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Reportagem
Inflação em alta no mundo todo acende o sinal de alerta
Por Carolina Ramos
10/05/2011

Pelo menos duas vezes, em abril, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, declarou que o mundo está passando por um surto inflacionário. No último dia 26, por exemplo, disse isso para justificar que o Brasil “não está mal na foto”, quando comentou o aumento da inflação no país, que atingiu em março 6,3% no acumulado de doze meses. Antes disso, em 18 de abril, Mantega já havia avaliado que o atual cenário econômico mundial tem sido afetado pela alta no preço de commodities como petróleo, minérios, milho e soja.

A declaração do dia 26 foi feita na palestra que Mantega realizou no Palácio do Planalto durante a plenária do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, órgão consultivo da Presidência da República composto por representantes da sociedade civil. Já a do dia 18 foi dada em Nova York, quando o ministro falou para investidores em evento organizado pela Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos.

A avaliação do ministro leva em consideração o aumento da inflação em países tidos como mais estáveis economicamente, a exemplo de alguns dos 15 que fazem parte da zona do euro, entre eles a Suécia. Em março, os índices inflacionários dessas nações subiram para, em média, 2,7%, os maiores desde 2008, quando as taxas alcançaram 3,2%. Outro exemplo do aumento inflacionário no mundo é ilustrado pela China que, ao lado do Brasil, faz parte do chamado BRIC, bloco dos principais países emergentes, formado ainda por Rússia e Índia. Também em março, a inflação aumentou no gigante asiático e chegou a 5,4%, acima dos 4,9% registrados em fevereiro, impulsionada pela alta dos preços dos alimentos.

É justamente o aumento de commodities, como os grãos, que justificam a subida da inflação em outras partes do mundo, na avaliação do economista Fernando de Holanda Barbosa, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro. “Esse é um problema comum do Brasil e de outros países no momento. Mas eles têm como sair dessa situação transitória em curto prazo”, comenta Barbosa.

O economista Giuliano Contento Oliveira, professor do Instituto de Economia da Unicamp, destaca que, segundo as estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI), tende a ocorrer uma desaceleração de aumento dos preços já em 2011, comparativamente a 2010. “Em muitos países que fazem uso do regime de metas para a inflação, o aumento dos preços tende a superar a meta em 2011. Mas nada que sinalize um quadro de aumento descontrolado dos preços”, diz.

Oliveira afirma que as pressões inflacionárias significativas em diversas economias do mundo estão associadas, além do aumento dos preços das commodities, à política monetária altamente expansionista dos Estados Unidos. “Quando esses dois fatores se juntam com um ritmo de atividade econômica em expansão, o aumento dos preços acaba assumindo maior vigor”, analisa. De acordo com o economista, contudo, isso não significa a inexistência de pressões inflacionárias decorrentes do aumento da demanda. No caso do Brasil, por exemplo, o aumento dos preços verificado no setor de serviços – tanto os públicos, como transportes e energia elétrica, quanto privados, como TV por assinatura e internet – revela que a elevação dos preços se deve somente em parte à expansão dos preços de grãos e minérios. Com o aumento do poder aquisitivo no país, a demanda por energia e internet, por exemplo, cresceu mais que a oferta.

Já no caso das commodities, principalmente as agrícolas, o aumento dos preços está relacionado ao que os especialistas chamam de choque de oferta. Como explica Oliveira, isso ocorre quando fatores que influenciam a produção afetam adversamente sua oferta, como, por exemplo, uma quebra de safra agrícola. Nesses casos, ocorre uma contração da oferta e subsequente aumento dos preços. “O aumento dos preços de commodities no período recente tem sido causado, em grande medida, pelo crescimento acelerado da demanda chinesa e pelas operações especulativas realizadas nos mercados futuros”, explica o economista da Unicamp.

Campeã inflacionária

Além desse aumento geral da inflação que, no momento, é registrado em vários países, vale destacar o caso daqueles que, continuamente, apresentam altos índices inflacionários. O principal exemplo é o da Venezuela, cuja inflação, medida pelo índice de preços ao consumidor, atingiu 25,1% em 2009 e 27,2% em 2010. É a maior taxa do mundo e estima-se que, ainda em 2011, ela possa atingir até 30%. “Com uma inflação desse tamanho, a elevação interna dos preços acaba tendo um impacto desfavorável sobre o câmbio (com a desvalorização da moeda local, o bolívar)”, observa Oliveira. Na análise do economista, o resultado, como era de se esperar, é a repercussão negativa do governo Hugo Chávez, comprovada pelas últimas pesquisas de opinião mostrando um índice de reprovação ao presidente superior ao de aprovação. “Uma coisa é certa: não será o exército que irá eliminar, de forma duradoura, a inflação na Venezuela”.

