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Tecnologia social: aquela voltada para a inclusão
Por Rogério Bezerra da Silva e Renato Dagnino
10/09/2011

O que é tecnologia social? É aquela tecnologia que possibilita a produção de bens e serviços que atendam às necessidades dos arranjos produtivos chamados empreendimentos solidários, que estão sendo organizados pelos e para os “excluídos”. São também aquelas que devem ser satisfeitas pelo Estado para atender às necessidades de todos os cidadãos e que devem ter sua produção viabilizada nesses empreendimentos, mediante a utilização do poder de compra estatal.

Sendo, portanto, a tecnologia social aquela tecnologia voltada à inclusão social, esperaríamos que o seu desenvolvimento fosse uma das prioridades do governo, não é mesmo? Então, vejamos qual a prioridade da tecnologia social.

No gráfico abaixo estão os gastos do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) com dois programas de seu Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação (PACTI):

Gastos com o PACTI, em R$ milhões/ano


Fonte: Ministério de Ciência e Tecnologia (2010).

O MCT gastou com subvenção econômica à empresa (deu dinheiro às empresas para elas fazerem pesquisa, sem que precisassem reembolsar o governo) R$ 1,6 bilhão entre 2007 e 2010. Ao passo que foram gastos somente R$ 327 milhões com pesquisas de alguma forma ligadas à inclusão social. Como demonstram as linhas que contam as curvas do gráfico, há uma tendência de crescimento dos recursos para subvenção econômica e de estagnação daqueles destinados à inclusão social.

Vejamos também os gastos do governo com os programas Prime (Primeira Empresa Inovadora) e Proninc (Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas Populares):

Gastos com o Prime e Proninc


Fonte: (1) Financiadora de Estudos e Projetos (2008 e 2009);

(2) Ministério de Ciência e Tecnologia (2010).

O Proninc, cujo objetivo é utilizar o conhecimento e a capacidade existentes nas universidades para a constituição de empreendimentos solidários, recebeu 22 vezes menos recursos nesses três anos do que o Prime, que foi criado para oferecer condições financeiras favoráveis para que empresas privadas de “alta tecnologia” possam se consolidar no mercado.

Como se observa, a tecnologia social não é uma prioridade para o governo. Mas, sendo a tecnologia social fundamental para a inclusão social, por que ela não é prioridade? Para tentar entender por que ela não é priorizada, vamos recorrer a uma tipologia sobre “corações” e “mentes”, apresentada no diagrama abaixo.

Tipologia das “mentes” e “corações”


Na parte superior do diagrama, o quadrante direito representa um conjunto aparentemente vazio. É muito pouco provável que uma pessoa que se encontra satisfeita com a sociedade em que vive possa vir a questionar o modo como nela se produz a tecnologia.

No quadrante superior esquerdo estão aqueles que têm “corações e mentes cinzas”. São aqueles que se dedicam à formação de estudantes com a “mente cinza”. A cor dos corações dos estudantes aparentemente não importa a eles. Para eles, “corações” não podem entrar no “mundo da tecnologia”. E é até contrário às normas do “bom desenvolvimento da tecnologia” deixar que considerações relativas ao “coração” (ideologias, visões de mundo, interesses políticos ou econômicos etc.) interfiram nele.

Na parte inferior do diagrama estão aqueles que escolheram trabalhar com tecnologia social, que possuem um “coração vermelho”, isto é, almejam uma sociedade mais justa.

Mas a maioria dos “corações vermelhos” tem uma “mente cinza”. Ou seja, não percebeu ainda que o conhecimento que possui, utiliza e difunde não é capaz de produzir a sociedade que deseja. Essas pessoas estão representadas no quadrante inferior esquerdo.

São os de “coração vermelho e mente cinza” aqueles que nos interessa melhor abordar aqui. Eles podem ser subdivididos em dois grupos: os que acreditam na ética e os que consideram que apenas uma revolução social pode fazer com que a tecnologia convencional (produzida pela ou para a empresa, poupadora de mão de obra, intensiva em capital e, na maioria das vezes, causadora de danos ambientais) venha a beneficiar a sociedade.

Os adeptos da ética crêem que a tecnologia convencional possa ser “usada para o bem”. Consideram que o controle em relação ao uso da tecnologia, feito depois dela ser produzida, é suficiente para que ela atenda aos interesses e necessidades da sociedade.

Os que acreditam no caminho da revolução dizem que “a tecnologia que hoje oprime a sociedade, amanhã, quando ‘apropriada’ pelos trabalhadores, os liberará e os conduzirá a uma vida melhor”.

Devido a essas concepções sobre tecnologia, os de “coração vermelho e mente cinza” não se mobilizam politicamente para neutralizar a influência dos “corações e mentes cinzas” e tampouco se organizam para influenciar a formação dos estudantes numa outra perspectiva. Contribuem, assim, para que “mentes cinzas ‘sem coração’ sejam formadas”. Isto é, para a formação de estudantes que consideram que “assuntos do coração”, de natureza política e ideológica, não devam ser misturados com o “mundo da tecnologia”.

Aqueles de “coração vermelho e mente cinza” não se sentem responsáveis por atuar na elaboração da política pública de ciência e tecnologia. Mesmo sabendo que é ela, em última instância, que define o modo e o ritmo com que ocorre o desenvolvimento da tecnologia social. Por não se dedicarem a intervir nessa política, os “corações vermelhos e mentes cinzas” não conseguem fazer com que a tecnologia social seja priorizada pelo governo.

“Avermelhar mentes e corações” é fundamental para fazer com que o governo priorize a tecnologia social. É atuando na elaboração da política pública de ciência e tecnologia e na formação de estudantes com “mentes vermelhas” que se pode aumentar o ritmo de desenvolvimento de tecnologia voltada à inclusão social.

Acreditamos que a tecnologia social pode desempenhar um papel estratégico para a construção de uma sociedade melhor, e é isso que justifica o tom provocativo, quase militante, que marca este artigo.

Rogério Bezerra da Silva e Renato Dagnino são pesquisadores do Grupo de Análise de Políticas de Inovação (Gapi) do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp.