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Artigo
Poluição luminosa e a necessidade de uma legislação
Por Saulo Gargaglioni
10/10/2009

Com o crescimento das cidades tem ocorrido o aumento do brilho no céu noturno na maioria dos países. Esse efeito reduz a visibilidade das estrelas, além de causar muitos outros impactos. O aumento na luminosidade do céu noturno é um dos efeitos mais evidentes da poluição luminosa, que pode ser definida como a luz externa mal-direcionada que não é aproveitada devidamente, causando o brilho visto acima das cidades, ao invés de somente iluminar o chão.

Tal fenômeno é o resultado do mau planejamento dos sistemas de iluminação. Uma das grandes vantagens da conscientização para o planejamento desses sistemas é a economia de energia elétrica, visto que existe grande desperdício de energia pela escolha inadequada da iluminação dos municípios. A visibilidade do céu noturno tem sido prejudicada não só pelas luminárias das vias públicas, mas também pela iluminação ineficiente de estádios de futebol, outdoors, monumentos e fachadas de prédios.

Tipos de poluição luminosa 

Existem três tipos de poluição luminosa, que podem ser descritas como brilho no céu, ofuscamento e luz intrusa.

O brilho no céu se refere a o brilho alaranjado que pode ser visto acima das cidades. É causado pelas luzes que se direcionam para cima. Pode ser visto a quilômetros de distância e ofusca as estrelas que estão mais próximas ou um pouco acima da linha do horizonte. A cor alaranjada é devido à iluminação das lâmpadas de vapor de sódio.

Um dos métodos mais básicos e aproximados de se estimar o brilho no céu é por meio da fórmula chamada “Lei de Walker”. Essa fórmula foi proposta por Merle Walker, em 1970, baseada em suas medidas do brilho no céu para cidades da Califórnia (EUA) e pode ser usada para estimar o brilho do céu em um sítio de observação, com o telescópio em um ângulo a 45º de zenite em direção a uma fonte urbana a “d” quilômetros de distância (Ida, 2007).

A fórmula, que determina a estimativa do brilho do céu em um sítio de observação, é descrita por: I = 0.01Pd-2.5

Onde I é o aumento do nível de brilho do céu acima do céu escuro natural; P é a população da cidade em habitantes; d é a distância do centro da cidade em km; e 0,01 é uma constante típica para a maioria das cidades que apresentam uma determinada quantidade de iluminação pública.

Por exemplo, se I = 0,02 significa um aumento de 2% do brilho do céu quando comparado ao céu escuro sem a contribuição de fontes artificiais, e se I = 1,0 significa que o brilho no céu é o dobro do fundo do céu escuro natural, um aumento de 100%. Essa equação encaixa-se melhor em cidades onde a quantidade de lúmens emitidos por pessoa fica entre 500 e 1.000. Já em grandes cidades, onde a quantidade de lúmens emitidos por pessoa é maior que a faixa entre 500 e 1.000, a quantidade de brilho no céu pode ser maior do que apontada pela fórmula.

O segundo tipo de poluição luminosa é o ofuscamento, que é a luz direta nos olhos que ofusca momentaneamente a visão. E o terceiro refere-se à luz que brilha de um domínio para outro onde não é necessária e clareia o interior das edificações, a chamada luz intrusa. Pode causar desconforto aos habitantes dentro de suas residências, que são privadas da escuridão absoluta. Essa luz invade as aberturas de edificações, tais como janelas e portas, clareando o interior das mesmas.

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Fonte: Adaptado de House of Commons, 2003 

Impactos da poluição luminosa 

A poluição luminosa pode causar impactos sociais, ambientais, econômicos e científicos. Em relação aos impactos sociais, estudos tem sugerido que a exposição à luz durante a noite pode ser um fator de risco para o câncer, devido à supressão da luz noturna sobre glândula pineal, reduzindo a produção do hormônio melatonina. A melatonina é o principal produto secretado pela glândula pineal, e é exclusivamente sintetizada no escuro. A produção e secreção desse hormônio é inversamente proporcional às exposições ambientais de luz e sua redução tem sido altamente correlacionada com o aumento do risco de câncer de mama.

A invasão de luz nas casas devido às lojas, shoppings e outros locais com alta iluminação noturna também podem prejudicar a qualidade do sono das pessoas, podendo ocasionar stress. Motoristas podem ter sua capacidade visual reduzida por alterações bruscas de ambientes claros para escuros e vice-versa.

A poluição luminosa também prejudica a visualização do céu pelas pessoas. Estima-se que cerca de 1/5 da população mundial, mais de 2/3 da população dos EUA e mais da metade da população da União Europeia perderam a visibilidade a olho nu da Via Láctea.

