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Reportagem
Bastidores das pesquisas em percepção pública
Por Luiz Paulo Juttel, com colaboração de Adriana Lima
10/07/2008

Dados do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) mostram que 41% dos 2000 brasileiros entrevistados em 2006 são muito interessados por ciência e tecnologia. Essa informação foi extraída de uma das maiores pesquisas de pesquisa de percepção pública da ciência realizada no país. São os resultados dessas pesquisas, que têm crescido nos últimos anos, que subsidiam algumas políticas públicas relacionadas à divulgação científica. Se tais dados são amplamente difundidos, o mesmo não tem ocorrido com o processo de planejamento e execução das enquetes de opinião pública que resultam nos dados percentuais. Nesta reportagem vamos aos bastidores desse processo, trazendo à tona os principais desafios enfrentados pelos pesquisadores.

http://www.labjor.unicamp.br/comciencia/img/divulgacao/rp_luiz_paulo/imagem1.jpg
Escolha do público e treinamento dos entrevistadores são fundamentais
nas pesquisas de percepção.
Crédito: Rogério Kreidlow

Para Carmelo Polino, pesquisador de percepção pública da ciência da Rede Iberoamericana de Ciência e Tecnologia (Ricyt) na Argentina, os desafios já começam na elaboração dos formulários de pesquisa. “É importante ter bem claro os objetivos de investigação chamados por Noelle-Neumann, uma clássica pesquisadora de estudos de opinião, de 'perguntas de programa'. Estas perguntas precisam ser traduzidas em 'perguntas de prova' que nos dirão como averiguar o que queremos saber. Ambas as perguntas são fatores capitais para o bom desenho metodológico da medição”.

A eleição e formulação das perguntas específicas é realmente um ponto chave da construção de questionários de percepção pública da ciência. A formulação ideal, que evite ao máximo a ocorrência de erros induzidos, a elaboração de indicadores e escalas de medição adequadas e até mesmo a forma como as perguntas estarão ordenadas no questionário são fatores que precisam ser levados em consideração pelos pesquisadores para diminuir ao máximo as distorções no resultado final. Até o tamanho do formulário precisa ser cuidadosamente calculado para evitar que as pessoas se cansem e passem a responder as questões de qualquer jeito, simplesmente para terminar a entrevista o mais rápido possível. Por exemplo, na recente enquete de percepção feita pela equipe do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp, o tempo médio de entrevista foi de 35 a 45 minutos.

Essa pesquisa integra o "Projeto Ibero América de Percepção Pública da Ciência" que o Labjor desenvolve junto com a Ricyt. Participaram da pesquisa, além do Brasil, mais sete países: Colômbia, Argentina, Venezuela, Espanha, Panamá, Chile e Portugal, sendo que este último participou da organização mas não aplicou a pesquisa. As análises e resultados serão divulgados na segunda edição do livro de Indicadores de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, a ser lançado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) ainda este ano. Na primeira edição, em 2005, o livro traz no capítulo 12, “Percepção pública da ciência: uma revisão metodológica e resultados para São Paulo”, os esforços do Labjor em desenvolver indicadores de percepção pública da C&T, os estudos de caso em três municípios de São Paulo e as convergências entre os resultados das pesquisas realizadas em São Paulo e em outros países. Os trabalhos desenvolvidos pela equipe do Labjor integram-se também às pesquisas desenvolvidas na London School of Economics coordenadas pelo professor Martin Bauer.

Público pesquisado e modelo de déficit

Um segundo aspecto a ser analisado por quem executa uma pesquisa de percepção pública da ciência é a escolha do público a ser entrevistado. Qual é a amostra base adequada para representar de forma fidedigna a população que se busca estudar? Alguns estudos mostram que enquetes de opinião, nas quais a amostra é formada em grande parte por homens ou pessoas de situação financeira mais elevada, tendem a gerar resultados bem diferentes de amostras com outras características. Os mesmos estudos apontam os fatores culturais e cognitivos das pessoas pesquisadas como responsável pelas diferenças nos resultados.

Uma pesquisa de Dan M. Kahn, professor da Yale Law School, reforça essa tese. Kahn analisou a percepção do risco associado à nanotecnologia para 1600 norte-americanos de ambos os sexos, com bom nível educacional e de diferentes grupos étnicos. Tais pessoas foram divididas em dois grupos. Para um deles as perguntas de percepção foram feitas sem que seus membros tivessem acesso à informação alguma sobre o tema. Para o outro, o questionário foi aplicado depois delas terem contato com certa quantidade de informação.

No grupo que não recebeu informação a percepção de risco da nanotecnologia se diversificou conforme o gênero dos entrevistados. Homens consideraram baixo o risco da nanotecnologia uma vez comparados a mulheres em mesmas condições. Nesse grupo não houve diferença de percepção entre os gêneros. Já no grupo que obteve informação prévia sobre nanotecnologia, a percepção de risco foi menor entre os homens e maior entre as mulheres.

