REVISTA ELETRÔNICA DE JORNALISMO CIENTÍFICO
Artigo
O Índice DNA Brasil: sistema múltiplo de indicadores
Por Geraldo Di Giovanni
Pedro Luiz Barros Silva
Norberto Dachs
Geraldo Biasoto Jr.
10/03/2008

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), criado no final da década de 1980 por Mahbub ul Haq, com a colaboração do economista indiano Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 1998, pretende ser uma medida geral e sintética, do desenvolvimento humano. Sua introdução a partir do primeiro Relatório de Desenvolvimento Humano, publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em 1990, representou uma mudança importante na maneira de visualizar o desenvolvimento, ultrapassando os aspectos exclusivamente econômicos representados pelos valores do PIB per capita, para incorporar dimensões sociais. No caso do IDH foram incluídas, além do PIB per capita, uma dimensão relacionada com a saúde, representada pela esperança de vida ao nascer, e outra relacionada com a educação, representada no início pelo índice de alfabetização numa dada sociedade e, mais tarde, por um índice educacional que combina dados de analfabetismo e a taxa bruta de matrícula em todos os níveis educacionais.

Entretanto, como ocorre com qualquer índice sintético, em particular o IDH, que considera apenas três dimensões, há limitações. Sua capacidade de retratar a situação social e econômica de uma sociedade é limitada, o que não diminui sua importância como medida de comparação. Essa característica, no entanto, limita as possibilidades desse instrumento no que diz respeito à discussão mais aprofundada e à elaboração de propostas apoiadas em perspectivas mais abrangentes.

Outro problema relacionado ao IDH foi sua forma de utilização: transformou-se num mero ranking, divulgado anualmente, com poucas conseqüências práticas para o desenvolvimento dos países, seja para servir como uma orientação para o desenvolvimento de políticas específicas, seja para balizar uma comparação efetiva entre vários estágios de desenvolvimento. Quando se parte do pressuposto que o esforço de desenvolvimento humano depende da elaboração e implementação de políticas específicas que incidam – como intervenções públicas – sobre aspectos críticos da realidade social, não se pode prescindir de formas de aferição e medida

apropriadas a cada um dos aspectos. Assim sendo, nesse aspecto, os índices sintéticos revelam escassa capacidade operacional, além de reduzirem a complexidade do desenvolvimento a um simples número.

Um sistema múltiplo de indicadores

Desde 2002, no Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da Unicamp, em face dessa espécie de “descontentamento” com os índices sintéticos foram realizadas discussões a respeito da necessidade de um sistema mais analítico e abrangente de medidas, que já era então chamado de Sistema Múltiplo de Indicadores (SMI). Após um primeiro contato com o Instituto DNA Brasil, essa discussão foi acelerada e assim optou-se pela realização de uma primeira aplicação do SMI tendo por base a análise do desenvolvimento brasileiro em perspectiva comparada, que passou a ser denominada Índice DNA Brasil. Assim sendo, a criação deste índice, que não é sintético, surgiu de uma parceria entre o Instituto DNA Brasil e o Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

No curso das discussões para a construção do índice também ficou claro que o mesmo deveria ser útil não apenas para fazer comparações do grau de desenvolvimento do Brasil com o de outros países, mas principalmente para balizar o estágio em que nos encontramos em relação ao que a sociedade brasileira possa estabelecer como o resultado de um projeto ético-político nacional para um horizonte de vinte e cinco ou cinqüenta anos. Assim sendo o desenvolvimento social poderá ser medido e comparado com uma dada configuração projetada, através de cada um dos indicadores, e de seu conjunto. Com isto o índice, representado por uma síntese preferivelmente não numérica dos vários indicadores usados em sua construção, bem como cada indicador individualmente, pode ter múltiplas utilizações que devem incluir a formulação e o acompanhamento de políticas públicas específicas. O indicador pode incluir ainda o seguimento de estratégias gerais de avanço social, e de instrumento para a mobilização de atores públicos e privados envolvidos em projetos de desenvolvimento do país.

Nossa hipótese neste trabalho é a de que a utilização quase exclusiva e predominante de indicadores sintéticos para mensurar o desenvolvimento relaciona-se com o progressivo abandono, especialmente nas economias de capitalismo tardio ou emergente, da proeminência do planejamento de longo prazo nas agendas dos governos nacionais.

Considerações metodológicas

O primeiro passo metodológico adotado foi o estabelecimento de alguns critérios para a seleção de indicadores. Assim sendo, os indicadores adotados deveriam atender as seguintes condições:

  • disponibilidade em bancos de dados de acesso público;
  • compor bancos de dados “perenes”, ou seja, um conjunto de informações que tivessem continuidade e periodicidade garantidas;
  • compor bancos de dados que tivessem alcançado credibilidade junto à comunidade cientifica, em razão da qualidade das metodologias utilizadas;
  • permitir comparações nacionais e internacionais.

