REVISTA ELETRÔNICA DE JORNALISMO CIENTÍFICO
Dossiê Anteriores Notícias Reportagens Especiais HumorComCiência Quem Somos
Dossiê
Editorial
Indicadores de C, T & I e de cultura científica - Carlos Vogt
Reportagens
A história da arte de mensurar
Cristina Caldas
A impossibilidade de medir tudo sob o sol
Luciano Valente
Risco país: subjetividade e política
Rafael Evangelista
Acesso à informação e gestão de saúde
Germana Barata
Divergências políticas e indicadores educacionais
Carolina Justo
Artigos
De onde vêm os números da realidade social
Rodrigo Stumpf Gonzalez
Indicadores sociais e as políticas públicas no Brasil
Paulo de Martino Jannuzzi
O Índice DNA Brasil: sistema múltiplo de indicadores
Geraldo Di Giovanni
Pedro Luiz Barros Silva
Norberto Dachs
Geraldo Biasoto Jr.
Tecnologias de informação e subjetividade contemporânea
Fernanda Bruno
A contribuição do IBI para os indicadores de inovação em empresas
André Tosi Furtado
Edilaine Venancio Camillo
A qualidade de vida urbana em números
Maria Inês Pedrosa Nahas
Resenha
A derrocada do mundo dos espertos
Por Fábio Reynol
Entrevista
Flávio Comim
Entrevistado por Por Luiz Paulo Juttel
Poema
Jogos inúteis
Carlos Vogt
Humor
HumorComCiencia
João Garcia
    Versão para impressão       Enviar por email       Compartilhar no Twitter       Compartilhar no Facebook
Artigo
A contribuição do IBI para os indicadores de inovação em empresas
Por André Tosi Furtado
Edilaine Venancio Camillo
10/03/2008

As empresas são responsáveis por parcela substancial dos esforços de P&D e respondem quase exclusivamente pela introdução das inovações na economia. No entanto, os indicadores de ciência e tecnologia para esse segmento da economia ainda estão pouco estabelecidos, porque tais indicadores foram inicialmente concebidos para mensurar as atividades científicas e tecnológicas de instituições públicas de pesquisa.

Os indicadores de ciência e tecnologia são normalmente subdivididos entre indicadores de insumo e indicadores de produto. Essa separação reflete, em certa medida, a aplicação do modelo conceitual da economia às atividades científica, tecnológica e de inovação. O uso do modelo insumo-produto para mensurar o desempenho dessas atividades é problemática porque os indicadores de C&T são quase sempre parciais e incompletos (Freeman e Soete, 2007; Godin, 2007).

O Manual Frascati foi elaborado pela OCDE, na década de 60, para uniformizar as metodologias de mensuração das atividades de P&D dos países desenvolvidos. Esse conjunto engloba as atividades de pesquisa básica, pesquisa aplicada e desenvolvimento experimental. As empresas foram também contempladas por essa metodologia. A grande dificuldade metodológica desse levantamento consiste em querer separar cada uma dessas atividades entre si, e de diferenciá-las das demais, muito próximas, tais como a pesquisa mineral, a busca e catalogação de informação científica e tecnológica, o levantamento de informações ambientais e socioeconômicas, a normalização técnica, o ensino superior, que fazem parte das atividades científicas e tecnológicas, mas não consideradas como P&D.

A intensidade de P&D é o indicador mais usado para medir o esforço de P&D em empresas. Ele consiste na razão entre o gasto de P&D de uma determinada empresa e as suas vendas ou valor adicionado. Esse indicador varia substancialmente de acordo com o setor industrial. Isto se deve ao fato de que empresas de setores industriais distintos incorporam tecnologia de forma diferenciada, seja essa tecnologia gerada de maneira isolada ou em colaboração com outras empresas ou universidades e centros de pesquisa (Pavitt, 1984).

Para as empresas, no entanto, o levantamento da P&D é parcial porque ela representa apenas uma parcela do conjunto de atividades que elas realizam para inovar. Por essa razão, o Manual de Oslo, editado pela OCDE na década de 90, introduziu o conceito de atividades inovativas, que compreende, além de P&D, os gastos com treinamento, aquisição de conhecimentos externos, equipamentos, projeto industrial, software e comercialização.

Os indicadores de produto são considerados ainda mais problemáticos. Para mensurar os resultados das atividades tecnológicas das empresas, o indicador mais comum é o número de patentes registradas. No entanto, a patente está longe de possuir um valor homogêneo em termos de impacto econômico. Uma parcela substancial das patentes não chega sequer a ser comercializada porque as empresas e os demais inventores têm estratégias diferenciadas em relação a elas. Algumas vezes as empresas depositam patentes para confundir os seus concorrentes. Muitos inventores não conseguem comercializar suas invenções. Além do mais, as patentes comercializadas têm pesos distintos. Algumas têm grande impacto econômico, outras um impacto muito menor. Por isso, a patente não é sempre um bom indicador da inovação.

