-se no resultado numérico que é apresentado na imprensa ou utilizado pelos governos.

Na base desse processo temos os conceitos. Um conceito é uma forma abstrata com a qual representamos um objeto real ou mesmo um conjunto de relações sociais intangíveis. Articulando os conceitos entre si são criadas teorias para explicar as relações sociais, ou mesmo para intervir na sociedade buscando realizar transformações.

Às vezes um conceito pode ser representado por uma palavra que é incorporada à linguagem comum, mas nem sempre como o mesmo significado dado ao conceito no seu uso científico. Por exemplo, quando dizemos que uma pessoa é educada, podemos estar nos referindo ao fato que ela é cortês no tratamento com os outros, ou tem um amplo conhecimento de diversos assuntos. Se no entanto formos transformar educação em um conceito, propondo, por exemplo, uma articulação com o conceito de renda, para afirmar que pessoas com maior nível educacional tendem a ter uma renda mais alta, temos de definir o termo de forma mais estrita. Poderíamos definir, por exemplo, como educada uma pessoa que acumula uma maior quantidade de conhecimentos e habilidades que outras na mesma comunidade.

Essa definição também é necessária se queremos transformar o conceito abstrato em algo que possa ser mensurado, quantificado. É o que se chama operacionalização do conceito. No exemplo dado, a diferenciação pode ser necessária para a tomada de decisões na aplicação de verbas governamentais, ou na concessão de determinados benefícios. Neste caso é comum passar a chamar o conceito de variável, porque ele tem propriedades que variam conforme a pessoa ou o caso.

O meio encontrado para mensurar um determinado conceito ou variável é o seu indicador. A variação do indicador nos mostra como está se comportando a variável, e através da análise dessa variação podemos conhecer melhor a realidade e tomar decisões.

Pode haver diferentes formas de operacionalizar um determinado conceito. O indicador usado para medir um determinado conceito pode provocar grandes diferenças no resultado e a escolha de qual indicador é mais adequado pode ser uma questão de debate teórico sem respostas fáceis.

Por exemplo, se o conceito que queremos operacionalizar é o de pobreza. O que define se uma pessoa é pobre? Um dos indicadores mais comuns é a renda. Alguns definem que é pobre se tem uma renda inferior a meio salário mínimo per capita por mês. Essa medida é relativamente fácil de ser feita, mas dificulta a comparação com outros países. Outras instituições consideram que é pobre que tem uma renda de menos de um dólar americano por dia. Mas ainda assim, como fica a comparação entre o campo e a cidade? Pessoas podem ter mais acesso ao dinheiro no meio urbano, mas viver em piores condições que os que vivem no campo e não tem renda, mas tem alimentos para consumir. Assim há uma terceira forma de medir pobreza, pelo número de calorias que a pessoa consome com os alimentos a que tem acesso.

Esses exemplo mostram como criar um indicador que seja aceito de forma geral não é fácil. Pode haver muita discussão se estamos realmente medindo o que queremos. Por isso, é comum que sejam utilizados índices. Um índice é construído com a utilização de diversos indicadores agregados.

Um exemplo conhecido é o Índice de Desenvolvimento Humano, da ONU. Durante muito tempo o desenvolvimento dos países foi medido por fatores econômicos, como o Produto Interno Bruto (PIB), a soma de toda a riqueza produzida no país em determinado período. Também era utilizada a renda per capita, isto é a divisão do PIB pela população do país. Mas saber que um país é mais rico realmente significa que as pessoas vivem melhor? Como alternativa foi criado o conceito de desenvolvimento humano e um índice para medi-lo, que inclui não apenas a renda, mas a escolaridade e a expectativa de vida. Desta forma, passam a ser considerados mais desenvolvidos os locais em que as pessoas não só tem uma renda melhor, mas estudam mais e vivem mais tempo.