Outra decisão importante foi relativa à forma de apresentação de resultados. O fato de serem os índices analíticos apresentados em sua forma final como um número, sugeria que outra forma deveria ser adotada, embora a possibilidade de utilização de um índice numérico não fosse afastada. Foi decidido que o índice principal deveria ser constituído por uma representação gráfica conjunta da situação dos indicadores que o compõem, e que os valores em cada “eixo” representassem o estágio em que o indicador se encontra em relação ao “desejado” ou “projetado” como possível num horizonte de tempo, ou ainda, como comparação com o valor do indicador em outro país. Além disso, deveria ser possível atribuir “pesos” diferentes para os indicadores. No caso do DNA Brasil a ponderação não foi utilizada, pois nessa aplicação julgou-se que as dimensões seriam apresentadas sem nenhuma hierarquia.

Optou-se, por estas razões, pela adoção de uma representação na forma de um gráfico tipo “radar” ou estrela, como o que se mostra na Figura 1, com seis indicadores hipotéticos. É importante ressaltar que o gráfico é o índice.

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Exemplo do índice com 6 indicadores

As dimensões e os indicadores

Foram escolhidas sete dimensões que deveriam constituir as áreas cobertas pelo índice. A etapa seguinte foi, para cada dimensão, escolher os indicadores. As escolhas foram limitadas em alguns casos pela disponibilidade de dados de qualidade e cobertura nacional.

É necessário frisar que a escolha das dimensões e dos indicadores correlatos não se resume a uma operação puramente “técnica”. Envolve escolhas correlatas a visões de mundo, perspectivas disciplinares e profissionais e condicionantes técnicos de natureza variada. Assim sendo, as dimensões escolhidas são algumas possibilidades de abordagem da questão do desenvolvimento. No caso, a tentativa foi tentar medir aspectos que compusessem uma visão abrangente, a qual considerasse além do aspecto econômico, aspectos sociais, culturais, ambientais, além de buscar retratar – dentro de certos parâmetros – alguns padrões de sociabilidade.

Dimensões

Indicadores de cada dimensão

1. Bem-estar econômico

Renda per capita

Relação entre as remunerações médias das mulheres e dos homens

Relação entre as remunerações médias de negros e brancos

Taxa de ocupação formal

2. Competitividade econômica

Participação do Brasil nas exportações mundiais

Participação de produtos de média e alta intensidade tecnológica na pauta de exportações

3. Condições socio-ambientais

Instalações adequadas de esgotamento sanitário

Destino adequado do lixo urbano

Tratamento do esgoto sanitário

4. Educação

Taxa de escolarização líquida no ensino médio

Concluintes do ensino médio na idade esperada

Desempenho no PISA, Programa Internacional para Avaliação do Estudante

5. Estado de saúde da população

Anos potenciais de vida perdidos (APVP)

Mortalidade infantil

Coeficientes de mortalidade por acidentes cardiovasculares (ACV´s) e acidentes vasculares cerebrais (AVC´s)

6. Proteção social básica

Cobertura previdenciária para maiores de 65 anos

Financiamento da atenção à saúde

7. Coesão social

Distribuição de renda interpessoal

Morte por homicídio em homens, na faixa de 15 a 24 anos de idade

Percentual de adolescentes que são mães

Justiça Tributária

Tabela 1 – Indicadores que compõe cada uma das sete dimensões

Em cada uma dessas dimensões constam, portanto, os indicadores supracitados para os quais foi elaborada uma ficha técnica da qual constavam observações sobre as suas possibilidades de utilização, seus limites e características técnicas, além, é obvio, do seu significado naquela dimensão.

A construção do índice

Para a construção do índice são necessários, além dos valores dos indicadores para o Brasil, valores de comparação. A fim de obter esses valores de comparação, foi feito um exercício com 44 participantes em um evento. Eles representaram um corte muito especial da sociedade brasileira, sendo pessoas de destaques em suas áreas, variando desde uma jovem diretora de uma ONG até uma ministra de Estado, incluindo também intelectuais e artistas de renome, ex-ministros e empresários importantes, e líderes sindicais. (Para ver a lista completa clique aqui)

Foram apresentados aos participantes do evento o índice criado usando os valores dos indicadores no nosso país referidos aproximadamente aos anos de 1990 e 2000 e, em seguida, dados relativos à Espanha. A despeito da diferença nas dimensões territorial e populacional em relação ao Brasil, a Espanha foi escolhida por ser um país membro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e que, portanto, possui fontes de dados para os indicadores escolhidos. Além disso, tem muitas características culturais semelhantes às brasileiras, e também vivenciou um longo período de regime político autoritário do qual saiu há cerca de 30 anos. É relevante também o fato de ter experimentado um processo de enorme progresso econômico e social nas últimas décadas.