Os impactos ambientais causados pela poluição luminosa podem ocasionar mudanças na orientação e atração dos organismos em locais com iluminação noturna alterada, podendo afetar a reprodução, migração e comunicação das espécies. Algumas aves e répteis que são usualmente diurnos caçam a noite na presença de luz artificial. Esse comportamento pode ser benéfico para essas espécies, mas não para suas presas, ocasionando, dessa forma, um desequilíbrio ambiental. Pássaros atraídos pela luz dos prédios, torres de transmissão, monumentos e outras construções, voam sem cessar em torno da luz até caírem de cansaço ou pelo impacto em alguma superfície.

A iluminação artificial nas praias também pode ocasionar a desorientação de filhotes de tartarugas marinhas que saem dos ninhos nas praias. Normalmente, os filhotes movem-se em sentido contrário de ambientes escuros e baixos e vão em direção ao oceano. Com a presença de luzes artificiais na praia, os filhotes não conseguem diferenciar os ambientes, resultando em desorientação.

Em relação à flora, demonstrou-se que os principais efeitos são que plantas não florescem se a duração da noite é mais curta do que o período normal, enquanto outras florescerão prematuramente como resultado da exposição ao fotoperíodo necessário para o florescimento.

Em relação aos impactos econômicos, pesquisadores norte-americanos estimam que são desperdiçados nos EUA anualmente 2 bilhões de dólares com iluminação ineficiente. Na área de astronomia também ocorrem grandes perdas econômicas. Nesse sentido, um estudo de Rene Mendez e Ricardo Schmidt (2006) se baseou em um telescópio de 8 metros de diâmetro com custo de aproximadamente 85 milhões de dólares. De acordo com esses autores, um aumento de 25% na iluminação noturna, ocasiona uma perda de quase 20 milhões de dólares para a astronomia. Um exemplo concreto de tal prejuízo é o telescópio de 5 metros de diâmetro instalado em Monte Palomar, Califórnia, que desde seu término, por volta de 1940, até a década de 1970 foi considerado o maior telescópio do mundo. Com o aumento da poluição noturna emitida pelas cidades de San Diego e Los Angeles, esse grande telescópio teve sua eficiência reduzida pela metade.

Relativo aos impactos científicos, a astronomia também está sofrendo com a poluição luminosa, particularmente devido aos efeitos adversos da iluminação noturna das cidades. A luz direcionada para o espaço é prejudicial, visto que uma parte dessa luz é refletida por gotículas formadas pela umidade e partículas de pó atmosféricas, causando um fundo luminoso que sobrepõe a luz natural do céu e das estrelas. Os astrônomos requerem observações de objetos fracos que apenas podem ser feitas com grandes telescópios em locais livres da intensa luz das cidades. Com o uso de telescópios de 4 metros de diâmetro, equipados com detectores eletrônicos sensíveis, é possível observar objetos que estão 250 milhões de vezes mais distantes que as estrelas mais distantes que o olho humano pode distinguir (isso equivale a detectar a luz de uma vela a uma distância de 100 mil km). Essas observações permitem aos astrônomos detectar galáxias que se encontram à cerca de 10 bilhões de anos luz.

A 27a Assembleia Geral da União Astronômica Internacional, que ocorreu na cidade do Rio de Janeiro em agosto de 2009, lançou uma resolução "em defesa do céu noturno e pelo direito à luz das estrelas". Essa resolução pede que o céu seja tratado como patrimônio natural, devendo assim ser preservado.

Uso racional da energia 

Pode-se identificar facilmente o uso irracional dos sistemas de iluminação que causa a poluição luminosa. Sistemas de iluminação mal projetados, direcionando a luz acima da linha do horizonte, podem ser evitados com um planejamento e a utilização adequada de lâmpadas, luminárias e acessórios. Na figura 2 são mostrados quatro exemplos de iluminação, sendo dois deles totalmente ineficientes, que causam dispersão de luz acima da linha do horizonte e os outros dois eficientes. Note nos dois primeiros exemplos o brilho alaranjado no céu, que é resultado da luz direcionada diretamente ao céu, tirando a visão que a população tem das estrelas. À medida que os sistemas se tornam mais eficientes, pode-se notar que o brilho alaranjado do céu desaparece, podendo-se visualizar um maior número de estrelas. Como se pode observar, quando os sistemas são planejados, existe um melhor aproveitamento do fluxo luminoso, utilizando-se a energia de modo mais eficiente.

