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Artigo
Como os livros são financiados
Por Plinio Martins Filho
10/11/2008

Hoje, quando vamos comprar um carro ou qualquer outro bem, há financiamentos de até 80 meses para pagar. Na edição de um livro, é difícil ter obras em que o valor supera o de um automóvel. No entanto, uma editora pública tem que pagar antecipadamente todos os trabalhos que realiza antes de ter um único exemplar vendido. Nas editoras privadas, é possível se conseguir prazos de até 120 dias para se pagar a impressão de uma obra, e neste período, vender alguns exemplares que ajudam a pagar os custos editoriais e industriais de uma edição.

Some-se a isto o fato de que uma editora universitária não escolhe seus livros pelo critério de vendas, mas sim por sua qualidade. Não se pergunta se o livro vai vender, mas se ele tem qualidades culturais e merece ser editado, não importando seu número de leitores, mas sim a contribuição que ele pode trazer para o ensino e a pesquisa.

O papel de uma editora universitária é publicar obras que o mercado, de antemão, sabe que não tem retorno financeiro, mas que traz uma contribuição cultural. Para isso ela precisa de recursos. Para o financiamento das edições universitárias no Brasil, num primeiro momento (entre os anos 70 e 80), adotou-se uma política de co-edição com as editoras privadas, na qual a editora pública financiava as obras e ficava com parte da tiragem. Isso gerou um acervo de livraria e não um acervo editorial – como foi o caso da Edusp. Em geral, os livros publicados nessa fase não eram resultados das pesquisas ou teses, seja de mestrado ou doutorado, desenvolvidas na universidade. Foram mais de dois mil títulos editados nessas condições. Esses livros têm o selo da USP mas a Edusp não pode reeditá-los. A editora era mais uma agência de financiamentos a publicações do que propriamente uma editora. É só a partir do começo dos anos 1990 que ela começa a desenvolver um programa de edições próprias financiadas com seus próprios recursos.

No início dessa mudança, trabalhávamos com orçamento em função do número de títulos a serem publicados. Mais tarde, acreditando que era possível uma política de auto-sustentação financeira, devido à qualidade da instituição e de suas publicações, propusemos trabalhar com a renda industrial gerada e não mais pelas vendas de nossos títulos e de outras editoras.

É claro que a universidade financia a mão de obra e espaço, o que não é pouco. Mas como dizia Sergio Miceli, ex-presidente da Edusp (1994-1998), “uma editora universitária jamais conseguirá se sustentar com os livros que edita”. Quando dizem que a Oxford University Press ou a Cambridge University Press tem lucro, a resposta é que elas estão no azul porque tem mais de 700 anos, milhares de obras de referência e o maior best-seller de todos os tempos, a Bíblia.

Para conseguir atender toda demanda de uma universidade como a USP, qualquer recurso é pouco e precisa de apoio financeiro para determinadas obras, que mesmo nas editoras privadas também necessitam de apoio.

A Fapesp tem sido um dos principais parceiros na publicação de obras acadêmicas. Apesar de sua participação financeira chegar, em média, a apenas 30% dos custos, esse apoio é fundamental para a edição de inúmeras teses ao longo desses anos. Acredito que o ideal fosse um apoio mais substancial, principalmente àqueles trabalhos que foram resultado de pesquisas financiadas pela própria Fapesp e, como contrapartida, parte da edição fosse destinada às bibliotecas públicas.

Não acho que o Estado deva financiar tudo. É possível uma editora universitária pública ter autonomia financeira sem cair na tentação de publicar obras de fácil aceitação para sustentar as demais obras que não se paguem. Mesmo no mercado, são poucos os livros que vendem bem e que garantem as demais publicações deficitárias. Mas a experiência editorial universitária, hoje, no Brasil, vem, a despeito de tudo, provando que é possível manter um programa editorial acadêmico sem ceder ao apelo comercial.

