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Artigo
Neuroestimulação e reabilitação motora no acidente vascular cerebral
Por Adriana Bastos Conforto
e Josione Rêgo Ferreira
10/06/2009

Introdução

Nas últimas quatro décadas, a incidência do acidente vascular cerebral (AVC) teve um aumento maior que 100% em países em desenvolvimento. Estudos epidemiológicos realizados na América do Sul revelaram uma incidência de 35 a 183 casos de AVC por cem mil habitantes e, n o Brasil, o AVC tem sido a principal causa de morte nos últimos 20 anos. Após um AVC, 50 a 70% dos pacientes podem voltar a ser independentes funcionalmente, mas 15 a 30% evoluem com incapacidade permanente. A expectativa de aumento na incidência de AVC associado ao envelhecimento da população brasileira e o declínio progressivo nas taxas de mortalidade por AVC poderão contribuir para o aumento do número de sobreviventes com sequelas neurológicas e incapacidade funcional em nosso país.

A hemiparesia, ou seja, a fraqueza em um dos lados do corpo, é a sequela neurológica mais frequente após o AVC; o comprometimento do membro superior ocorre em 85% dos casos e, em três meses, se mantém em 55 a 75% dos pacientes. Protocolos de reabilitação, que envolvem treinamento específico e/ou exercícios repetitivos de atividades motoras relevantes para as atividades da vida diária, podem ser benéficos em pacientes que têm esse tipo de sequela. O treinamento motor, em voluntários saudáveis e em pacientes com AVC, provoca mudanças em áreas do cérebro importantes para a realização de movimentos. Nos pacientes, os efeitos benéficos do treino parecem depender do aumento da atividade de partes do cérebro que não tiverem sido afetadas pela lesão.

Neuroestimulação

Através de técnicas de neuroestimulação como a estimulação magnética transcraniana e a estimulação elétrica sensitiva periférica, ou através de diferentes combinações dessas técnicas, tem se buscado aumentar os efeitos do treino motor, ou aumentar diretamente a atividade de áreas do cérebro que não foram afetadas pelo AVC. A ideia é compensar a função perdida através do aumento da função de áreas “poupadas”. Té cnicas de neuroestimulação utilizam o princípio básico da aplicação de estímulos externos (como corrente elétrica ou pulso magnético) sobre determinadas áreas do corpo, com o objetivo de modificar a atividade dos neurônios do cérebro.

Estimulação magnética transcraniana

A estimulação magnética transcraniana é um método neurofisiológico indolor e não invasivo capaz de alterar a atividade de neurônios cerebrais. Pesquisas sobre os efeitos de campos magnéticos no sistema nervoso central e periférico datam do século XIX, porém somente em 1985, um cientista chamado Barker e seus colaboradores foram capazes de executar a estimulação magnética transcraniana (EMT) da área cerebral relacionada ao movimento, o córtex motor, em humanos. Atualmente, há vários grupos estudando aplicações clínicas dessa técnica em neurologia e em psiquiatria.

A EMT utiliza o campo magnético gerado pela passagem de corrente elétrica através de uma bobina, que consiste em vários fios elétricos enrolados e conectados a um estimulador elétrico. Os fios ficam isolados eletricamente dentro da bobina, que pode ser apoiada sobre a cabeça de uma pessoa, próxima ao cérebro. Quando o estimulador é ligado, um pulso de corrente elétrica de intensidade muito alta (cerca de 5000 amperes) passa rapidamente pela bobina, induzindo um campo elétrico. Em seguida, a corrente é desligada. A mudança rápida no campo elétrico promove a indução de um campo magnético e a mudança rápida no campo magnético, por sua vez, faz com que seja induzido um segundo campo elétrico dentro do cérebro, que pode aumentar ou diminuir a atividade normal de neurônios próximos. Como o crânio e o couro cabeludo apresentam alta resistência elétrica, a corrente que flui nessas estruturas é mínima, contribuindo para que o desconforto durante a estimulação seja muito pequeno, ou nulo.

Há várias técnicas de EMT, com diferentes objetivos, como a investigação do funcionamento cerebral em condições normais e em doenças que afetam o cérebro. Em pacientes com AVC, a EMT tem sido usada para entender o que acontece no cérebro de indivíduos que se recuperam e o que acontece naqueles que não se recuperam: a compreensão dos mecanismos de reorganização pode fornecer “pistas” importantes para o desenvolvimento de formas mais eficazes de reabilitação após o AVC.

Além disso, a EMT tem sido usada, em pesquisa, para o tratamento de pacientes com AVC. Quando os pulsos magnéticos são administrados de forma rítmica (EMT-r), por vários minutos, pode haver uma mudança no funcionamento da área do cérebro estimulada, habitualmente de forma temporária. A ideia é que se use a EMT-r para aumentar a função de áreas do cérebro que não tiverem sido afetadas pelo AVC, para que elas tentem compensar as funções das áreas lesadas de forma irreversível. Quando são empregadas frequências de EMT maiores que 1Hz, a EMT-r é denominada de alta frequência, ou “rápida” e quando frequências menores ou iguais a 1Hz são utilizadas, EMT-r de baixa frequência, ou “lenta”. Em geral, EMT-r de baixa frequência promove diminuição temporária de excitabilidade do córtex motor (área responsável por movimentos do corpo), enquanto o efeito oposto é obtido com EMT-r de alta frequência.