O Manual de Oslo buscou responder ao desafio da mensuração dos resultados da inovação criando novos indicadores. O mais importante deles consiste na mensuração da parcela da receita líquida das empresas atribuíveis às inovações tecnológicas de produto introduzidas pela empresa. Entretanto, as pesquisas de inovação não criaram um indicador semelhante para as inovações de processo, deixando de lado essa importante dimensão da inovação tecnológica.

Quando se pretende aplicar tais indicadores ao contexto brasileiro, enfrentam-se sérios desafios. O primeiro reside na ausência de tradição no país no levantamento de informações sobre ciência e tecnologia, principalmente no segmento empresarial. Até recentemente, os dados sobre dispêndios em P&D do setor produtivo eram levantados pela Anpei a partir de um conjunto pouco representativo de empresas. Essas informações eram usadas para calcular a contribuição das empresas ao dispêndio total de P&D do país. Um grande passo foi realizado, em matéria de estatísticas de P&D empresarial, quando o IBGE começou a realizar a Pintec (Pesquisa de Inovação Tecnológica), cuja primeira edição refere-se ao ano base de 2000. A segunda dificuldade consiste na baixa propensão das empresas em realizar dispêndios de P&D ou em utilizar mecanismos de proteção à propriedade intelectual, como a patente. Isso torna os dois indicadores clássicos da inovação insuficientes ao contexto nacional.

Outro óbice importante consiste na ausência de tradição no uso de tais indicadores pelas empresas para aferir o seu desempenho. Nos países desenvolvidos existe uma certa tradição de divulgar esses dados para que eles possam servir de parâmetro na avaliação do desempenho empresarial. As grandes empresas estrangeiras publicam tradicionalmente seus gastos com P&D em seus balanços, o que possibilita a divulgação dessas informações nos “R&D Scoreboard”. No entanto, são poucas as empresas brasileiras que fazem o mesmo. Apenas 3 empresas brasileiras1 são encontradas entre as 1250 empresas não britânicas que compõem o ranking de 2007 das empresas que mais gastam com P&D no mundo (Department for Innovation, Universities and Skills, 2008).

Para preencher o vazio existente em matéria de indicadores, em nível empresarial, surgiu no Brasil a iniciativa do IBI liderada por um grupo de pesquisadores do Departamento de Política Científica e Tecnológica do IG-Unicamp, e apoiada pelo Instituto Uniemp e pela Fapesp. O IBI colocou-se a meta de proporcionar um indicador que permitisse ordenar as empresas por grau de inovatividade.

Na verdade, graças à Pintec do IBGE, foi possível, pela primeira vez, levantar um conjunto muito amplo de informações sobre atividades inovativas, a ocorrência de inovações e seus desdobramentos na atividade empresarial, respaldada pelos manuais de Oslo e Frascati2. Todavia, a Pintec não permite publicar informações individuais porque, como as demais pesquisas, ela está coberta pela clausula de sigilo dos dados. Por essa razão existe uma grande carência de dados individuais de empresa, que possibilite ordená-las por grau de inovatividade.

Colocou-se ao grupo de pesquisadores o desafio de oferecer informações mais personalizadas em matéria de inovação sem ferir a quase natural propensão das empresas brasileiras em não divulgarem esse tipo de informação. Ao mesmo tempo, os indicadores veiculados em ambientes empresarias dos países desenvolvidos, como intensidade de P&D ou número de patentes, revelavam-se de escassa utilidade no contexto nacional. A esse aparente conflito de interesses, buscou-se responder oferecendo uma solução singular.

Ao desafio estabelecido pela necessidade de se gerar um indicador que refletisse de forma mais abrangente o processo de inovação dentro da empresa, tratou-se de responder propondo um índice composto que abordasse amplos aspectos da inovação, de esforços a resultados. Ao todo o indicador composto do IBI contém 16 variáveis que retratam tanto aspectos dos esforços inovativos quanto de seus resultados3. Essa multiplicidade de aspectos seria mais apta em captar peculiaridades da inovação em contextos nacionais como o nosso, para os quais os indicadores tradicionais teriam menor aderência. Ademais, esses indicadores estão ancorados em metodologias internacionalmente consolidadas como o Manual de Oslo.

A idéia do índice composto não era nova, ela já havia sido ensaiada na Comunidade Européia para ordenar os países por grau de inovatividade (European Commission, 2003; Grupp e Moggee, 2004). Entretanto, o IBI foi mais longe ao propor um princípio valorativo adicional que premia o equilíbrio entre os indicadores de esforços e de resultados da inovação. Um indicador específico foi gerado para valorizar a proximidade entre esforços e resultados.

A construção do índice deveria atender à necessidade de não revelar os dados considerados muitas vezes sigilosos pelas empresas. A solução encontrada pelo índice foi bastante simples. O indicador composto não permitiria a identificação dos seus componentes. Em compensação, a fórmula seria completamente transparente e possibilitaria que as empresas confirmassem os cálculos do seu respectivo IBI.