A Edusp já vem desenvolvendo essa política há vinte anos e, nesse período, já editou cerca de 1200 títulos, sendo que apenas quinze por cento de seus títulos contou com o apoio financeiro de alguma instituição. Isso prova que é possível uma editora universitária autônoma ter um programa editorial financiado com seus próprios recursos. Mas ainda estamos longe do ideal. Já provamos que é possível, mas precisamos avançar. Conseguimos publicar, mas não conseguimos comercializar, pois entre as atividades da universidade, o comércio não é uma atividade fim. Já superamos boa parte dos problemas de edição, mas estamos longe de alcançar uma boa distribuição. Esse problema, no entanto, não é só das editoras públicas, mas de todas. Temos muitas editoras e poucas livrarias.

Entre os inúmeros problemas enfrentados pelo livro, como vimos, o financiamento é apenas um deles. Mas talvez não seja o principal. Quando se publica obras de peso, é possível encontrar o leitor e, encontrando-o, consegue-se auto-sustentar. Para isso, precisaríamos apenas não ir contra as leis do mercado editorial, principalmente quanto à sua comercialização. Porém, devido a suas características públicas, somos obrigados a seguir leis que contrariam estas regras. Apesar de tudo, o livro universitário tem crescido muito. Nos últimos vinte anos, foram mais de 22 mil títulos publicados pelas editoras universitárias do país.

Quando se fala em viabilidade econômica, muitos entendem que se trata de uma visão comercial e anti-acadêmica, mas este argumento não se sustenta. Os títulos publicados pelas editoras universitárias públicas integram-se às várias formas de atuação da universidade, mas é preciso pensar na subsistência dessas editoras sem depender exclusivamente de verbas públicas – e que ninguém levante, nesse caso, a bandeira de que se está privatizando a universidade. As editoras universitárias, com os títulos que têm em catálogo, com a participação e com o prestígio que possuem, precisam ser tratadas de maneira conseqüente, sem pretender modificar as leis de mercado editorial, mas procurando – na medida do possível e mantendo os interesses de uma universidade pública – adaptar-se a elas.

Não acredito, repito, que o financiamento dos livros universitários, em princípio, seja o principal problema. Com os títulos e a qualidade de sua produção, as editoras universitárias brasileiras – se dirigidas profissionalmente – podem ser auto-sustentáveis, basta que se resolva de vez o principal dilema no qual elas se encontram: ter de publicar gerando seus próprios recursos, mas sem poder seguir as regras do mercado. É preciso encontrar um modelo que seja adequado para as editoras públicas, sem que se perca suas características e não se caia na tentação de publicar apenas olhando para a conta bancária.

É claro que qualquer apoio às publicações é bem-vindo e trará enormes benefícios não só para as instituições que elas representam, mas principalmente para o leitor, vítima dos altos custos de produção de uma obra.

“Tudo para nós é livro” – um manifesto

Tudo para nós é livro, é leitura; podemos falar do livro da história, do livro da natureza, do livro do universo… Pois a história começa com o livro e não com a palavra, e antes da história do livro não havia consciência, não havia espelho, não havia nada!”, disse Miguel Unamuno.

A universidade atual, que conserva como parte fundamental de seu ideário a extensão e a difusão dos benefícios da cultura, incluindo aquela produzida em seus próprios laboratórios, bibliotecas e salas de aula, precisa adequar suas concepções, seus mecanismos e seus procedimentos para levar a cabo esses propósitos, tanto em função de seu crescimento e transformação acadêmicos, como em função das circunstâncias e condições que impõe a conceituação dos destinatários dessas ações. Evidentemente, a atividade editorial não está fora desse contexto.

O enorme crescimento da universidade nas últimas décadas trouxe consigo um aumento igualmente considerável de sua produção editorial, tanto no que se refere à diversidade temática como no que tange ao número de títulos e livros produzidos. A universidade não é uma empresa editorial. Trata-se de uma instituição que deve ter como uma de suas funções fundamentais a atividade editorial, uma vez que o livro permanece e permanecerá como o suporte privilegiado – mesmo que não único – da transmissão da ciência, da literatura, de todas as áreas do conhecimento e da expressão humana.