Muitos desses indicadores são coletados através de pesquisas periódicas feitas por organizações governamentais especializadas. A mais importante do Brasil, nesse campo, é o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE. Entre as pesquisas mais importantes feitas pelo IBGE está o Censo, feito a cada dez anos, que coleta informações sobre o tamanho e as características da população brasileira. Também realiza anualmente a Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar - PNAD, que coleta informações sobre questões como escolaridade, emprego e renda da população, ano a ano. Seus dados são públicos e podem ser consultados nos seus escritórios e através da internet.

Além do IBGE há diversas outras instituições que coletam e mantêm bancos de dados sobre diversos aspectos da vida no país. Muitos estados da federação possuem instituições encarregadas de coletar e divulgar estatísticas. Por outro lado, há sistemas de informação específicos em diversas áreas. Por exemplo, o Ministério da Saúde mantém o Datasus, com informações sobre mortalidade, morbidade e outros aspectos do funcionamento do sistema de saúde. O Ministério da Justiça possui informações sobre criminalidade e violência. O Ministério das Cidades mantém o Sistema Nacional de Indicadores Urbanos, sobre a gestão dos municípios do país.

Porém, nem todos os indicadores são resultado da coleta cotidiana de estatísticas pelos institutos públicos. Muitas vezes o que se busca é a análise da opinião ou do comportamento da população em determinado momento.

Para isso é necessária a realização de uma coleta específica de dados, conhecida pelo nome de pesquisa do tipo survey. Esse tipo de pesquisa é feita com a aplicação de questionários a uma amostra que representa a população.

Nesses questionários podem ser feitas perguntas com respostas opostas, como sim e não, ou criadas escalas que permitam graduar o resultado.

Por exemplo, pode se perguntar, em relação a determinada política, se o indivíduo está satisfeito ou não. Ou diferenciar se ele está muito ou pouco satisfeito, indiferente ou muito ou pouco insatisfeito. Outra graduação possível é apresentar uma escala de 1 a 10, em que um ponto signifique satisfação e outra a insatisfação e pedir a pessoa para apontar onde ela se colocaria na escala.

Esse tipo de pesquisa é importante para compreender aspectos da cultura que interferem na vida e nas instituições do país. Quando as pesquisas são repetidas periodicamente, permitem a comparação e a identificação de mudanças.

Uma das pesquisas deste feito desenvolvida há mais tempo é o World Values Survey (Pesquisa Mundial de Valores), que se desenvolve desde a década de 1980, coordenada pelo cientista político estadunidense Ronald Inglehart e que se desenvolve em mais de uma centena de países a cada cinco anos. No Brasil, atualmente, essa pesquisa é desenvolvida pela Universidade de Brasília. Os dados das pesquisas anteriores são disponíveis on-line.

Outra fonte de informação sobre surveys, disponível no Brasil é o Centro de Estudos de Opinião Pública da Unicamp, que reúne como depositário pesquisas de opinião desenvolvidas por diferentes institutos públicos e privados no país.

A utilidade dada aos indicadores sociais pode variar. Podem ser a base de estudos acadêmicos, que tentam entender a sociedade e explicar as relações sociais. Podem ser o fundamento para a construção de políticas públicas, permitindo diagnosticar necessidades de intervenção ou avaliar seus resultados. E também podem contribuir na avaliação e mesmo no direcionamento do comportamento das lideranças políticas, quando servem de demonstração do nível de satisfação ou insatisfação da população com os rumos tomados por uma administração.

Qualquer que seja o seu uso e mesmo que muitas vezes este esteja fora de nossa percepção cotidiana, são uma importante criação das ciências sociais que podem ajudar na construção de uma sociedade melhor e mais justa.

Rodrigo Stumpf Gonzalez é cientista político, consultor do CNPq e da Capes e ex-professor da Universidade Vale do Rio Sinos (Unisinos)


Fontes de indicadores sociais

Fundação IBGE: www.ibge.gov.br
Datasus: www.datasus.gov.br
Sistema Nacional de Indicadores Urbanos: http://www.cidades.gov.br
Pesquisa Mundial de Valores: http://www.worldvaluessurvey.org
Cesop/Unicamp: http://www.cesop.unicamp.br/site/htm/apre.php