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Artigo
Riscos geológicos e políticas públicas
Por Ronaldo Malheiros Figueira
10/04/2010

A discussão sobre o papel do homem como agente geológico vem sendo um tema muito polêmico freqüentemente tratado de forma pontual e desprovido de uma visão sistêmica. Entendemos que este caráter de agente geológico que estamos atribuindo a ele é o resultado da necessidade permanente da apropriação dos materiais, da transformação das paisagens e é marcado por um intenso dinamismo. A relação do homem com o meio deve ser compreendida dentro de uma visão multidisciplinar, ser valorizada e incorporada nas políticas públicas e, principalmente, nos programas de governo dos candidatos a cargos majoritários nas três esferas da administração pública.

Nas grandes cidades o processo de urbanização vem sendo marcado e consolidado pela ausência de políticas públicas que priorizem o planejamento urbano, sejam pautadas por uma gestão racional e inteligente e que valorizem mais o aspecto técnico em detrimento do político. Somados a este contexto, a exclusão social induz um grande contingente populacional a implantar suas moradias em locais que não reúnem as mínimas condições para este assentamento constituindo, assim as áreas de risco.Todos estes aspectos relacionados à ação antrópica e somados aos fenômenos naturais, em especial dos eventos pluviométricos atípicos, resultam em uma série de riscos geológicos e hidrometeorológicos, que ganham destaque nos períodos de maior precipitação, a exemplo do que estamos vivendo neste verão 2009-2010 marcado por um grande número de vítimas fatais.

Antes da discussão sobre riscos é importante a abordagem de alguns aspectos que estão norteados por dispositivos legais existentes e que estão relacionados à gestão das cidades e constituem um instrumento preventivo e pró-ativo no gerenciamento urbano e conseqüentemente dos riscos. Trata-se do Estatuto das Cidades que foi promulgado em 2001 e constitui mais um instrumento importante para a política de planejamento urbano ao exigir dos municípios com mais de 20 mil habitantes a obrigatoriedade de elaboração e implementação dos Planos Diretores Municipais. Muitos especialistas destacam que a grande maioria destes planos ao enfocarem e nortearem o processo de expansão urbana deveriam incorporar aspectos importantes sobre as características e comportamento das diferentes feições geológicas e geomorfológicas. Assim, faz-se necessário e urgente que todos os planos diretores sejam precedidos pela Carta Geotécnica ou incorporem as informações sobre o meio físico que este documento técnico apresenta.

Quando falamos de risco, estamos nos referindo à condição potencial para a ocorrência de um acidente que é caracterizado pela possibilidade de danos causados por eventos físicos, fenômenos da natureza ou atividade humana, que podem resultar em perdas de vidas ou ferimentos, danos à propriedade, rupturas sociais e econômicas e degradação ambiental. É muito importante entendermos que os fenômenos naturais não são riscos, eles tornam-se riscos como conseqüência da ação e interferência do homem, que muitas vezes é fruto do processo de exclusão social e, principalmente, pela ausência de políticas publicas permanentes e preventivas que envolvam toda a máquina municipal.

Como riscos geológicos consideramos todos os fenômenos terrestres naturais associados a processos internos, como terremotos e atividades ou emissões vulcânicas, ou externos com destaque para os escorregamentos. Quanto aos riscos hidrometeorológicos estes são decorrentes de fenômenos causados por processos naturais ou fenômenos de ordem atmosférica e hidrológica, onde destacamos as inundações e alagamentos.

Como as grandes cidades estão cada vez mais vulneráveis a esses riscos torna-se necessária à adoção de políticas públicas que priorizem ações preventivas e a implantação de um gerenciamento permanente através da elaboração e implantação de Planos Preventivos de Defesa Civil. Dentre os diversos objetivos deste plano destacamos a redução ou minimização dos efeitos e conseqüências desses riscos sobre a população.

Para efetivação desse gerenciamento e necessária uma abordagem que deve ser baseada em dois eixos de ação: prevenção e preparação. Neste modelo de abordagem devem ser adotados procedimentos que passam pela identificação de riscos, análise e mapeamento; adoção de medidas de prevenção; planejamento para situações de emergência, informações públicas e treinamento e envolvimento da população.

