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Cidade do Saber de Camaçari: inclusão social para amenizar a desigualdade
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Reportagem
Cidade do Saber de Camaçari: inclusão social para amenizar a desigualdade
Por Carolina Octaviano
10/02/2011

Localizada na região metropolitana de Salvador, Camaçari é uma cidade com pouco mais de 240 mil habitantes, de acordo com dados divulgados em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Apesar de possuir o segundo maior Produto Interno Bruto (PIB) da Bahia, a renda da maior parte da população é baixa. É nesse cenário que emerge a Cidade do Saber “Professor Raimundo Pinheiro”, um complexo integrado para atividades culturais e esportivas que tem como intuito a inclusão social em ampla escala.

Inaugurado em 2007, esse centro cultural e esportivo tem, atualmente, capacidade para cinco mil atendimentos diários,incluindo o público dos espetáculos e eventos realizados na Cidade do Saber, os beneficiários das oficinas do Ponto Móvel e as atividades regulares dos educandos, e já atingiu 140 mil atendimentos desde a sua inauguração. O complexo oferece dez mil vagas por ano para cursos regulares de idioma, artes cênicas e música, além de cursos de promoção da saúde e das escolinhas esportivas. E é por meio das atividades educativas e dos eventos culturais oferecidos na Cidade do Saber, os quais dão a oportunidade para que se desenvolvam talentos e possibilitam a troca de experiências e conhecimentos entre educandos e educadores, que a população carente de várias localidades de Camaçari tem a oportunidade de se incluir socialmente e ter sua auto-estima e dignidade resgatadas.

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Além disso, o complexo abriga o segundo maior teatro, em capacidade, do estado da Bahia, perdendo apenas para o Teatro Castro Alves, situado na capital, Salvador. Há quatro anos, não havia salas de cinema e nem de teatro na cidade. “A Cidade do Saber, além do segmento dos cursos e oficinas, vem se consolidando como uma iniciativa que agrega espaços culturais, tais como o teatro, o Museu Unica e o Memorial do Polo Petroquímico”, explica Ana Lúcia Silveira, diretora geral do complexo. O Museu Única (Universo da Criança e do Adolescente), ainda não inaugurado, será um espaço em que o público entrará em contato com a ciência de maneira atrativa e interativa, tendo como direcionamento a promoção e democratização do acesso à cultura científica e atuando de forma integrada com disciplinas de ciências. Já o Memorial é um espaço voltado para o passado, presente e futuro do Polo Petroquímico de Camaçari, que tem papel primordial na economia do município e é responsável por impulsionar o PIB local, estimado em R$10 bilhões.

Os projetos da Cidade do Saber de Camaçari são mantidos com verbas públicas e privadas, por meio de parcerias e doações, mas é forte o vínculo com a Prefeitura Municipal, o que gera a dúvida se os projetos e o formato em que se encontram serão mantidos numa possível mudança de governo. “A Cidade do Saber foi inaugurada em 2007, na primeira gestão do atual prefeito de Camaçari, Luiz Caetano. Portanto, ainda não houve uma mudança de governo que pudesse vir a implicar em mudanças substanciais na forma de executar o projeto”, complementa Silveira.

A Cidade do Saber é uma organização não governamental (ONG), certificada como organização social (OS), em que há um instituto privado, sem fins lucrativos, que administra os recursos advindos da Prefeitura, por meio dos contratos de metas, o que faz com que dependa do governo. “Deste modo, garantia de continuidade das ações, tais quais são efetuadas agora, não há, uma vez que, com mudança no governo, uma outra forma de elaborar e dirigir tais políticas pode emergir. A estrutura física é pública, cedida ao instituto durante a vigência do contrato de gestão e, também por isso, a sua utilização nos moldes atuais estará sempre em convergência com as políticas governamentais norteadoras”, afirma a diretora geral.

Entretanto, em contrapartida, a tendência é que a manutenção dos projetos já existentes e a criação de novos estejam cada vez mais compartilhados, devido à captação de recursos de outras fontes, como as empresas privadas e os governos estadual e federal. “Este é um objetivo estratégico da atual gestão, o que implica em um maior peso nas decisões – inclusive, também, pela crescente apropriação da comunidade – relacionadas às políticas, práticas e ações consideradas bem sucedidas e com contribuição comprovada para o desenvolvimento da população, através da Cidade do Saber”, reitera Silveira.

Mas como se articula a rede que agrega os diferentes atores: sociedade civil, prefeitura e empresas privadas? No quadro de funcionários da Cidade do Saber, há o mobilizador social, responsável por estruturar essa rede entre a instituição, lideranças comunitárias e membros da sociedade civil organizada. Anualmente, uma agenda de encontros é programada e é nesse momento que os atores dialogam com a equipe e a diretoria do centro, apresentando as demandas e críticas.

