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Editorial
O ano internacional da química
Por Carlos Vogt
10/07/2011

Todos concordamos, ou ao menos tendemos a concordar, que a ciência contribui, de uma forma ou de outra, para a melhoria da qualidade de vida no planeta, embora seja também verdade que a desconfiança das populações não tenha deixado de acompanhar o desenvolvimento científico e as aplicações do conhecimento na geração das novas tecnologias e das inovações que se incorporam com frequência cada vez maior ao cotidiano de nossas vidas.

Além dos aspectos ligados ao bem-estar social que a ciência pode acarretar, na forma das facilidades que pode oferecer através de suas aplicações tecnológicas e inovativas, há outra espécie de conforto que diz respeito às relações da sociedade com as tecnociências, que envolve valores e atitudes, hábitos e informações, com o pressuposto de uma participação ativamente crítica dessa sociedade no conjunto dessas relações. A esse tipo de conforto chamo bem-estar cultural, como já tratei em outro artigo ("Ciência e bem-estar cultural", publicado no número 119 da revista eletrônica ComCiência).

A química, disciplina fundadora da ciência moderna, segue os preceitos acima mencionados, há muito gerando conhecimentos que promovem o desenvolvimento científico e a melhoria da qualidade de vida da população, ao mesmo tempo em que é vista, em algumas épocas, e em todas as épocas, por alguns, com certa desconfiança, como se, por si só, a química pudesse oferecer algum risco ou se configurasse como uma ameaça. Não obstante os usos que são ou foram feitos da química e de seus produtos científicos e tecnológicos, a Organização das Nações Unidas (ONU) proclamou 2011 como o Ano Internacional da Química, pelos inúmeros benefícios da química para a humanidade, e com o propósito de celebrá-la no mundo todo.

No livro Dez teorias que comoveram o mundo, de Leonardo Moledo e Esteban Magnani, publicado no Brasil pela Editora da Unicamp, em 2009, em tradução do original argentino, de 2006, a química é reverenciada por meio de uma descoberta que não somente mudou os rumos da própria química, mas que representa também um dos marcos da ciência moderna. Entre as teorias escolhidas pelos autores, como o heliocentrismo, a gravitação universal, o evolucionismo, a teoria atômica, a teoria da infecção microbiana, a relatividade, a teoria da deriva continental, a genética e o Big Bang, está ainda elencada a teoria da combustão. Lavoisier, ao anunciar que na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma, criando o enunciado do princípio de conservação da matéria, resolveu um importante problema para os pesquisadores da área: a natureza da combustão. E, de quebra, afetou os rumos, porque não dizer, da própria humanidade, no sentido de transformação do conhecimento acumulado até então.

Com a sua descoberta, o químico francês entra no paradoxo da comovente história do conhecimento que, a meu ver, seria simples e transitória como é definitiva e complexa a provisoriedade da vida. Conhecer é um ato de coragem que nos leva, de pergunta em pergunta ao confronto de alternativas: ou recusamos o conhecimento como dado, ou nos aventuramos no que nos é dado a conhecer. Neste caso, ainda que a biblioteca de nossos conhecimentos seja “periódica”, ela será também “ilimitada” como enunciou Borges sobre a Babel; no outro, seremos somente definitivos e limitados pelos muros abertos do labirinto de areia do deserto de informações.

Há, assim, pelo menos dois modos de conhecer: aquele que nos abandona e nos perde na “planitude” da informação acumulada (termo elaborado no texto “A invenção da planitude”, publicado no número 120 da revista ComCiência), tornando-nos sábios-sabidos; aquele que, mantendo-nos em estado de ignorância crítica  o que chamei em outro artigo (“Ciência e bem-estar cultural”) de ignorância cultural  , nos leva a desconfiar da miragem benfazeja do conhecimento dado e nos põe em constante estado de alerta para o que vem pronto, plano e amiúde, vale dizer, os monumentos instantâneos das certezas passageiras.

Neste caso, é muito provável que todos não sejamos sábios; é certo, contudo, que teremos sabedoria – a sabedoria paradoxal que quanto mais aumenta, mais nos faz crescer em conhecimento e mais nos diminui o conforto passivo das situações objetivas e subjetivas de cada conquista ética e cultural.

A Organização das Nações Unidas (ONU) escolheu, com feliz acerto, marcar 2011 como o Ano Internacional da Química, dado que ele é também o ano do centenário do Nobel que Marie Curie recebeu pela descoberta dos elementos químicos rádio e polônio, depois de haver já recebido, com seu marido Pierre Curie, em 1903, o Nobel de física por suas pesquisas no campo da radioatividade.

São muitas as publicações e comemorações neste ano desse modo singularizado pela ONU para enfatizar os grandes avanços e conquistas da ciência através de uma de suas expressões mais sofisticadas e mais importantes no campo do conhecimento.

O próprio Labjor já esteve presente nessas homenagens pelas publicações a ele ligadas, direta ou indiretamente, como é caso da edição, ano 63, n. 1, jan/fev/mar/2011, da revista Ciência & Cultura, dedicado ao tema e da edição n.8, fev/2011, da revista Pré-univesp, onde, aliás, parte deste texto foi também publicado como editorial.

A importância da química é tão grande para a história do conhecimento e, portanto, para o bem-estar cultural da humanidade, além, é claro de sua enorme relevância para as transformações sociais de nossa história, que, de algum modo, é possível afirmar que o pensamento antropológico, característico do homem moderno, não seria possível sem a descoberta e as descobertas da química.

Com a química, firmam-se também a revolução industrial e todas as consequências econômicas, políticas e culturais dela advindas no plano da organização da vida social no mundo moderno.

Hoje, a química, seguindo a tendência epistemológica de agregação de áreas do conhecimento científico para a formação de novas áreas com características multidisciplinares predominantes, evolui para a constituição de campos do saber com os quais ela se encontra, por exemplo, a física, a biologia, a farmacêutica, a medicina, a genética, a genômica, a proteômica, e uma grande variedade de estudos e pesquisas em nanociências e nanotecnologias.

Nos cem anos do Nobel de química de Marie Curie, o primeiro ano da celebração da dinâmica permanente de uma forma de conhecimento que se tornou definitiva nos processos culturais de permanência e transformação do homem, da natureza e de suas relações.