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Reportagem
Condomínios usam arquitetura medieval para garantir melhoria de vida
Por Bruna Azevedo
10/10/2010
Com a constante expansão e o desenvolvimento das grandes cidades, muitas pessoas buscam opções para fugir das pressões e problemas característicos de uma metrópole. E para quem está atrás de ar puro, mais qualidade de vida e oportunidades de convivência social, os condomínios ou loteamentos fechados tornaram-se uma boa escolha. A oferta de mais segurança, aliada à tranquilidade, aumentam a procura por esses empreendimentos que promovem também uma mudança na paisagem das cidades.

Na verdade, a escolha pelos condomínios fechados não é tão recente. Já na década de 1970 eles despontavam como alternativa de um novo modo de morar, voltado para as classes média e alta. O primeiro projeto de grande escala foi o Alphaville, localizado no município de Barueri (SP) e que, atualmente, reúne uma população fixa estimada em 50 mil habitantes. A época desse lançamento foi marcada pelo acirramento do êxodo rural, expansão urbana acelerada, aumento da pobreza e das taxas de criminalidade nas cidades. 

Segundo o geógrafo Lucas Melgaço, “a busca pela segurança é evidente, mesmo sendo os condomínios o maior alvo da criminalidade hoje”. Em São Paulo, desde o ano passado, existe uma delegacia especializada para a investigação de roubos e furtos a condomínios. As operações são centralizadas na 4ª Delegacia da Divisão de Crimes Contra o Patrimônio e a criação foi uma iniciativa da Secretaria de Segurança Pública (SSP) e do Secovi-SP (Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo). Segundo o SSP, em 2009 foram registrados 32 assaltos em condomínios do estado. Esses números, porém, podem estar subestimados, uma vez que o número de ocorrências é bem maior que o declarado, já que, por receio de desvalorizar o empreendimento, muitas vítimas deixam de registrar queixa nos órgãos competentes.

Embora o medo da violência seja um dos fatores preponderantes na escolha pelo condomínio, não é o único. “O contato com o verde é outro atrativo, além do desejo de distanciamento, de segregação, de não ter alguém batendo à sua porta”, diz o geógrafo que, em seu doutoramento na Universidade de São Paulo (USP), em cotutela com a Universidade de Paris, estuda o tema da segurança, da vigilância e da segregação socioespacial em Campinas, interior de São Paulo.

Esse anseio pela segregação e por segurança influencia na forma como são planejados e construídos esses empreendimentos. Para a arquiteta e urbanista Thyana Galvão, em certo sentido a arquitetura das cidades volta no tempo, utilizando recursos de autodefesa que remontam ao período medieval.  "Gera-se um número cada vez maior de espaços privados e, claro, a diminuição de espaços públicos. A cidade passa a hostilizar o homem que a habita", ressalta Galvão, professora da Universidade Federal de Pernambuco.

Em sua pesquisa de doutorado – em andamento na Universidade Federal do Rio Grande do Norte –, Galvão aborda a influência da criminalidade nas características das cidades atuais e descreve os núcleos medievais, que podem facilmente ser encontradas nos condomínios fechados que conhecemos hoje. Esses núcleos eram cercados por grandes muralhas feitas de pedra, mármore ou cimento, com torres que permitiam identificar quem estivesse se aproximando; ficavam em lugares distantes ou de difícil acesso como o topo de montanhas; lanças, vigília e pontes levadiças dificultavam qualquer invasão e garantiam a segurança da comunidade. Dentro dos muros, uma organização autossuficiente se instalava ao redor de templos religiosos, estabelecimentos de comércio, centro de entretenimentos populares, contando ainda com sistemas próprios de leis e de defesas contra os inimigos.
 


Na intenção de garantir a segurança do morador, os condominios utilizam recursos
como câmeras (1), cercas concertinas (2) e até a combinação de vários equipamentos
em um mesmo espaço (3).


Hoje, os condomínios ocupam parte considerável do cenário das cidades grandes e das menores que as rodeiam. Além disso, são vendidos com garantias de segurança, lazer, contato com a natureza, entre outros benefícios que se tornam privilégio das pessoas que optam por morar neles. Já os impactos negativos para a cidade em que estão inseridos são pouco divulgados. Melgaço chama a atenção para os possíveis problemas que esses empreendimentos podem gerar para a circulação de carros e pessoas quando ruas são fechadas para sua construção. Além disso, podem gerar uma movimentação, antes inexistente, para a qual o entorno não está preparado. Para ele “o condomínio valoriza apenas o próprio condomínio. O impacto que ele gera ao redor pode ser negativo. Em Los Angeles, por exemplo, nos bairros em volta de condomínios houve aumento de criminalidade, pois esses empreendimentos tornaram-se o foco dos roubos”, explica o geógrafo. Ou seja, eles muitas vezes atraem justamente aquilo que mais querem evitar.


