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Reportagem
Que lugar resta ao livro na universidade?
Por Germana Barata
10/11/2008

Os cientistas nunca foram tão cobrados a publicar, e os índices de impacto e de produção científica jamais foram tão valorizados. Crescem com eles o número de co-autores por artigo, estratégias para publicar em periódicos científicos de alto impacto e até gratificações para que as universidades garantam um lugar melhor nos rankings das melhores do país ou do mundo. Estaria a ciência se transformando em commodity, como propuseram os autores de recente artigo na Plos Medicine ? O aumento da participação brasileira na produção científica mundial, que em 2007 chegou a 2%, acompanha o desenvolvimento de ciência de qualidade ou, como acredita Lindsay Waters, editor executivo da área de ciências humanas da centenária Editora da Universidade de Harvard, tamanha quantidade reflete apenas a perda do valor intelectual? Com a hipervalorização dos artigos científicos, que lugar resta para os livros na produção acadêmica?

Apesar da enorme demanda por artigos científicos, as editoras universitárias nacionais apostam nos livros como ferramentas fundamentais para a produção do conhecimento. A publicação de periódicos é secundária e, muitas vezes, inexistente. Em pesquisa sobre os periódicos produzidos por editoras universitárias, Silvana Schultze, à época coordenadora editorial de periódicos científicos da Universidade Presbiteriana Mackenzie, concluiu que as maiores dificuldades de se investir nessas publicações são a falta de regularidade, problemas de avaliação do conteúdo e o caráter fortemente institucional, que prejudica a conquista de autores de outras instituições e regiões. Há ainda a concorrência voraz por visibilidade num mar de publicações, sendo que as de alcance internacional acabam tendo espaço privilegiado, especialmente em determinadas áreas do conhecimento, como nas biomédicas e exatas.

Flávia Gloulart Mota Garcia Rosa, diretora da editora da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e vice-presidente da Associação Brasileira de Editoras Universitárias (Abeu), atribui a baixa prioridade de publicação de periódicos à tardia origem de editoras universitárias no país – a editora mais antiga, da Universidade Federal de Pernambuco, surgiu em 1955. Aos poucos, as editoras fortaleceram parcerias com cursos de pós-graduação que alavancam a criação de publicações em áreas afins. Indicação disso são os dados do estudo de Schultze, segundo os quais 54% das editoras analisadas produzem periódicos apenas na área de humanas, com tradição de publicar, sobretudo, em periódicos nacionais. Os meios digitais parecem ser uma boa alternativa para minimizar grande parte dos obstáculos na produção de periódicos nas universidades. “É inconcebível, hoje, não se investir na forma eletrônica dos periódicos”, defende Garcia Rosa.

Márcia Triunfol, bióloga molecular e fundadora da empresa Publicase, concorda que os formatos digitais, como os periódicos científicos têm feito, são uma das grandes saídas, já que em tempos de mídia eletrônica, o livro fica defasado em três meses. “O livro é um dinheiro mal investido”, afirma a especialista, que presta consultoria a instituições e cientistas que pretendem aumentar sua produção científica. Triunfol não está sozinha. O editor executivo de Harvard, em seu ensaio Inimigos da esperança: publicar, perecer e o eclipse da erudição (Editora Unesp, 2006), enfatiza que o livro impresso, enquanto ferramenta de pesquisa, está morto. E lembra que a cada ano, as bibliotecas compram menos livros, reservando uma fatia maior para as assinaturas de periódicos.

Mas são os livros que predominam durante a formação acadêmica, na qual as informações mais rápidas e mutáveis dos artigos científicos, ainda no processo de construção do conhecimento, têm papel coadjuvante. Principalmente no período pós-ditadura militar no país, houve uma abertura na universidade para adoção de vários pensadores em uma mesma disciplina, segundo Garcia Rosa, da (Abeu). Era comum, até recentemente, que os professores utilizassem apenas um autor durante o curso. Felizmente, essa parece ser uma tendência em extinção. “Hoje, trabalha-se com a diversidade, e parte disso se deve também à globalização, a facilidade de acesso à informação”, acredita. E é de olho no uso das bibliotecas por alunos que ela também identifica obras raras e fundamentais para a formação acadêmica. A falta de exemplares de obras indicadas por professores, acredita, contribui para que os livros sejam fotocopiados.

“Devemos correr o risco de publicar livros que nenhuma editora comercial publicaria, mas que são decisivos para o desenvolvimento do saber”, defende Carlos Nelson Coutinho, diretor da Editora da UFRJ. O foco, segundo ele, deve estar não apenas em publicar material das diferentes áreas do conhecimento, mas também “de representantes das mais expressivas orientações teóricas do pensamento contemporâneo”.