Com esses elementos foi pedido aos participantes que sinalizassem para cada indicador um valor que na sua opinião o Brasil deveria aspirar como meta num horizonte de 25 anos. Este valor deveria refletir uma expressão do que seria desejável e também possível ao país atingir nesse período. Na Tabela 2 são apresentados os valores dos 24 indicadores no Brasil para o período de 2002/2003 e a média dos valores escolhidos pelos 45 participantes.

Indicador

Brasil 2002/3 Desejável Razão

Renda per capita ($ PPC)

7790
22501

0,346

Razão de renda entre mulheres e homens

0,690
0,908
0,760

Razão de renda entre negros e brancos

0,500
0,874
0,572

Taxa de ocupação formal

31,0%
62,0%
0,500

Partipação nas exportações mundiais

1,05%
3,58%
0,293

Porc. de média/alta teconologia nas export.

49,2%
63,5%
0,775

Esgotamento sanitário (% população servida)

65,7%
93,8%
0,700

Destino adequado do lixo urbano

41,0%
87,1%
0,471

Esgoto tratado

41,6%
87,3%
0,477

Taxa de escolarização líquida no ensino médio

40,1%
84,6%
0,474

Concluintes ensino médio na idade esperada

22,3%
67,0%
0,333

Resultado no PISA

0,166
0,574
0,289

APVP por mil – homens

178,0
77,7
0,437

APVP por mil – mulheres

98,0
41,6
0,424

Coeficiente de mortalidade infantil

33
7,8
0,236

Coef. de mortalidade por ACV – homens

1034,0
486,3
0,470

Coef. de mortalidade por ACV - mulheres

593,0
340,0
0,573

Cobertura previdenciária (65 anos e mais)

86,7%
93,3%
0,929

Gasto per capita em saúde ($ PPC)

611,0
1343,0
0,455

Porcentagem do gasto público em saúde

46,0%
65,7%
0,700

Desigualdade de renda (razão 20/20)

24,0
13,7
0,571

Coef. de mort. por homic. (homens 15 a 24)

385,1
62,3
0,162

Porc. de mulheres adolescentes mães

8,45%
3,6%
0,426

Justiça tributária

0,209 0,450 0,464
Tabela 2 – Os indicadores, seus valores no Brasil, a média dos valores escolhidos como possíveis
e desejáveis num horizonte de 25 anos e a razão entre eles

As razões apresentadas na Tabela 2 são então usadas para construir o indicador, na forma de “estrela”, como descrito no item sobre considerações metodológicas. O resultado é mostrado na Figura 2 (abaixo), usando cores diferentes para cada uma das sete dimensões consideradas.

Os participantes, demonstrando quanto o reducionismo está enraizado em nossa forma de pensar, pediram que o resultado fosse também apresentado na forma de um único “número”. Com esse objetivo foi calculada a médias das 24 razões, obtendo-se o valor 0,476 que também pode ser apresentado na forma de porcentagem, ou seja, 47,6%. Se for realmente desejado apresentar apenas um valor como resumo será importante explicitar também os “pesos” relativos dos diferentes indicadores, ou seja uma medida da importância relativa atribuída a eles no conjunto considerado.

A imagem “http://www.labjor.unicamp.br/comciencia/img/indicadores/AR_Geraldo/figura2.jpg” contém erros e não pode ser exibida.
O Indice DNA Brasil para 2004 - Clique para empliar

Conclusão

A idéia de desenvolver um sistema de indicadores múltiplos para balizar o esforço de desenvolvimento, além de ser uma tentativa de contribuição para o conhecimento acadêmico de índices e medidas socioeconômicas, tem um sentido fortemente pragmático. A organização de indicadores em torno de dimensões estratégicas tem a finalidade de ser uma forma de indicar, no tempo e comparativamente, alguns loci para implementação de políticas públicas. Visa também permitir a identificação de políticas, programas ou projetos capazes enfrentar os desafios do desenvolvimento brasileiro, contribuir para o monitoramento e avaliação permanentes das políticas públicas nesse campo. Além disso, a divulgação periódica de resultados visa e suscita, no interior da sociedade, o debate sobre questões vinculadas ao desenvolvimento, oferecendo possibilidades de acompanhamento e medida.

Geraldo Di Giovanni, Pedro Luiz Barros Silva e Geraldo Biasoto Jr. são professores no Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas. Norberto Dachs é professor do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica da mesma universidade. Todos os quatro autores também são pesquisadores do Núcleo de Políticas Públicas (NEPP) da Unicamp.