Quando se trata de empresas privadas, a Cidade do Saber tem uma parceria com o Comitê de Fomento Industrial de Camaçari (Cofic) e participa das reuniões da Comissão de Comunicação e Responsabilidade Social.“A Cidade do Saber é parceira do Cofic em dois projetos voltados para a comunidade local, que são: o Memorial do Polo Petroquímico, que funciona nas instalações do complexo, e o Polo de Cidadania, evento realizado anualmente em frente à Cidade do Saber, onde são montados stands de diversos órgãos e empresas, que oferecem serviços gratuitos e de qualidade à população de Camaçari durante todo o dia, contando, ainda, com atividades socioeducativas, esportivas e culturais”, lembra Silveira.

Já com a Prefeitura, há um diálogo constante, por conta da fiscalização e do acompanhamento das políticas culturais e esportivas executadas pelo contrato de gestão. “As Secretarias de Desenvolvimento Social, de Saúde e de Educação, por exemplo, já executam projetos em parceria com a Cidade do Saber, o que permite uma articulação e maior penetração da ONG na sociedade”, corrobora a diretora geral. Isso ocorre por meio da rede de proteção da criança e do adolescente, de práticas ampliadas de saúde, da educação integral para alunos da rede pública municipal etc.

E de que modo a Cidade do Saber de Camaçari se aproxima das iniciativas adotadas na Cidade do Cérebro, em Natal, e no projeto Porto Maravilha, no Rio de Janeiro?

Na opinião de Silveira, o Porto Maravilha é o que mais se assemelha à Cidade do Saber, mais especificamente os espaços de consumo cultural previstos para o projeto do Rio, como o Museu do Amanhã e os Museus de Arte. O Porto Maravilha tem como objetivo maior a revitalização da zona portuária do Rio de Janeiro. Da mesma forma, Silveira acredita que a Cidade do Saber faça parte de um projeto maior, capitaneado pela administração pública municipal nos últimos anos, de requalificar e humanizar as políticas e espaços públicos de Camaçari. “Nesse sentido, há uma convergência (com o projeto do Rio)”, avalia.

Resultados intangíveis e pespectivas

Em março deste ano, a Cidade do Saber completa quatro anos de existência. E, conforme Silveira, não se pode avaliar os resultados do que é realizado ali com base no tempo de existência, pois se fomenta não apenas as manifestações artísticas ou históricas da cidade, mas também o desenvolvimento cultural e a qualidade de vida. “Resultados, aqui, podem ser, principalmente, mensurados na contribuição às transformações: individuais, coletivas, transformação no olhar da cidade para a própria cidade, na identidade pela qual se reconhece, e pela qual é reconhecida em todo o estado, no país e, hoje, já mundo afora. Sem dúvida, estimular essa mudança, na visão de quem é de fora e de quem vive aqui, a respeito do perfil da cidade e das possibilidades de futuro da sua comunidade, é o maior resultado”, confirma.

Em 2011, a Cidade do Saber de Camaçari vai inaugurar o Universo da Criança e do Adolescente (Unica), um museu de ciência e tecnologia interativo e lúdico, para despertar o interesse de crianças e adolescentes por disciplinas da rede formal de ensino, como a física, por exemplo. “Será mais um espaço que se configura como único, em seu perfil, na região; o que coloca Camaçari – um município que, apesar ser uma das potências econômicas do estado, tem uma herança de índices sociais alarmantes – em destaque no cenário da política sociocultural contemporânea da Bahia”, comenta Silveira.

O orgulho de professores do projeto

Para José Pinheiro dos Santos Júnior, professor de natação e hidroginástica da Cidade do Saber, fazer parte dos projetos do centro é uma realização como educador, o faz se sentir como parte de um amplo processo educativo. “É acreditar que a inclusão social através do esporte e da cultura realmente acontece”, afirma. Renato Tavares, professor e coordenador do teatro, sente-se orgulhoso de trabalhar ali: “É um privilégio participar de um projeto que alia arte, educação e ação social num só ambiente”, avalia.

Na opinião de Júnior, ministrar aulas no centro é bastante diferente do que nas escolas convencionais. “Na Cidade do Saber, nós educamos através do esporte e da cultura, o que nos dá um campo muito maior de possibilidades de fazermos com que os nossos educandos se sintam realmente parte do processo de inclusão”, diz. Tavares confirma esse diferencial: “Já começa pelo público. Aqui temos a oportunidade de trabalhar com conteúdos que são de interesse direto do educando. Na escola convencional, você dá uma disciplina para indivíduos que estão e que não estão nem um pouco motivados em vivenciar seu aprendizado”, conclui.