Garcia Rosa atribui a ampliação do papel das editoras universitárias ao aumento dos cursos de pós-graduação, por um lado, e à melhora na visibilidade de cada editora, fruto de esforços individuais e da Abeu em organizar o setor. A atuação dessas editoras, em regiões mais carentes, como o Nordeste, ganha destaque, já que o número de editoras comerciais é baixo – a maioria se concentra na região Sudeste. A Coleção Nordestina, por exemplo, pretende resgatar a memória e valorizar a cultura regional.

É dentro da universidade que o hábito de leitura é tão cobrado, incentivado e consolidado. Recente pesquisa intitulada Retrato da Leitura no Brasil (Ministério da Cultura, 2008) indica que cerca de 79% dos leitores que declaram gostar de ler em seu tempo livre e fazer isso com freqüência possuem nível superior. De acordo com os autores da pesquisa, “é clara a progressiva valorização da leitura, à medida que avança a escolarização dos entrevistados: em todos os suportes (livro, revista, jornal e internet), o ensino superior define um índice maior de leitura: os entrevistados com esse nível de ensino lêem muito mais que a média livros técnicos (35%), obras sobre história, política e ciências sociais (37%), ensaios e humanidades (15%), biografias (30%), e usam muito mais a internet (31%)”. Em média, os brasileiros afirmam ler cerca de 4,7 livros por ano.

Também é dentro das universidades que, cada vez mais, se produz os maiores volumes de obras. Apenas para citar dois exemplos, a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), responsáveis pela maior produção científica do país, geram, respectivamente, uma média de 2 mil e 4 mil teses e dissertações por ano. Deste montante, pouco se torna livro, tendo em vista que, em 2007, suas editoras publicaram entre 40 e 120 obras, respectivamente, somadas as reproduções, lançamentos e publicações baseadas em teses e dissertações. Trabalhos acadêmicos como esses têm coleções especiais dedicadas a eles, como a Várias Histórias, da Editora da Unicamp, em parceria com o Centro de Pesquisa em História Social da Cultura (Cecult), da mesma universidade, e Expressão Acadêmica, da Editora da UFG. No caso da Editora da Universidade Estadual de Londrina, entre 20 e 25% das cerca de 30 obras lançadas anualmente são fruto de resultados de teses e dissertações, sendo que naquela universidade ocorrem aproximadamente 550 defesas todos os anos.

Mas há outra razão para que os produtos das defesas da pós-gradução não sejam, mais freqüentemente, aproveitadas pelas editoras. Progressivamente, as universidades têm investido em bancos digitalizados, nos quais é possível localizar publicações de maneira simples e baixar o conteúdo, de maneira integral, pela internet. É o caso do Banco de Teses da Capes que disponibiliza mais de 400 mil produções acadêmicas desde 1987.

Uma das críticas em relação a essas publicações é que têm pouca visibilidade, o que justificaria, por exemplo, esforços de transformá-las em livros ou mesmo em artigos científicos. Talvez por esse motivo, já há sinais de mudança de formatação nessas volumosas publicações. É comum nas áreas biológicas, na medicina e na física teses e dissertações formadas por um sanduíche composto por 2 ou 3 artigos científicos – já com indicação de aceite em periódicos científicos indexados – além de uma introdução e uma conclusão. Com isso, a instituição e os cientistas em formação cumprem as exigências de produção em escala industrial.

E é essa massificação das publicações que tem preocupado especialistas e membros da academia. Lindsay Waters, por exemplo, afirma, em seu ensaio, que embora a produtividade esteja aumentando, a inovação está em baixa, seja nos livros ou artigos científicos. “Há gente demais desesperada em publicar, e muito pouca gente esperando o momento propício e deixando um projeto tomar corpo dentro delas mesmas”, lamenta o editor executivo de Harvard. “Há momentos em que é bom construir idéias, jogar com elas, experimentá-las, sem nos precipitar em publicá-las”, continua.

Embora Márcia Triunfol compartilhe da opinião de que quantidade pode resultar em baixa qualidade de publicações, ela não vê outro modo de medir a produção científica. “Talvez uma das formas é que as revistas científicas tenham algum tipo de fator capaz de medir a sua qualidade”, sugere a especialista, que trabalhou quatro anos na Science, um dos periódicos de maior impacto no meio acadêmico mundial. Dessa forma, não apenas os autores passariam a ter seu histórico e performance checados, mas também as publicações. Com isso, não só a visibilidade de cada veículo ganharia um índice, mas também o número de artigos fraudulentos, casos de plágio ou exagero nos resultados de pesquisas ali publicados seriam medidos.

Com tamanha sede por números do conhecimento, as editoras universitárias se posicionam com cautela, como garimpeiros em uma nova jazida: muito o que explorar, separar, lapidar, sem a certeza de lucro à vista. “Nada mais pode ficar nas gavetas e laboratórios”, enfatiza a diretora da editora da UFBA.