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Reportagem
As experiências da Febrace e da Mostratec
Por Cristiane Paião e Andreia Hisi
10/12/2010

Organizada há 25 anos numa escola pública de Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, a Mostratec, inicialmente, tinha um caráter mais interno, de apresentação de projetos e experimentos dos próprios alunos às suas famílias. Mas, com o passar dos anos, acabou se tornando um evento de projeção internacional. Hoje, a feira ampliou não apenas as áreas do conhecimento abarcadas pelos projetos como também a interação com outras escolas. Na edição de 2010, foram 300 projetos de 13 áreas do conhecimento de 21 países, como Turquia, Nigéria, Itália, Espanha, Rússia, Azerbaijão, Casaquistão, além de países da América Latina. De acordo com Maria Inês Utzig Zulke, diretora executiva da Fundação Escola Técnica Liberato Salzano Vieira da Cunha, promotora da Mostratec, os benefícios são imensos, não apenas para os alunos, mas também para a comunidade e a própria escola.

“Eles se tornam mais pró-ativos, independentes e interessados. Ao começar a fazer coisas que provavelmente só fariam na graduação, ou mesmo na pós, eles ampliam a visão de mundo, conhecem outras culturas e idiomas. A comunidade e a escola, por outro lado, também se beneficiam, porque toda uma geração de jovens investigativos e comprometidos com a cidadania se forma. E as empresas, claro, terão profissionais mais qualificados”, destaca Zulke.

Tudo isso é fruto de um trabalho bastante estruturado: na fundação gaúcha, ensino médio e técnico são conjugados, isto é, o aluno faz os dois ao mesmo tempo; além disso, a escola inseriu no currículo de todos os cursos disciplinas de metodologia de pesquisa e trabalho de conclusão de curso. Atualmente, a escola possui parcerias com oito universidades que premiam os melhores projetos com bolsas de estudos, e com empresas da região que oferecem vagas aos melhores colocados.

Já em terras paulistas, promovida pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), por meio do Laboratório de Sistemas Integráveis, a Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace) é o maior evento do gênero, reunindo estudantes do 8 o e 9 o anos do ensino fundamental, dos ensinos médio e técnico, e que tenham no máximo 21 anos de idade. Criada em 2003 com o intuito de estimular jovens cientistas através do desenvolvimento de projetos em diferentes áreas das ciências e da engenharia, a feira é realizada anualmente na Universidade de São Paulo e envolve, a cada nova edição, um número maior de estudantes e professores no desenvolvimento de projetos investigativos.

“O objetivo da Febrace, desde o início, foi o de desenvolver uma ação em que se pudesse dar uma amplitude maior e valorizar as iniciativas das feiras de ciências já existentes, fazendo com que elas fossem fortalecidas, criando, ao mesmo tempo, uma estratégia para dar visibilidade nacional e, se possível, internacional para esses estudantes e professores” enfatiza Roseli de Deus Lopes, coordenadora geral da Febrace.

Para participar, os estudantes precisam submeter projetos individuais ou em grupo de até três pessoas, com a participação obrigatória de um professor orientador. Na primeira etapa de seleção, 150 professores doutores avaliam os projetos e escolhem cerca de 280 finalistas para participarem da mostra, sempre em março, na Universidade de São Paulo, tendo como critérios: criatividade e inovação, conhecimento científico do problema, maneira como foram levantados os dados e conduzido o projeto, profundidade da pesquisa e a clareza de apresentação na documentação do projeto. O objetivo não é necessariamente achar o melhor projeto, mas os melhores talentos, e avaliar todas as etapas e não apenas o resultado final. Isso dá importância ao relatório que os alunos devem enviar para a seleção.

Durante a mostra, os estudantes são avaliados por mais de 250 professores mestres e doutores, que elegem os primeiros, segundos e terceiros lugares de cada categoria, contemplados com troféus, medalhas e certificados. Diversas instituições públicas e privadas também oferecem prêmios, como estágios, bolsas de estudo, equipamentos eletrônicos, visitas técnicas e credenciais para participação em outras feiras nacionais e internacionais. O grande destaque fica para o prêmio da Intel Foundation, que oferece credencial e estadia para os estudantes de nove projetos selecionados representarem o Brasil na maior feira pré-universitária do mundo: a Internacional Science and Engineering Fair (Intel Isef), que acontece todo mês de maio, nos Estados Unidos.

Na última edição desse evento internacional, a delegação brasileira, composta de estudantes finalistas da Febrace, da Mostratec e da Escola Americana de Campinas, teve um resultado impressionante: conquistou 21 prêmios, tornando-se a terceira delegação mais premiada, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e da China.

“Ainda não temos dados quantitativos, pois estamos tentando recursos para fazer esse rastreamento, mas já temos alguns dados qualitativos. Recentemente, encontramos exemplos de alunos que, por terem participado da feira e realizado projetos de ciências, acabaram tomando decisões importantes sobre a carreira que gostariam de seguir; que reforçaram o desejo e a escolha pelo curso de engenharia; ou que descobriram, a tempo, que sua vocação, na verdade, não era engenharia, mas áreas afins, como economia ou administração, por exemplo. E para nós, essa é uma grande motivação”, ressalta Lopes.