Com relação ao gerenciamento dos riscos geológicos, os municípios, além dos cuidados com outros riscos ambientais, devem desencadear em caráter permanente uma série de ações como o controle do uso do solo, como forma de evitar o surgimento de novas áreas de risco, e o mapeamento das áreas potencialmente de riscos como forma de balizar e subsidiar outras ações como o monitoramento permanente; intervenções estruturais, como obras de contenção ou pequenas intervenções de drenagem e proteção contra erosão, e até a remoção das famílias dos setores onde o risco é alto e eminente.

Dentro dos riscos hidrometeorológicos, temos as enchentes/inundações que, apesar de ocorrem nos grandes centros urbanos e mesmo em áreas não urbanizadas, estão associadas a eventos pluviométricos decorrentes de processos naturais que são influenciados na sua magnitude pela interferência antrópica. Assim, para compreendermos sua causa devemos entender o quanto o homem modificou a dinâmica de circulação das águas na medida em que no processo de urbanização das cidades privilegiou a impermeabilização do solo; interferiu nos sistemas de drenagens; ocupou as várzeas e fundos de vale e desprezou toda a as características e fragilidades das bacias hidrográficas.

Nas enchentes/inundações as intervenções públicas, que rotineiramente surgem como uma resposta para a população, seguem na linha de obras de canalização e construção de piscinões (reservatórios de retenção), além do eterno processo de desassoreamento. Com relação ao desassoreamento, trata-se de uma ação rotineira que deve ser reavaliada, pois na essência ataca a conseqüência do problema, que é a remoção do sedimento depositado na drenagem/piscinão, e deixa de lado a origem do problema, que é a produção/origem do sedimento, a partir de processos erosivos instalados na bacia.

Este quadro reforça o fato de as enchentes/inundações, a exemplo de alguns discursos ou de mudanças climáticas significativas, jamais deixarão de ocorrer, pelo contrário tenderão a agravar-se, e deverão ser também ser tratados de forma racional, sistêmica e acima de tudo preventiva merecendo uma inversão no seu foco, ou seja, deixando de tratar a drenagem e passar a tratar a bacia.

Ainda dentro do gerenciamento dos riscos, sejam geológicos ou hidrometeorológicos, torna-se importante à informação pública, o estabelecimento de sistemas de alerta e ações que fomentem o envolvimento e comprometimento da comunidade que deve estar permanentemente capacitada a cerca dos riscos a que estão submetidas. Este trabalho, de caráter educativo/informativo, tem como objetivo principal propiciar aos moradores das áreas de risco um entendimento da dinâmica dos processos e compreensão de como deve se dar uma ação antrópica positiva, de forma a evitar e/ou minimizar a magnitude dos eventos, ou mesmo estar organiza para uma atuação integrada com o poder público nos momentos adversos.

Assim, fez-se necessário que os governantes passem a priorizar ações que fortaleçam uma visão técnica pautada pela racionalidade dos processos e por ações preventivas, além da incorporação de documentos técnicos como a Carta Geotécnica, Planos de Bacia, Planos Diretores Municipais e Planos Preventivos de Defesa Civil-PPDC, além da articulação de toda maquina pública dentro das respectivas competências. Neste olhar as políticas públicas ganham força e devem modificar um quadro centrado em intervenções estruturais e gerenciamento de conseqüências para uma situação de enfrentamento dos riscos e ações pró-ativas, onde destacamos o fortalecimento das estruturas de Defesa Civil e sua integração dentro de todos os setores da administração pública.

Devemos entender que o fortalecimento das estruturas e instituições não passam somente por recursos financeiros e materiais, passa pela contratação, capacitação e valorização de recursos humanos que possam e estejam legitimados para atuar na busca e implementação de alternativas de gerenciamento, mitigação de riscos e de muitos processos que hoje estão gerando grandes transtornos à população e desgastes políticos, sem entrarmos no mérito da economia de recursos públicos e da importância e do valor da preservação e manutenção da vida.

Ronaldo Malheiros Figueira é geólogo, professor e coordenador do curso de Geografia do Centro Universitário Sant’Anna e Presidente do Sindicato dos Geólogos no Estado de São Paulo.