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Reportagem
O público percebe a ciência e tecnologia como fontes de risco?
Por Cristina Caldas
10/12/2008

“Você acha que a ciência e a tecnologia trazem muitos riscos, alguns riscos, poucos riscos ou nenhum risco?”. Este é um exemplo de pergunta presente em pesquisas de percepção pública da ciência e da tecnologia que procuram avaliar se (e o quanto) o público em geral entende a ciência e a tecnologia como fonte de riscos. Embora ainda recentes no Brasil, os avanços de tais pesquisas são animadores. Saber o que a população pensa ajuda, não apenas, a entender como se dá o complexo processo de formação de opiniões e sua relação com a divulgação das informações, mas também na definição de políticas públicas para, por exemplo, incentivar uma maior participação popular, divulgação científica e criação de fóruns de discussão com a sociedade sobre questões polêmicas e com riscos potenciais da ciência e tecnologia.

A primeira enquete brasileira de percepção pública da ciência, realizada em 1987, concluiu em seu relatório: “São considerados nocivos à humanidade os avanços da ciência e da tecnologia ligados à produção de armamentos, principalmente de armas atômicas”. Quando perguntados se “existe alguma descoberta científica ou tecnológica do século atual que foi nociva ou prejudicial à humanidade?”, 47% dos 2892 entrevistados responderam que sim e apontaram, em primeiro lugar, os armamentos, seguido de energia atômica, poluição, astronáutica, novas doenças e comportamento.

Passados vinte anos, outra pesquisa de âmbito nacional, liderada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (“Percepção pública da ciência e da tecnologia no Brasil”), concluiu que os brasileiros apontam temas ligados ao meio ambiente, redução de emprego, surgimento de novas doenças e produção de alimentos menos saudáveis como malefícios da ciência e da tecnologia.

http://www.labjor.unicamp.br/comciencia/img/risco/rpcris/cris1.jpg
Elixir da morte (DDT), do livro “A primavera silenciosa”, de Rachel Carson,
que foi um dos primeiros a chamar a atenção do mundo para os riscos
da ciência e da tecnologia, especialmente para o meio ambiente.

Com o tempo, novos riscos vão surgindo e, de acordo com Ulrich Beck (leia artigo nesta edição), quanto mais os avanços científicos e tecnológicos penetram na sociedade, maiores e mais disseminados são os riscos. Essa idéia foi defendida pelo sociólogo alemão ao cunhar o termo "sociedade de risco", na década de 1990, o que abriu um território rico de discussões.

Atualmente, estudiosos lidam com pesquisas de percepção do risco sobre questões que estão na pauta do dia como a nanotecnologia, células-tronco, clonagem humana, organismos geneticamente modificados, mudanças climáticas, biotecnologia e suas aplicações médicas. No caso da nanotecnologia, por exemplo, a percepção de cientistas e público pode ser muito diferente. Segundo Cyrus Mody, autor do recente artigo “The larger world of nano” ( Physics Today, outubro de 2008), enquanto o público relaciona a perda de emprego e a corrida armamentista a riscos da nanotecnologia, cientistas apontam o aumento da poluição e novos problemas de saúde.

Indicar a existência de riscos não elimina os pontos positivos da ciência e tecnologia, muito pelo contrário, eles frequentemente são mais lembrados, pela população, do que os malefícios. Esses resultados foram obtidos tanto nas enquetes nacionais quanto em estudos ibero-americanos, liderados no Brasil pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Os dados publicados no livro Percepção pública da ciência – resultados da pesquisa na Argentina, Brasil, Espanha e Uruguai (Editora da Unicamp/Fapesp, 2003) concluem que 75% dos argentinos, brasileiros, uruguaios e espanhóis entrevistados consideraram mais os benefícios, mas houve diferenças entre as nacionalidades quando a pergunta era sobre o nível de concordância sobre a afirmação “o desenvolvimento da ciência traz problemas para a humanidade”. Os brasileiros foram os que mais discordaram, houve um equilíbrio entre os argentinos, enquanto 57%, em média, dos espanhóis e uruguaios concordaram. Os autores concluem que “embora haja uma tendência geral da imagem favorável da ciência, a percepção é de que ela não está livre de ter conseqüências negativas”. Um padrão semelhante foi observado em nova pesquisa ibero-americana realizada no ano passado, onde Colômbia, Venezuela e Chile se juntaram ao Brasil, Argentina e Espanha.

Em relação a outros países, “atitudes sobre os benefícios da ciência e tecnologia são mais favoráveis nos Estados Unidos do que na Europa, Rússia e Japão”, segundo relatório publicado em “Indicadores de ciência e tecnologia – 2008” da National Science Foundation (EUA). O relatório, que descreve os resultados mas não explica tais diferenças, mostra que 48% dos entrevistados norte-americanos dizem que a ciência e a tecnologia trazem muito mais benefícios do que riscos. Há mais cautela na União Européia e no Japão, onde apenas a minoria menciona que a ciência e a tecnologia trazem muito mais benefícios do que riscos (16% e 13%, respectivamente).