Os resultados obtidos por Kahn servem de crítica ao chamado “modelo de déficit”. Pois, eles mostram que não há uma relação direta entre o acesso à informação e a classificação positiva do risco da nanotecnologia pelos vários grupos populacionais. Kahn também alega em seu estudo que a informação que chega à população não é neutra, objetiva e capaz de derrubar posições obscurantistas, como prega tal modelo por ele criticado. “A informação passa por filtros culturais e políticos de cada indivíduo e isso pode gerar diferentes percepções”, diz Kahn.

O fato é que, ao longo da história das pesquisas de percepção, uma série de críticas tem sido feita ao “modelo de déficit” e ao seu impacto na divulgação científica na tentativa de melhorar os indicadores das enquetes. Escapar a esse modelo tem sido um desafio enfrentado por muitos pesquisadores e divulgadores, que pretendem pensar a divulgação e a percepção pública para além da informação. Isso não significa negar a importância da informação, visto que os índices oferecidos pelas pesquisas anteriores, como lembra o pesquisador do Labjor Yurij Castelfranchi, são considerados preocupantes. “Os Estados Unidos estão entre os países com pior nível de alfabetização científica, mas as pessoas têm grande confiança em relação à ciência e suas aplicações. Já na Europa, vários estudos mostraram que os melhores níveis de conhecimento científico se tornam às vezes sinônimos de um maior nível de atenção crítica e preocupação em relação a alguns setores da ciência contemporânea e seu impacto social”.

Outras influências nos resultados das enquetes

Se a escolha do público reflete no resultado de uma pesquisa de percepção pública da ciência, o trabalho do entrevistador também pode pôr tudo a perder. “Treinamento adequado aos entrevistadores é algo importante. Pois, muitas vezes, eles incidem negativamente no resultado de uma pesquisa ao colaborar de forma imprópria, expondo suas opiniões enquanto ajuda o entrevistado a responder”, afirma Carmelo Polino.

No artigo “Transgênicos e percepção pública da ciência no Brasil” a professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Julia Silvia Guivant, aponta outros fatores que podem gerar distorções em pesquisas de percepção pública da ciência. Entre eles estão a forma em que é realizada a pesquisa (por telefone, comum nos Estados Unidos ou face a face como ocorre na América Latina e Europa) e a informação básica oferecida aos entrevistados. Como exemplo deste último Guivant cita o caso do termo “biotecnologia” que tem sido mais bem aceito em alguns países do que o termo “organismos geneticamente modificados”.

No entanto, quando o planejamento da pesquisa e a supervisão do trabalho de campo são bem executados, as pesquisas de percepção geram bons indicadores que possibilitam a formulação de políticas públicas bem informadas. “Se um governo quer fomentar a leitura de livros de divulgação científica, por exemplo, é importante dispor de uma base empírica que diga qual a relação do público com esses conteúdos comunicativos”, afirma Polino.

Padrão nas pesquisas de percepção na ibero-américa

Desde 2005, a equipe da Ricyt que trabalha com percepção pública de ciência, no Brasil liderada pelo Labjor-Unicamp, enfrentou um novo desafio: encontrar um questionário padrão que possa ser aplicado simultaneamente em todos os países participantes do projeto. É que, segundo eles, não adianta aplicar questionários de percepção isolados sem criar uma forma de comparação dos resultados entre os países.

Em reunião ocorrida em abril deste ano em Campinas, pesquisadores de vários países membros analisaram todas as pesquisas realizadas dentro do projeto na busca da unificação dos questionários.

Nessa reunião foram estabelecidos quatro eixos de análise para as próximas pesquisas. São eles: interesse e informação em C&T, valorações e atitudes sobre C&T, apropriação individual e social da C&T e, cidadania e políticas públicas de C&T. O grupo pretende lançar em breve um manual que oriente futuros estudos dessa espécie.

Mas essa equipe sabe que realizar pesquisas sobre percepção pública com uma enquete única em diferentes países, exige a compreensão em relação às especificidades de cada país ou região. O possível entendimento das perguntas devido às diferenças culturais deve ser observado, assim como fatos científicos ou políticos ocorridos no período de realização da pesquisa podem influenciar aqueles que são diretamente afetados por essas questões.

O que não pode ocorrer é a interrupção da seqüência de pesquisas, pois, “a verdadeira utilidade das pesquisas de percepção pública da ciência se revela quando se realizam seqüências temporais de enquetes. Aí é que se tem a possibilidade de analisar, por exemplo, o que mudou na percepção de gerações sobre certas questões de capital importância para as sociedades. Todavia, a América Latina está prematura nisso. Os estudos precisam continuar e os pesquisadores precisam se comprometer com eles”, conclui Polino.