Perspectivas e desafios

“Se formos ver os indicadores do Brasil nessas áreas de ciências, vamos ver que temos sérios problemas não apenas nas escolas públicas, mas nas particulares também. Há uma tendência muito grande em se trabalhar preso ao livro didático, sem estimular a experimentação. E isso precisa mudar. Para aprender de verdade, é preciso ter uma experiência, uma vivência com os conceitos, e nada melhor do que trazer situações do mundo real para isso”, argumenta Lopes.

Tal tarefa, porém, não é fácil. Uma das dificuldades enfrentadas por professores para ilustrar com equipamento científico aulas de eletrostática, por exemplo, é que isso sai caro: um gerador de Van de Graaff custa R$ 2.507. Segundo Luiz Ferraz Netto, criador do site Feira de Ciências, uma montagem caseira desse gerador sai por, no máximo, R$ 200. Mas para montá-lo, é preciso conhecimento, o que, segundo ele, na maioria das vezes não se tem. Há falta de preparo tanto dos professores da rede pública quanto das escolas particulares.

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Netto escutando FM com fones motorizados, um dos atrativos de seu site
Foto: Divulgação/Feira de Ciências

Para Netto, infelizmente as feiras no Brasil não vêm atingindo plenamente seus propósitos iniciais de revelar novos talentos e promover o interesse pela ciência e pela pesquisa. Ainda assim, ele é um grande entusiasta e acredita que as feiras devam ser cada vez mais potencializadas. “Nosso povo não tem tradição para esse tipo de evento, mas é preciso formar professores e incentivar, cada vez mais, a realização dessas feiras. É preciso recuperar o seu cunho realmente didático e científico”, ressalta.

Segundo Marcelo Knobel, pró-reitor de graduação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), talvez o que esteja faltando não seja infraestrutura, mas motivação. “Você vai fazer uma feira pra quem? Porque isso tem um custo. Quem tem recursos para ir a uma feira? Qual é o benefício que ela traz?”, indaga. Ele dá como exemplo o grande evento que organizou na Unicamp, a reunião da SBPC, que tem uma feira associada: mesmo com a perspectiva de 20 mil visitações por dia, era difícil conseguir pessoas dispostas a investir na montagem de estandes, em mostrar produtos, em participar de discussões. “O mercado que gira em torno de ciência e tecnologia não é maduro o suficiente para bancar uma feira desse tipo. Falta uma engrenagem que faça as coisas funcionarem. A partir do momento que tivermos mais espaços pra frequentar, essa cultura irá certamente surgir”, avalia.

Lopes, da Febrace, acrescenta um outro desafio: “Diversas pesquisas vêm mostrando que muitos alunos têm desistido de estudar, não apenas pelo fato de precisarem trabalhar desde jovens. As pessoas têm se sentido desmotivadas porque não acreditam que a escola esteja fazendo a diferença na vida delas. É muito importante mexer mais com o mundo real, trabalhar com temas que sejam relacionados com o cotidiano de uma forma um pouco mais profunda dentro da escola. Isso certamente vai fazer com que os jovens tenham mais interesse pela escola e também por ciência e tecnologia”, afirma.

Na tentativa de incentivar e promover a realização de feiras de ciências e mostras científicas por todo o país, uma parceria inédita entre o Ministério da Ciência e Tecnologia, o Ministério da Educação, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e a Secretaria de Educação Básica lançou este ano um edital para financiar projetos de feiras, com recursos totais estimados em R$ 10,2 milhões. Haverá, ainda, a concessão de aproximadamente mil bolsas de iniciação científica júnior, que poderão ser utilizadas como prêmios aos melhores colocados. A ideia é apoiar feiras e mostras de âmbito nacional, estadual e municipal, como instrumento para melhoria dos ensinos fundamental, médio e técnico e, de quebra, despertar vocações científicas e identificar jovens talentos para futuras carreiras em ciência e tecnologia.

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Futuros talentos, com olhos vidrados no contato com o mundo da ciência
Foto: Divulgação/Febrace

Para Lopes, é importante que, cada vez mais, se utilize as feiras de ciências como estratégia para incentivar a criatividade de crianças e jovens, o que para ela é o caminho para a inovação. “Para isso, precisamos aumentar a interação entre os professores e fazer com que iniciativas como a Febrace, que é de dimensão nacional, possam servir de referência. É preciso pensar isso como uma formação para professores e, assim, realizar uma transformação de verdade dentro da escola. Quando conseguirmos que a escola passe a valorizar mais o processo, incentivando a criatividade do aluno, fazendo com que ele acredite que pode fazer alguma coisa que vai ter impacto na região, estaremos realmente estimulando esse espírito científico, que acaba por tornar-se um espírito empreendedor”, conclui.