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Reportagem
Moradias sociais: um desafio para o poder público e as universidades
Por Márcio Derbli
10/10/2010

Apesar dos anúncios de melhorias na maioria dos indicadores sociais brasileiros nessa primeira década do século XXI, o déficit habitacional ainda persiste como um problema de grandes proporções no país. Segundo dados divulgados este ano pelo Ministério das Cidades, para superar esse déficit, é necessário construir ou reformar substancialmente cerca de 5,8 milhões de domicílios no Brasil. As universidades têm dado sua parcela de contribuição criando soluções voltadas para o desenvolvimento de novas tecnologias e técnicas de construção e para a avaliação da qualidade das moradias.

A metodologia para calcular o déficit habitacional no país foi criada pela Fundação João Pinheiro, em parceria com o Ministério das Cidades, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), por meio do Programa Habitar/Brasil/BID. Os dados utilizados no levantamento são fornecidos pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Segundo o método, é considerado déficit habitacional moradias que devem ser construídas para repor os domicílios existentes que não apresentam as condições de segurança indispensáveis a seus moradores, como barracos de favelas vulneráveis a incêndios que podem se alastrar rapidamente. Também entram no cálculo habitações voltadas para famílias que não têm um domicílio para uso privado, além de componentes como a coabitação e os domicílios rústicos ou improvisados.

A construção de novas unidades, através de programas sociais como o “Minha casa, minha vida”, do governo federal, ou “A casa é sua”, do governo paulista, contribui para a diminuição do problema, mas dificilmente irá solucioná-lo. “Eu entendo que as estratégias para diminuir o déficit habitacional devem estar atreladas a outras medidas que procurem simultaneamente gerar empregos e renda às famílias carentes”, afirma Silvana Aparecida Alves, professora do Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Paisagem da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Segunda a especialista, mesmo programas como o Plano Nacional de Habitação (PlanHab), também do governo federal, que compreende todos os programas de habitação da esfera federal, têm que estar vinculados a políticas públicas que visam a criação de novos empregos.

Os programas habitacionais são dirigidos, principalmente, à população de baixa renda. Sem acesso aos empregos, os beneficiados deixam de pagar as prestações das moradias. “Esse é um dos principais problemas das famílias com renda abaixo de três salários mínimos. O problema é histórico, vem desde o período do BNH (Banco Nacional da Habitação, extinto em 1986) e se perpetua até os dias de hoje”, analisa a pesquisadora.

As universidades do país têm contribuído com estudos voltados para minimizar esse problema. As duas principais linhas de pesquisas na área são as destinadas para o desenvolvimento de novas técnicas e tecnologias para a construção e as direcionadas para questões de avaliação pós-ocupação, conforto ambiental e percepção ambiental dos moradores.

A primeira linha pesquisa novos materiais e sistemas construtivos para uso na construção civil, visando utilizar materiais que reduzam custos e desperdícios no canteiro de obras, racionalizando a construção das moradias. A segunda linha analisa as necessidades e expectativas dos moradores. Com os dados, os pesquisadores podem propor novas estratégias de intervenção ou projetos novos. As duas linhas de pesquisa se complementam, procurando melhorar a qualidade espacial, técnico-funcional e construtiva das moradias.

Um exemplo da linha que analisa as necessidades dos moradores é uma pesquisa realizada na região metropolitana de Porto Alegre (RS), pela Fundação de Economia e Estatística, que avaliou o impacto das políticas públicas voltadas para questões habitacionais. Segundo as conclusões do estudo, uma política habitacional eficiente precisa focar na regularização fundiária – retirar a área em questão da clandestinidade, promovendo a inclusão legal do território – e envolver a participação comunitária nas decisões e definições dos programas que serão desenvolvidos. Outro dado interessante apontado na pesquisa é a preocupação com o empoderamento da mulher. Segundo o estudo, a inclusão das mulheres nos processos de regularização fundiária pode levar a resultados mais satisfatórios, inclusive posteriormente, em relação ao uso dos espaços coletivos, segurança e convívio social.

As universidades também desenvolvem inúmeros estudos voltados para novas tecnologias. Materiais que reduzem o custo das construções e ainda colaboram com a questão ambiental já foram tema de matérias publicadas na revista ComCiência, como a que trata de pesquisa realizada na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a qual desenvolveu painéis de concreto e garrafas PET para serem utilizadas em casas pré-fabricadas. Outra experiência dessa mesma universidade, também relatada pela ComCiência, procurou industrializar a construção de casas de madeiras barateando os custos de produção, com a utilização de madeira de reflorestamento.

A universalização das técnicas desenvolvidas, porém, não é imediata ou direta. Segundo a professora da Unesp, nem todos os estudos realizados nas universidades brasileiras podem ser aplicados em larga escala, pois é necessário avaliar as condições ambientais e a disponibilidade dos materiais em cada localidade. “Além disso, devem-se considerar as diferenças climáticas de cada região do país e, mais especificamente, de cada local para empregar materiais adaptáveis às variáveis climáticas. Por isso, as pesquisas sobre conforto ambiental, sobretudo o conforto térmico, são importantes para indicar os materiais mais apropriados para cada lugar”, explica a pesquisadora.

A construção de moradias sociais, por menor que seja seu custo, não precisa ser sinônimo de casas desconfortáveis. O estudo das propriedades térmicas dos materiais que são utilizados nas casas, sua inércia térmica (taxa de transferências de calor entre os materiais) e o desempenho que a edificação poderá oferecer podem contribuir para a melhora do conforto térmico, por exemplo. Silvana Alves relata que algumas pesquisas apontam que a adoção de determinados critérios no projeto, visando otimizar o conforto térmico, não só podem como devem ser empregados. Essas medidas, segundo ela, não implicam em aumento de custos durante a obra e resultam em conforto para os moradores. “A investigação para reduzir custos durante a construção da edificação deve preocupar-se também com a adaptação climática, como forma de reduzir o consumo de energia em fase pós-ocupação.”, ressalta Alves.

A construção de moradias de interesse social com custo reduzido e maior conforto traz benefícios não apenas à população que necessita dos imóveis, mas também à iniciativa privada, mais especificamente à cadeia produtiva da construção civil, que se beneficia da expansão do crédito imobiliário e dos programas de incentivo à construção de moradias populares, como o do governo federal e o da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), do governo paulista. Mas como reconhece o próprio poder público, ainda há um longo caminho a percorrer na redução do déficit habitacional. E a contribuição acadêmica para isso continuará a ser bem vinda.