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História Social da Criança e da Família
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Entrevista
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Entrevistado por Por Maria Guimarães
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Entrevistas
Gabriel Oselka
Ao longo do século XX, as vacinas tornaram-se rotina para prevenção e controle de várias doenças, reduzindo enormemente os índices de mortalidade infantil. No Brasil, em 2004, 135 milhões de vacinas foram aplicadas, atingindo percentuais de 84 a 100% de crianças menores de um ano vacinadas. Para falar sobre esse tema e sobre a responsabilidade do Estado e dos indivíduos em relação à vacinação, a ComCiência entrevistou Gabriel Oselka, pediatra da USP e membro das comissões de imunização do governo federal e de São Paulo.
Por Maria Guimarães
10/12/2005 ComCiência - Doenças que eram tidas como erradicadas podem reaparecer, como o caso da gripe espanhola (que agora volta como gripe aviária) e a coqueluche. O que se pode fazer frente a esse tipo de problema?
Gabriel Oselka - Na prática, a única doença erradicada às custas de vacinação foi a varíola, na década de 1970. Hoje, temos algumas doenças para as quais se conseguiu interromper a circulação do agente causador em determinadas regiões do mundo, mas não globalmente. É o caso do vírus da poliomielite. Desde 1989 não temos casos no Brasil, porque se conseguiu interromper a circulação do vírus às custas de vacinação. Em 1994, a circulação do vírus foi declarada extinta pela OMS, seguindo critérios técnicos muito rígidos, mas infelizmente não se conseguiu o mesmo para todo o mundo, porque na África e Ásia certas situações próprias impedem que as vacinas cheguem às pessoas. Isso significa que sempre existe o risco de o vírus ir para regiões onde ele já parou de circular. É preciso estar em vigilância permanente enquanto o vírus não é eliminado. O sarampo está numa situação menos avançada do que a poliomielite, mas estamos caminhando para isso a erradicação. O Brasil não tem casos originados aqui desde 2000, mas este ano um surfista trouxe a doença das Ilhas Maldivas e cinco pessoas foram infectadas. Só não houve transmissão maior porque a maior parte da população é imune e, quando apareceram os casos, usou-se uma estratégia que se chama “vacinação de bloqueio”. Nela, vacina-se todos os que poderiam ter tido contato com a pessoa infectada. Com algumas doenças isso não é possível. Nunca se conseguirá, por exemplo, erradicar o vírus da influenza ou a bactéria que causa o tétano, porque não são só seres humanos que os albergam. No caso da varicela, ou catapora, o vírus permanece no organismo e pode ser reativado na forma de outra doença: a herpes-zoster ou cobreiro. As doenças que podem ser erradicadas são aquelas em que o homem é o único hospedeiro, e em que ele não é portador crônico do vírus. Por isso falamos em controle das doenças, eliminá-las em um processo mundial é muito mais complexo.

ComCiência - A partir de 2006, a vacina contra rotavírus será agregada ao Programa Nacional de Imunizações. Quantas são hoje as vacinas que fazem parte da saúde infantil?
Oselka - A vacinação começa ao nascimento com a vacina BCG, contra tuberculose, e a vacina contra hepatite B. Logo depois se faz a vacina tríplice, contra difteria, coqueluche e tétano; a vacina oral contra poliomielite; e a vacina contra uma bactéria chamada Haemophilus influenzae principal causa de meningite bacteriana em crianças. É nesse momento da vida da criança que será introduzida a vacina contra rotavírus. No começo do segundo ano de vida se faz a vacina contra sarampo, cachumba e rubéola. Estas são as vacinas que fazem parte do esquema brasileiro de vacinação para crianças. Existem outras que ainda não fazem parte da rotina: contra varicela, hepatite A, meningococo C e pneumococo, mas que são disponíveis em serviços privados de vacinação e em centros do Ministério da Saúde chamados CRIE (Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais), e são disponibilizadas na rede pública para grupos de pessoas que têm risco maior de adquirir a doença.