Barbosa, da FGV-Rio, coloca o caso da Venezuela como exemplo de uma sociedade politicamente fraca, com dificuldades de fazer alianças com outros grupos. “Estado e mercado têm que ser fortes. São duas instituições complementares. O estímulo ao emprego e à saúde empresarial são necessários como forma de geração de dinheiro, que paga impostos e, portanto, arca com os gastos do governo. Se o financiamento das despesas ocorre com a emissão de moeda, a produção do país fica desestimulada, entre outras consequências”, analisa. A emissão de moeda para colocar mais dinheiro em circulação é uma das formas de compensar gastos públicos superiores à arrecadação. Se, por um lado, a fraqueza institucional do Estado pode ser relacionada a economias frágeis, por outro lado, um Estado forte garante situação econômica bem mais confortável. È o caso da Suíça e da Noruega, com invejável taxa de 1% de inflação. “Temos que mirar em exemplos como o desses países, que apresentam justiça social e excelência de serviços”, afirma Barbosa.

Não há risco de hiperinflação

Apesar de merecer atenção, o surto inflacionário mundial, como qualificado pelo ministro Mantega, passa longe do risco de hiperinflação, catástrofe que, no passado, afligiu não somente países emergentes como o Brasil, mas também nações desenvolvidas como a Alemanha. “Neste momento, seria forçado falar em risco de hiperinflação mundial. Temos visto, sim, uma pressão de alta sobre os preços”, comenta Oliveira, da Unicamp. Para ele, não há elementos capazes de justificar esse cenário atualmente. “Primeiro, porque as principais economias desenvolvidas estão tentando evitar justamente a deflação. Segundo, porque o compromisso da autoridade monetária na contenção da inflação é muito grande atualmente no mundo todo, ainda que em diferentes intensidades e com algumas exceções”, avalia.

Hiperinflação é uma doença, como explica Barbosa, da FGV/Rio. Sua origem é fiscal, ou seja, o Estado é incapaz de pagar suas contas porque gasta mais do que arrecada e, assim, emite mais moeda. Em consequência disso, a inflação aumenta. Para curar essa doença, é necessário atuar sobre a origem, que é fiscal, e cobrir despesas governamentais sem emissão de moeda.

O melhor exemplo nesse sentido é o da Alemanha, que enfrentou um dos piores casos de hiperinflação da história em 1923, quando o país havia acabado de sair derrotado da Primeira Guerra Mundial e endividado com as nações que haviam vencido. Para se financiar, o governo recorreu ao amargo remédio da impressão de moeda em várias ocasiões. Resultado: aumento da inflação que, em outubro de 1923, bateu na estratosférica taxa de 29,5 mil por cento ao mês, ou 20,9% ao dia.

“Foi um aumento continuado, generalizado e descontrolado dos preços, resolvido com o ‘milagre do Rentenmark’”, explica Oliveira, se referindo ao nome da moeda de transição adotada na época. A partir dela, foi realizada uma reforma monetária e a confiança, recuperada. “Pode-se dizer, nesse sentido, que a fixação da taxa de câmbio garantiu o fim súbito da inflação. Um dólar passou a equivaler a 4,2 Retenmark”, diz.

Em tempos mais recentes, a hiperinflação também foi registrada em países da América Latina. Na Argentina, chegou a bater em 5.000% ao ano, e o câmbio fixo foi visto como solução, com o peso valendo o mesmo que um dólar. “Um país que sofre o mal da hiperinflação é aquele que perde a soberania sobre a sua moeda. No contexto dos anos 1980, esses países estavam em meio à crise da dívida externa. Não dispunham de divisas (recursos de fora) para viabilizar planos de estabilização bem-sucedidos”, comenta Oliveira. Ele explica que, nesses casos, a experiência internacional indica a conveniência do uso de âncora cambial. “A fixação da taxa de câmbio para estabilizar as expectativas demanda certo nível de reservas internacionais”. Como o câmbio fixo facilitou o endividamento em dólar e a Argentina não tinha reservas suficientes, teve que decretar o calote da dívida externa em 2001. Só a renegociação da dívida pôde trazer de volta a confiança dos investidores e a recuperação da economia do país vizinho.