Embora as respostas variem com as realidades de cada país, fica visível que o público se mostra entusiasmado, porém cauteloso, o que o sociólogo inglês Anthony Giddens chama de atitudes ambivalentes. Em seu livro As conseqüências da modernidade (Editora Unesp, 1991), ele afirma que o público expressa, ao mesmo tempo, reverência e reserva, aprovação e inquietude, entusiasmo e antipatia à ciência e ao conhecimento técnico.

Conhecer ciência significa amá-la?

“A lacuna deixada pela falta de debate transparente na esfera pública representa terreno propício para que o imaginário popular associe essa nova tecnologia a problemas, riscos e até ficção científica”, afirma Ariadne Chloë Furnival, professora da Universidade Federal de São Carlos, autora de pesquisa qualitativa para avaliar a percepção pública dos riscos dos transgênicos, publicada no periódico História, Ciências, Saúde – Manguinhos (vol. 15, n. 2, 2008).

O comentário de Furnival, a princípio feito para o caso dos transgênicos, certamente, é representativo de uma correlação que costuma ser feita entre a percepção do risco e o conhecimento que existe sobre o assunto. No entanto, essa compreensão está longe de atingir um consenso entre os especialistas de percepção pública da ciência. “Quanto mais as pessoas conhecem diferentes aspectos de uma nova (ou velha) tecnologia, mais atentas (e possivelmente preocupadas) sobre os riscos elas se tornam”, afirma Bruna De Marchi, do Instituto de Sociologia Internacional de Gorizia, na Itália. A pesquisadora pontua que embora não se possa generalizar, esse tipo de resultado tem aparecido tanto em enquetes quanto em pesquisas qualitativas, a exemplo dos resultados da pesquisa Percepção Pública sobre Biotecnologias Agrícolas na Europa (Pabe, na sigla em inglês).

Para aprofundar a discussão sobre essa polêmica, Nick Allum e colaboradores, da Universidade de Surrey, na Inglaterra, conduziram uma metanálise – ferramenta estatística para avaliar o conjunto dos resultados de diferentes trabalhos – com 193 enquetes nacionais conduzidas desde 1989 em 40 países. Publicado recentemente no periódico científico Public Understanding of Science (vol. 17, n. 35, 2008), o trabalho mostrou uma pequena correlação positiva entre atitudes “positivas” sobre a ciência e conhecimento geral sobre fatos científicos. “Esse padrão varia pouco entre as diferentes culturas, mas substancialmente entre diferentes domínios da ciência e da tecnologia”, destacam os autores. Ou seja, existe a tendência de que pessoas com maior conhecimento científico tendam a ter atitudes mais positivas sobre a ciência em geral, mas não necessariamente sobre aplicações tecnológicas específicas ou áreas especializadas de pesquisa científica. “As percepções de risco das aplicações clínicas da biotecnologia são maiores entre os indivíduos que sabem menos e se interessam menos por genética. Em contraste, na biotecnologia agrícola e alimentos geneticamente modificados, essas diferenças não são observadas”, exemplificam.

Essa variação na aceitação de C&T dependendo das aplicações também aparece em pesquisas focadas apenas no público jovem. Em pesquisa realizada em setembro passado na Europa com 25 mil jovens – de 15 a 25 anos –, residentes em 27 países, foi observado um interessante padrão de associação de riscos nas diferentes áreas científicas e tecnológicas. Segundo relatório do Eurobarômetro, publicado em novembro de 2008, 75% dos jovens entrevistados disseram que inovações tecnológicas e científicas relacionadas à neurologia apresentam mais benefícios do que riscos, enquanto metade dos jovens percebe que há mais riscos do que benefícios quando o assunto é energia nuclear e alimentos geneticamente modificados.

Embora haja indicações de esforços para entender a opinião da sociedade em relação aos riscos e benefícios da ciência e tecnologia, suas diferentes especialidades e aplicações, há muitas respostas a serem respondidas. A periodicidade e amplitude das enquetes, que são apenas uma entre tantas maneiras de entender como se formam opiniões, é fundamental para análises comparativas entre estados, países e continentes. Avaliar as mudanças de percepção ao longo do tempo, a exemplo do que começou a ser feito no Brasil, mostra que estamos no caminho certo.

Leia mais:

- Bastidores das pesquisas em percepção pública
http://comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=37&id=453

- Percepção pública da ciência e desenvolvimento científico local. Artigo de Carmelo Polino para a ComCiência.
http://www.comciencia.br/reportagens/cultura/cultura19.shtml