ComCiência - Existem casos de desenvolvimento de sintomas da doença após a aplicação de vacinas. Quão seguras são as vacinas liberadas para aplicação?
Oselka -
Nenhuma vacina, assim como nenhum remédio, é completamente livre de efeitos adversos. Determinadas vacinas podem causar eventos adversos graves – que são felizmente muito raros e, se não fossem assim, seu uso seria inaceitável. Uma vacina só é licenciada porque estudos controlados em condições bastante rígidas mostraram que são eficazes e os eventos adversos são aceitáveis em relação à doença que se quer prevenir. Por exemplo, a vacina contra a poliomielite é feita com vírus atenuado, que perdeu a capacidade de causar a doença. Em condições especialíssimas ele volta a ser capaz de produzir a paralisia, uma vez em cada milhão de doses. Ainda assim a vacina continua sendo usada, porque o risco de contrair poliomielite é bem superior. É uma questão de pesar riscos e benefícios. Sabe-se que um dos componentes da vacina tríplice é a capacidade dela desenvolver uma forma muito branda de meningite, mas há formas diferentes de produzir a vacina e esse risco, que já era muito pequeno, pode ser ainda menor conforme o produtor. Quando se começa a usar uma vacina nova a situação é diferente, porque os estudos que levam ao licenciamento da vacina incluem um número determinado de crianças e adultos. Quando se trabalha com eventos adversos que só aparecem uma vez a cada milhão de doses isso só será percebido quando se começar a usar a vacina em larga escala. Por isso, nessas ocasiões, são criados mecanismos de vigilância capazes de detectar o que possa acontecer.

ComCiência - Há o caso recente de incidência de poliomielite entre os Amish grupo religioso que vive isolado e condena o uso de utensílios modernos, nos EUA, cujos costumes banem a vacinação. Como lidar com esses casos e o que eles representam para a saúde pública?
Oselka - Esse é um problema não adequadamente resolvido em todo o mundo, porque a única forma de se acabar com essa questão seria a vacinação compulsória. Em geral, se adota uma posição de compromisso. Por exemplo, essas crianças Amish costumam estudar em escolas próprias da comunidade. Mas, se forem estudar em escolas públicas, há nos EUA uma legislação de requerimento de vacinação. Entretanto, a maior parte dos estados norte-americanos aceita isenção de ordem religiosa e/ou filosófica. Foi isso que aconteceu em São Paulo, com duas crianças que pegaram sarampo. Elas não tinham sido vacinadas porque as famílias são de uma filosofia chamada antroposofia, que não aceita vacinação. Por enquanto, a vacinação é uma escolha individual, mas há sempre um risco. É um dilema ético, de cidadania, que tem se procurado trabalhar, e é possível que se criem situações — por exemplo se houvesse um surto de sarampo ou se a varíola fosse reintroduzida por um ataque bioterrorista — em que o Estado declare que as crianças dessas comunidades devem receber a vacina para a sua própria proteção. Numa situação de risco completo, a sociedade consideraria que não vacinar a criança que está em risco de uma doença grave seria uma forma de mau-trato e, portanto, a sociedade assumiria a responsabilidade por essa criança.

ComCiência - Atribui-se às campanhas de vacinação a melhora geral de vida humana. Quais as principais linhas de pesquisa na área?
Oselka - Existem hoje vacinas para cerca de 26 doenças. Elas são utilizadas rotineiramente ou em casos especiais, como situações epidêmicas ou apenas para determinados grupos populacionais com risco maior de adquirir a doença. Por outro lado, existe um número muito grande de vacinas em fase de desenvolvimento. Por exemplo, no ano que vem tudo leva a crer que uma vacina contra os papilomavírus, uma das causas mais importantes de câncer do colo do útero em mulheres, deve entrar em uso. É uma área muito dinâmica, porque há um grande interesse em produzir vacinas, mas a adoção de novas vacinas é sempre um processo gradual, porque todo o processo de criação, desenvolvimento e teste é necessariamente muito demorado para garantir que elas sejam seguras e eficazes.

ComCiência - Como o senhor avalia o sistema de imunização brasileiro no âmbito internacional?
Oselka - O Programa Nacional de Imunizações (PNI) é um programa de grande sucesso. Esta não é uma afirmação ufanista nem partidária. Há vários governos ele se mantém como um excelente programa. A qualidade do programa, sua extensão (o número de vacinas presentes) e o seu alcance são os parâmetros mais importantes de avaliação. Por qualquer desses parâmetros o programa brasileiro é considerado internacionalmente excelente. Em nível brasileiro, é difícil fugir da afirmação que o PNI é pelo menos um dos dois melhores programas do Ministério da Saúde e da Secretaria de Saúde. O programa tem conseguido introduzir novas vacinas aos poucos. Em 2006, será a vacina contra o rotavírus, sendo que o Brasil é o primeiro país a disponibilizá-la em larga escala, mas mesmo assim continuamos com algumas vacinas na fila de espera. Há países com programas mais abrangentes que o brasileiro, mas creio que nos padrões de países com o mesmo nível sócio-econômico que o nosso e mesmo de países com nível superior, o programa brasileiro está numa boa posição.