Existe uma teoria de que, em condições normais, um hemisfério cerebral possa inibir o outro. De acordo com essa teoria, após um AVC, a sequela neurológica – por exemplo, a perda de movimentos da mão – não depende apenas da perda de função da área cerebral afetada, mas também do aumento do efeito inibitório de áreas do hemisfério não lesado, sobre o hemisfério no qual ocorreu o AVC. Assim, uma alternativa para diminuir o impacto da sequela neurológica sobre o dia-a-dia do paciente seria modificar o funcionamento cerebral, diminuindo a atividade do hemisfério não lesado, e/ou aumentando a atividade de áreas poupadas pelo AVC, no hemisfério lesado. A EMT-r “lenta” do hemisfério não afetado, ou a EMT “rápida” do hemisfério afetado têm sido utilizadas, de forma experimental, buscando esses objetivos.

Em trabalhos científicos nos quais a EMTr “lenta” foi utilizada para inibir o hemisfério não afetado em pacientes hemiparéticos após AVC, na fase crônica, foi obtida melhora do desempenho da mão, em tarefas realizadas em laboratório e em algumas escalas que incluem tarefas realizadas no cotidiano. Resultados semelhantes foram obtidos com a administração de EMTr “rápida” para estimular o hemisfério afetado, em uma fase precoce ou tardia, em pacientes hemiparéticos após AVC. Porém, ainda não estão bem estabelecidos os parâmetros ideais para o tratamento, como intensidade e frequência de estímulo, duração do tratamento, entre outros. A duração do efeito precisa ser mais bem estudada, assim como o efeito clínico: a melhora transitória no desempenho de uma tarefa em laboratório, por meia hora após uma intervenção não se traduz necessariamente em um efeito prolongado, melhorando o desempenho funcional do paciente em atividades de vida diária, durante dias a meses. Ainda assim, existem esperanças de que, um dia, a EMT-r venha a ter utilidade clínica no AVC.

A EMT-r é um método indolor, não invasivo e seguro, desde que as contra-indicações absolutas para seu uso sejam respeitadas. Indivíduos com marcapassos, por exemplo, não podem ser submetidos a esse tipo de intervenção. Foram também descritas crises epilépticas em pessoas saudáveis e em pacientes submetidos a EMT-r. Normas de segurança foram estipuladas há mais de uma década e, considerando os avanços na EMT-r nos útlimos anos, deverão ser reavaliadas em breve.

Estimulação elétrica sensitiva periférica

A estimulação elétrica sensitiva períférica (EESP) é um outro método não invasivo de neuroestimulação, capaz de mudar o funcionamento do cérebro de forma ainda mais simples que a EMT-r: através da estimulação de nervos periféricos. Sabe-se que existe uma relação íntima entre a percepção de uma parte do corpo e sua movimentação. Pacientes com AVC que têm perda parcial ou completa da sensibilidade do braço usualmente evoluem com recuperação motora mais lenta dessa parte do corpo, enquanto que os que têm sensibilidade normal podem responder melhor à reabilitação. Considerando esses fatos, pensou-se em “aumentar a sensibilidade” de partes do corpo comprometidas após um AVC, com o objetivo de melhorar sua movimentação.

Na EESP, eletrodos ligados a um estimulador elétrico, semelhante ao utilizado em aparelhos de eletroneuromiografia são posicionados sobre a pele, de forma que a corrente elétrica chegue a nervos localizados abaixo da pele. Quando nervos que levam informações de sensibilidade de determinadas áreas do corpo são estimulados dessa forma, podem levar até o cérebro a mensagem de que aquela parte do corpo está sendo ativada de forma mais intensa. Esta mensagem pode provocar mudanças no funcionamento de áreas do cérebro que são importantes para a movimentação do segmento corporal estimulado. Por exemplo, quando é feita a estimulação de um nervo responsável pela sensibilidade da mão, durante um período de duas horas, pode haver melhora da força da mão e da capacidade de execução de tarefas por pacientes que sofreram AVCs. Através de uma técnica de imagem que avalia o funcionamento do cérebro, a ressonância magnética funcional, foi notado aumento da atividade de áreas do cérebro importantes para a execução de movimentos da mão, após esse tipo de estimulação.

Da mesma forma que na EMT-r, características da EESP são importantes para seus efeitos. A EESP de nervos da perna não é capaz de melhorar nenhum índice de avaliação da função motora da mão, mostrando que existe uma relação entre o efeito da EESP e a parte do corpo estimulada. Dependendo da forma como a corrente elétrica é administrada, pode não haver qualquer efeito. Também é cedo para que se utilize essa técnica na reabilitação do AVC, mas as perspectivas são promissoras.

Combinação de métodos de neuroestimulação

Recentes estudos têm demonstrado que o efeito de uma técnica de neuroestimulação pode ser potencializado pelo uso concomitante de outra técnica, em pacientes na fase crônica após AVC e em pessoas saudáveis. É possível que a combinação de técnicas possa fazer parte do arsenal terapêutico de reabilitação, no futuro.

Conclusão

Muitos dos indivíduos que sobrevivem ao AVC apresentam sequelas neurológicas que comprometem a realização de atividades de vida diária e muitas vezes os incapacitam para a vida profissional, além de prejudicar a vida social e familiar. O crescente aumento do número de indivíduos que sofrem AVCs torna mandatório o investimento em novas estratégias de reabilitação como as técnicas de neuroestimulação, ainda em caráter experimental, mas com resultados iniciais animadores.

Adriana Bastos Conforto é médica assistente do Grupo de Doenças Cerebrovasculares e chefe do Laboratório de Neuroestimulação da Divisão de Clínica Neurológica (HC/FMUSP). Professora colaboradora do Departamento de Neurologia, FMUSP. Pesquisadora do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa, Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, Brasil. Josione Rêgo Ferreira é médico estagiário do setor de eletroneuromiografia do Hospital Servidor Público Estadual de São Paulo. Estagiário do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa, Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, Brasil.