Para não onerar as empresas com o preenchimento de extensos questionários e, ao mesmo tempo, dar maior consistência aos dados oferecidos pelas empresas, optou-se pelo uso das respostas oferecidas por elas ao questionário da Pintec do IBGE. No entanto, por esses dados não serem públicos, adotou-se um procedimento singular. As empresas solicitam o questionário respondido ao IBGE e de posse dele o entregam ao IBI como parte dos procedimentos de adesão. Conseqüentemente, o índice mensura apenas as empresas que aderem voluntariamente a ele. O ranking, que é o resultado final, só é divulgado para as três primeiras empresas colocadas em cada grande grupo de setores de alta, média-alta, média-baixa e baixa intensidade tecnológica4.

As dificuldades encontradas para a construção de um índice que permitisse agregar 16 variáveis com comportamento e escalas distintas e, ao mesmo tempo, respondesse aos desafios colocados pelas diferenças existentes entre as empresas de ordem setorial e de tamanho, não eram triviais. Buscou-se na construção do IBI um mecanismo de normalização que possibilitasse a comparação entre semelhantes. Os indicadores primários foram sempre de intensidade relacionando-se dispêndio com receita líquida ou pessoas por número de empregados da empresa. Com isso eliminava-se a natural diferença entre a pequena e a grande empresa.

Por outro lado, no processo de normalização o indicador é sempre comparado a sua média setorial para eliminar a reconhecida variabilidade que existe entre os setores em termos de esforços e de resultados. Neste aspecto, o IBI trouxe uma solução original, quando é comparado a outros índices de inovação usados pelo Eurostat e a outros indicadores compostos como o IDH, na normalização em relação ao grupo. Normalmente, usa-se o conjunto de indivíduos que compõem o índice para essa finalidade. Dado que haveria necessariamente um pequeno número de empresas aderentes ao índice frente ao elevado número de setores que existe a 2 dígitos na indústria5, optou-se por usar as médias setoriais obtidas pelo IBGE. Assim cada indicador primário da empresa é comparado com a sua efetiva média setorial. Isso torna o índice ainda mais instrutivo porque a empresa é comparada a todo o universo das empresas do seu setor.

Além de dados da Pintec-IBGE, o índice alimenta-se de informações de dados de depósitos e registros de patentes no INPI. Tanto os dados do IBGE quanto do INPI requerem tabulações específicas para o cálculo das médias setoriais a 2 dígitos que demandam um elevado volume trabalho e de tempo de espera. O IBI foi lançado pioneiramente em 2007 a partir da segunda Pintec 2003. Foram divulgadas 12 empresas concorrentes que se posicionaram nos 3 primeiros lugares dos 4 grandes setores.

A nova Pintec 2005 foi divulgada em meados de 2007. Com base nessa nova pesquisa, as inscrições para o IBI estão abertas até 25 de abril de 2007. As novidades consistem sobretudo na introdução dos setores de software, telecomunicações e a indústria extrativa mineral no índice6.


Notas

1 Essas empresas são, por ordem, a Petrobras, a Vale do Rio Doce e a Embraer.
2 A Pintec foi construída apoiando-se nos princípios do Manual de Oslo e nos questionários elaborado pela CIS (Community Innovatio Survey). No entanto, essa pesquisa também é usada para levantar os dados de dispêndio e de recursos humanos em P&D das empresas, cuja definição se encontra no Manual Frascati.
3 Essas variáveis são apresentadas no Manual do IBI.
4 Essa classificação dos setores é elaborada a partir dos dados de intensidade de P&D (dispêndio em P&D interna/receita líquida) publicados pela Pintec.
5 O IBGE utiliza a CNAE para classificar as empresas industriais. Essa classificação que vai até 4 dígitos, subdivide a indústria de transformação em 23 setores a 2 dígitos.
6 As informações sobre como aderir ao IBI estão disponíveis no sítio www.revistainovacao.uniemp.br.

Referências Bibliográficas

Department for Innovation, Universities & Skills (2008) The 2007 R&D Scoreboard, The top 850 UK and 1250 global companies by R&D investment. www.innovation.gov.uk.
EUROPEAN COMMISSION (2003) Third European Report on Science & Technology Indicators 2003, Towards a knowledge-based economy, Directorate-General for Research, Knowledge-based economy and society; K3 - Competitiveness, economic analysis and indicators, Brussels.
FREEMAN, C. & SOETE, L. (2007) Developing science, technology and innovation indicators: what we can learn from the past. UNU-MERIT, Working Papers Series, nº 1.
GODIN, B. (2007) “Science, accounting and statistics: the input–output framework”, Research Policy, vol. 36, pp. 1388–1403.
GRUPP, H. e MOGEE, M.E. (2004) “Indicators for national science and technology policy: how robust are composite indicators?”, Research Policy, vol. 33, pp. 1373–1384.
OCDE (1997) Manual de Oslo, Proposta de diretrizes para coleta e interpretação de dados sobre inovação tecnológica, versão portuguesa, FINEP, Rio de Janeiro, 2004.
OECD (2002) Frascati Manual 2002, The measurement of scientific and technological activities, proposed standard practice for surveys on research and experimental development, OCDE, Paris.
PAVITT, K. (1984) “Sectoral patterns of technical change: towards a taxonomy and a theory”, Research Policy, vol. 13, no. 6, pp. 343-73.