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Fonte: Canadian Space Agency (CSA), 2007 

O Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA), localizado em Itajubá (MG), opera o Observatório do Pico dos Dias (OPD), localizado entre os municípios sul-mineiros de Brazópolis e Piranguçu, onde está instalado o maior telescópio do Brasil em solo nacional. Na figura 3 é mostrada a poluição luminosa no entorno do Pico dos Dias. Pode-se notar o brilho no céu acima das cidades mineiras de Itajubá, Santa Rita do Sapucaí, Pouso Alegre e Campos do Jordão (SP). Esse brilho no céu é devido à poluição luminosa, resultado da falta de planejamento dos sistemas de iluminação e causado por toda luz que ilumina acima da linha do horizonte. O mau planejamento dos sistemas de iluminação resulta em desperdício de energia e diminui o poder de observação dos telescópios que estão localizados no Observatório do Pico dos Dias. Ao centro da figura, visualiza-se a Via Láctea.

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Fonte: Laboratório de Física e Astronomia da Univap, Gargaglioni (2007)

 

No mundo, a conscientização das pessoas é cada vez maior a respeito da poluição luminosa. Em diversos países foram adotadas medidas para minimizar os problemas dessa poluição. O primeiro país a criar uma legislação para combater os efeitos nocivos da poluição luminosa foi os Estados Unidos. Itália, Espanha e Chile também são exemplos de países onde as leis combatem a poluição luminosa. A República Tcheca foi o primeiro país a aprovar uma legislação federal para resolver o mesmo problema, em 2002.

No Brasil a legislação atual ainda é muito desconhecida e pouco abrangente. Das referências coletadas, tem-se conhecimento de apenas três legislações. A primeira foi criada pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama) visando proteger as tartarugas marinhas, que ficaram muito tempo ameaçadas de extinção no Brasil e no mundo. A Portaria n o 11, de 30 de janeiro de 1995, viabiliza a proteção desses animais em determinadas áreas de desova, alimentação e outras, onde possa haver comprometimento de ovos, de filhotes ou de tartarugas adultas.

Na cidade de Campinas (SP), a lei municipal n o 10.850 de 07 de junho de 2001, e também a lei municipal de Caeté (MG) de 1982 foram criadas para proteger o entorno dos observatórios que existem nesses locais.

Em minha dissertação de mestrado intitulada “Análise legal dos impactos provocados pela poluição luminosa do ambiente” (Unifei, 2007), apresento um anteprojeto de lei que tem a finalidade de combater a poluição luminosa com a regulamentação de instalações de iluminação externas e internas, públicas e privadas. Esse anteprojeto sugere mecanismos para evitar a poluição luminosa que ocorre devido ao mau planejamento dos sistemas de iluminação e dos efeitos produzidos por essa poluição visando a proteção do meio ambiente noturno, em benefício da flora, fauna e ecossistemas em geral.

Conclusão 

Uma legislação nacional fixando parâmetros é um modo de evitar e corrigir a poluição luminosa no Brasil. A lei a ser implementada poderá fixar normas para o planejamento e a instalação de novos pontos luminosos, determinar o uso de equipamentos e lâmpadas mais energéticas e economicamente eficientes e incentivar programas de educação da população. Além disso, o controle da poluição luminosa no entorno de sítios astronômicos, nas áreas de preservação ambiental e nas grandes áreas verdes, que ainda não são protegidas, poderia ser um aspecto a ser considerado na legislação a ser implementada.

A recuperação do céu escuro não depende só de medidas normativas, mas também de campanhas de educação ambiental com caráter sensibilizador e didático, incentivando cada indivíduo a colaborar para reduzir a poluição luminosa.

Países que seguiram as normas implementadas de combate à poluição luminosa tiveram significativos ganhos e resultados positivos, tanto pelo lado econômico quanto pelo lado ambiental e científico. Também a adoção de planejamentos mais criteriosos e modernos possibilita cidades mais eficientemente iluminadas e a mitigação dos danos ambientais.

Finalmente, vale ressaltar que iluminar bem não é iluminar em excesso, e sim, com eficiência, e os profissionais e a comunidade em geral devem ser alertados para isso. Os órgãos de disseminação de informação e os formadores de opinião devem ter conhecimento desse importante aspecto e podem possuir um importante papel em alertar a população sobre os aspectos negativos da poluição luminosa, seus impactos e meios de evitá-la.

Saulo Gargaglioni é mestre em engenharia da energia pela Universidade Federal de Engenharia de Itajubá (Unifei), trabalha no Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA) e é integrante do Núcleo de Estudo, Planejamento Ambiental e Geomática (Nepa/Unifei), que tem como coordenador o Prof. Dr. Francisco Antonio Dupas. Contato: saulo.gargaglioni@gmail.com