Lucas Melgaço aponta uma outra característica dos condomínios. Trata-se da variedade de estilos das casas que, segundo ele, na maioria das vezes não seguem um padrão único. “Os condomínios têm regras como determinar uma área mínima a ser construída no terreno, mas é fácil ver pilares de estilo romano misturados com outros estilos mais anacrônicos”. Para o geógrafo trata-se de uma arquitetura de exageros e excentricidades como casas com vidros nos lugares das paredes que permitem ver o que há dentro. 
 


Fotos: Bruna Azevedo - Casas em condominios fechados permitem uma liberdade
arquitetônica maior e até a ausência de portões e grades; mas algumas (2)
utilizam cerca elétrica como reforço da segurança.


Mas a ousadia que envolve algumas construções é o que garante o valor da obra, segundo Danilo Matoso Macedo em seu artigo  publicado na revista Arquitextos. “Não há dúvidas de que, não apenas a arquitetura ainda é pensada em termos de estilo, como também esta é a discussão majoritária em nosso campo. É a discussão de estilo que subjetiviza todo e qualquer juízo de valor acerca de uma obra. E, se por um lado ela tem gerado a exaltação de profissionais e edificações de mérito duvidoso, por outro lado é o que assegura ao campo arquitetônico sua reserva de mercado”.

Entre prós e contras, o ramo de negócios ligados a esses empreendimentos vem crescendo e se diversificando. Hoje, além dos condomínios mais tradicionais, é possível residir em um “clube de morar”, que permite agrupar em um mesmo espaço moradia, trabalho e serviços. Com isso, afirma Galvão, cria-se uma geração de alienados que não conhecem e não sabem se locomover na cidade. “As pessoas têm procurado os clubes de morar como uma alternativa à criminalidade, mas elas não percebem que essas ‘ilhas do prazer’ também trazem prejuízos: eu me protejo ao mesmo tempo em que deixo vulnerável quem anda nas ruas, uma vez que tais empreendimentos são totalmente cercados por muros e grades”.

Esses empreendimentos dispõem de terrenos para construir a casa, opções de serviços como escola, supermercado, farmácia, e espaços dedicados ao lazer, como clubes, parques e piscinas, na intenção de fazer com que o morador passe 24 horas dentro do condomínio. Alguns têm oferecido também prédios de escritórios. Em Sumaré, cidade do interior de São Paulo, o empreendimento Villa Flora abriga aproximadamente 3 mil famílias de diferentes classes sociais, uma média de 9 mil pessoas convivendo em um bairro planejado, como é chamado pela incorporadora. De acordo com Marcelo Araújo, diretor regional da Rossi (construtora responsável pelo condomínio), a vantagem é a facilidade no dia a dia, que é um dos princípios do novo urbanismo integrado com a arquitetura e o paisagismo. “O diferencial está no todo, no planejamento para que as casas fiquem de frente para praças ou pátios centrais, ruas largas com calçadas generosas e bem arborizadas, valorizando a integração entre pedestres e veículos, e mantendo a segurança de todos”. Além disso, continua Araújo, há uma necessidade de aprovação arquitetônica de projetos com o intuito de não desvalorizar os outros imóveis e, ainda, manter as características do bairro, que preza pela simplicidade das pequenas vilas.

Mas com essa facilidade de agrupar as necessidades dos moradores, a convivência social se restringe e pode gerar consequências que Galvão classifica como negativas. “Por trás desses muros ocorre uma coisa bastante comum: um alto número de transgressões sociais uma vez que o condomínio é um espaço sem regras estabelecidas legalmente”. Sobre isto, Araújo diz que a solução está em orientação e consciência de respeito à coletividade. “O Villa Flora conta com uma associação de moradores, com forte participação nas atividades. Essa integração faz com que os problemas diários de um bairro passem a ser problema de todos e quando, se sentem parte integrante da comunidade, todos cuidam do bom andamento”, explica.

Mesmo assim, as críticas sobre a privação dos que estão fora e os privilégios dos que estão dentro continua fomentando um questionamento em relação ao direito dos cidadãos. “O condomínio é uma cidade privada, um bairro. Essa pequena cidade usa o restante da cidade. Por mais que conte com clube, igreja ou escola, os moradores não vão ficar ali o tempo todo. Eles necessariamente vão usar os recursos da cidade, porém, a cidade não ganha uma contrapartida, não tem acesso a essas ruas e não pode usufruir dos benefícios reservados aos moradores desses condomínios”, completa Melgaço. 


Legislação
O condomínio é assegurado pela Lei básica 4.591, de 16 de dezembro de 1964, existindo também regulamentação na Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Novo Código Civil) e na Lei 8.245 de 18 de outubro de 1991, que trata das locações residenciais. “É muito complicada a legislação federal sobre a legalidades dos condomínios. Você não vai encontrar nas leis federais, que são responsáveis pelo planejamento e loteamento urbano, a expressão “condomínio fechado”. Existem leis municipais. Em Campinas (SP) há duas, mas para alguns juristas essas leis são inconstitucionais porque sobrepõem uma lei federal que já trata do assunto”, explica Melgaço.