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Reportagem
Um Darwin “humanizado” circula pelo mundo
Por Enio Rodrigo
10/04/2009

Darwin não é novidade. Ou não era. Sua teoria é conhecida e reconhecida, mas a pessoa Charles Darwin (um sisudo senhor de barbas brancas, vestido de cores dramáticas e escuras) parece ser menos familiar. Talvez, por isso, mais que sua teoria, as muitas exposições que marcam as comemorações do seu aniversário duplo – duzentos anos de nascimento e cento e cinquenta anos de publicação da teoria evolutiva –, apostam na exibição de um jovem que deixou uma paixão para trás e se aventurou em uma viagem nada confortável ao redor do mundo. Um pesquisador que anotava, freneticamente, em pequenos cadernos, dados que surgiam a partir de suas observações. Um homem que, por respeito às crenças de sua esposa, postergou ao máximo a publicação da obra que foi o ponto de inflexão sobre a origem da vida na Terra. Um Darwin que morou em uma casa modesta para um cientista de sua envergadura, e que serviu de referência para áreas muito além da biologia, como a computação e a inteligência artificial.

“Darwin não era um gênio”, diz Carlos Lucena, e complementa, “era um pesquisador esforçado, que trabalhou duro, mas que tinha particularidades próprias relacionadas à sua personalidade, que conseguiu transformar em habilidades para serem aplicadas em sua pesquisa”. Lucena é curador do Museu de Ciências e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e um dos pesquisadores que ajudou na montagem da exposição intitulada “(R)Evolução de Darwin”. Para Lucena, que é biólogo de formação, essa é uma das facetas de Darwin mostrada ao público nas comemorações este ano: um grande pesquisador, ao contrário dos físicos Einstein ou Newton, popularmente associados à ideia de gênios (suas teorias e soluções são resolvidas dentro de um ambiente bastante complexo para o público em geral: a matemática e a física). O desejo de humanidade em Darwin é tão latente que curiosidades sobre sua vida privada estão sendo expostas em todo o mundo. Até o livro de receitas de sua esposa, Emma Darwin, será publicado na Inglaterra, conta Lucena.

Charles Darwin vinha de uma família de livres pensadores. O próprio pai e o avô tinham essa inclinação. A herança familiar traduziu-se em um grande poder de observação e síntese. “Darwin tinha a mente aberta, uma visão de horizonte mais ampla que a maioria de seus contemporâneos”, comenta Lucena. Além disso, era uma pessoa bastante prática e aplicada. “Basta vermos a quantidade de livros de anotações que ele se dedicou a escrever em seu período de viagem no Beagle”, continua Lucena. Para ele, Darwin representa uma ciência feita de muito trabalho árduo, aberta a reinterpretações o tempo todo e que, portanto, apresentava uma visão menos reticente a guinadas imprevistas. Estas são consideradas características de Darwin cruciais para seu trabalho. “Além do tema evolução propriamente dito, é importante que as pessoas, especialmente os jovens e crianças, percebam que o conhecimento não se constrói com clique de mouse no computador. A teoria da evolução surgiu a partir de muita observação, reflexão e discussão”, completa Emílio Jeckel, diretor do Museu de Ciências da PUCRS, onde a exposição foi montada.

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Os instrumentos usados por Darwin eram simples:
blocos de anotação, lupas e coleta de espécimes, além de muita observação.

“Darwin teria tudo para se tornar um personagem, um ícone. Sua história foi cheia de conquistas, contra a corrente”, avalia Thiago Carvalho, curador de outra exposição sobre o naturalista inglês, montada no Museu Caloust Gulbenkian, em Lisboa, Portugal. Carvalho destaca que Darwin apresenta em sua história aspectos comuns a outras personalidades (ou personagens) da ciência: “também Darwin foi um aluno que não se destacou muito, abandonou a medicina, odiava teologia (coisa que não era vista com bons olhos na época). Além disso, viaja o mundo em um barco bastante pequeno (algo entre 30 e 40 metros de comprimento) em uma viagem sem uma grande missão. Após sua volta, casa-se com Emma Wedgwood – considerada uma religiosa fervorosa – tem vários filhos (dez ao total) e segue com uma vida bastante modesta, transformando a sua casa em laboratório – a famosa Down House, situada na região de Kent, Inglaterra – atualmente aberta para visitação pelo English Heritage. E, de uma hora para outra, publica um livro que muda os rumos da biologia. “É difícil contar essa história de maneira chata e impessoal”, observa Carvalho. Além de tudo isso, ele sabia que sua teoria ainda precisava de ajustes e contribuições de outros cientistas, admitia suas limitações”, completa o biólogo, lembrando que, tempos depois, a genética deu grandes contribuições para a teoria da evolução das espécies.