Por isso, a editora universitária pública é um instrumento fundamental para a efetivação dos valores acadêmicos. Ela não deve se dedicar à busca de autores do mercado, mas, sim, prover e difundir o trabalho de seus professores e pesquisadores. Sua atividade é resultado do trabalho ao qual naturalmente ela se dedica; assim, o juízo favorável ou desfavorável sobre um título editado não deve recair exclusivamente sobre o autor, mas também sobre a instituição que o avalia. Nesse sentido, não deve se preocupar em se ajustar às condições do mercado. O mercado navega sempre de acordo com as oscilações da conjuntura e do modismo, agora acentuadas pelas tecnologias de informações instantâneas e cada vez mais efêmeras.

O livro é um patrimônio com valor próprio e que não deve ser determinado por critérios que dependam exclusivamente de seu valor mercantil. Queremos propiciar a troca de idéias, de culturas, de conhecimentos, de linguagens, e não apenas a troca de mercadorias, por mais que ambas caminhem juntas no mundo atual. Assim, a divulgação e a comercialização do livro – sem negar a importância desses fatores – não devem ocupar o centro de atenção de uma editora universitária pública. Muito mais importante é colocá-lo ao alcance de seus destinatários específicos.

A enorme diversidade temática da produção editorial de uma universidade e a alta especificidade de seus conteúdos tornam particularmente difícil a tarefa de sua distribuição e comercialização nos termos concebidos regularmente no mercado. Nossas dificuldades nessa área são óbvias. Publicamos todas as áreas do conhecimento, cada uma com suas próprias tradições e linhagens intelectuais e editoriais.

Esse problema é bem mais complexo do que pode parecer. A natureza e a diversidade dos temas de nossas publicações condicionam uma demanda muito localizada e dificultam a entrada de nossos títulos nas livrarias comerciais, por ser – assim chamado – um produto de pouca rotatividade, ou seja, sua comercialização é relativamente pouco rentável. Desse modo, na estrutura da editora universitária, a distribuição e a comercialização requerem planejamento e mecanismos adequados à natureza e às características de suas publicações, bem como políticas institucionais adequadas a seus projetos culturais e científicos. É preciso ousar nesse campo para cumprir bem a missão de uma editora universitária, superando as limitações do mercado, de um lado, e os entraves formais da universidade, de outro.

Diante dessas dificuldades, não é solução a universidade se dedicar à edição de livros de interesse geral com o objetivo de obter maior aceitação. Isso atentaria contra um de seus mais nobres propósitos. Não é ajustando-se às condições de mercado que a editora tem que enfrentar esses problemas. Deve, ao contrário, procurar impor ao mercado sua própria especificidade e condições decorrentes de seu prestígio e influência.

As editoras universitárias devem envidar esforços para produzir cada vez mais livros de qualidade para a comunidade universitária em particular, e para o público, em geral. Fugindo, assim, do que hoje se chama “ditadura do mercado”, onde só os livros com retorno financeiro garantido são editados. Desse modo, estaremos contribuindo para a formação integral das pessoas, já que todo livro só se constitui instrumento de cultura se for efetivamente lido.

Hoje, podemos dizer que nosso livro tem público, pois um terço do catálogo está esgotado e é reconhecido por sua excelência em todos os campos do trabalho editorial. Foram dezenas de prêmios, entre eles 55 prêmios Jabuti. Essa conquista deve-se muito à participação e envolvimento dos autores e professores da USP em todo o processo de pensar e elaborar o livro. Professores que até 1988 eram colocados à distância da editora e que passaram depois a ser um motor essencial para o desenvolvimento da Edusp.

Não podemos nos esquecer também da participação dos alunos. Como professor do curso de Editoração da ECA-USP, devo lembrar que a Edusp exerce papel fundamental em sua formação. Atividade aparentemente secundária na editora, mas que reputo da maior importância. Poucos sabem que a maioria dos projetos gráficos e revisões dos livros da editora é desenvolvida por alunos e ex-alunos, que se tornaram profissionais na Edusp.

A orientação para a futura inserção no mercado também é um importante papel de uma editora universitária: formar profissionais que entendam, compreendam, pensem e amem o livro em todas as suas nuances, espalhando esse conhecimento e relação com o livro e a cultura pelas demais editoras de todo o país.

Plínio Martins Filho é diretor presidente da Edusp.