O destaque para o Darwin cientista também se reflete nas escolhas de como abordar o evolucionismo. “Entre os pesquisadores o uso do termo ‘darwinismo’ já começou a ser limitado. Estamos tentando diferenciar o homem de suas teorias, evitando cada vez mais uma personificação da teoria”, diz Lacerda. Deste modo, há uma ênfase na multiplicidade da teoria evolucionista, em sua transformação e complementação, bem como um entendimento de Darwin como parte da história da ciência e produtor de ideias atemporais, capazes de vislumbrar passado e futuro. “Uma teoria tem que criar novos programas de investigação, ser fértil, e ninguém foi mais inspirador para a biologia do que Darwin – precisamente por não ser um ícone, uma personificação da área, mas um trabalhador incansável”, completa Thiago Carvalho.

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Réplica do navio Beagle, a bordo do qual Charles Darwin viajou pelo mundo.

Darwin exposto

Darwin era um cientista típico da sua área na época em que viveu, sem muitos luxos e tentando vencer a barreira das distâncias para se comunicar com outros estudiosos. Muitos outros, inclusive citados por ele como importantes para a sua formação e resultados dos seus trabalhos, conviveram com ele,de alguma maneira, e tiveram papel fundamental para os avanços científicos da época. “Outro aspecto que também ‘humaniza’ a obra de Darwin é resultado da grande quantidade de cartas, diários e relatos que podem ser lidos ao mesmo tempo em que se acompanha todo o processo intelectual que resultou na formulação da teoria” afirma Jeckel. A exposição montada em Porto Alegre (RS) traz ambientações como o escritório de Darwin, por exemplo, montado no terceiro e último andar da exposição. “Desta maneira, as pessoas têm a oportunidade de acompanhar a pessoa Darwin – suas incertezas, seu dia a dia doméstico, seus dramas familiares e de saúde – e o cientista Darwin – suas observações, viagens, discussões com outros cientistas, livros e artigos científicos.” diz Jeckel. Nos outros dois andares da exposição estão montadas ambientações mostrando alguns dos animais que Darwin encontrou durante a viagem, uma réplica do Beagle (em escala 1:9) e uma ampla área explicando a sua teoria. Paralelo à exposição, ainda há diversas palestras ligadas ao tema e abertas ao público em geral.

Juliana Estefano, do Instituto Sangari, responsável pela exposição “Darwin”, montada em 2007 na capital paulista e, atualmente, itinerante pelo Brasil (passou por Rio de Janeiro, Brasília, Goiânia e Curitiba em 2008 e está sendo negociada para ser montada em Vitória e Fortaleza em 2009), diz que a exposição trazida pelo instituto, em parceria como o Museu Americano de História Natural (American Museum of Natural History), também traz à luz essa abordagem multifacetada de Darwin. Montado em uma área de 1200m2 (maior que os 800m2 originais, pois foram acrescidos de ambientes falando de sua passagem pelo Brasil e América do Sul, por exemplo, além de espaços com animais vivos) a exposição da Sangari foi uma das maiores sobre o tema montada no país. A visão múltipla da obra de Darwin foi desenvolvida em ambientes que mostram: as visões pré-darwinianas; o trabalho do naturalista durante sua estada no Beagle e depois em sua casa em Down Hill; aspectos da teoria da evolução; e ambientes onde os visitantes poderiam observar animais de várias espécies e fazer paralelos com a teoria. “Foi importante também mostrar que o trabalho de Darwin foi desenvolvido com ferramentas simples haviam réplicas expostas como uma lupa, papel e lápis”, diz Estefano. Além disso, há também um documentário produzido pelo tataraneto de Darwin, Randal Keynes, sobre o ilustre ascendente que, entre outras coisas, tinha hábitos extremamente familiares. Assim como a exposição montada na PUCRS, na do Instituto Sangari várias palestras propõe discussões em torno da teoria da evolução.

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Animais expostos na exposição organizada pela Sangari:
o público é convidado a exercitar, assim como Darwin,
suas observações e fazer paralelos com a teoria apresentada.

Outra exposição ampla sobre o naturalista inglês foi a “Darwin BIG idea, BIG exibition” montada na Inglaterra pelo Museu de História Natural de Londres e que termina dia 19 de abril próximo. Auto intitulada “A maior exibição sobre Charles Darwin de todos os tempos”, foi organizada em colaboração com o Museu Americano de História Natural (Nova York, EUA), o Museu da Ciência (Boston, EUA), o Museu Field (Chicago, EUA) e o Museu Real de Ontario (Toronto, Canadá). Além dos ambientes já citados nas exposições acima, a mostra em Londres traz também – através de uma réplica de um antigo mostruário de esqueletos – exemplos das classificações animais pré-darwinianas que se balizavam pela crença geral na qual os animais eram exatamente iguais como na época da criação divina do mundo. A exposição montada no Museu Gulbenkian, em Lisboa, passa pelo mesmo caminho e, graças a um grande trabalho de pesquisa e de empréstimos entre museus, trouxe para exposição ilustrações da coleção de Albert Seba (zoologista holandês do século XVI) e o “Gabinete de Curiosidades” de Ole Worm, físico dinamarquês. Ambos se interessavam pelas questões da filosofia da natureza mas, ao contrário de Darwin, se contentavam em colecionar objetos e narrativas trazidas por terceiros. Galápagos também é outro ambiente importante nas exposições, pois foi onde Darwin conferiu in loco informações importantes de variações adaptativas.